A ameaça dos alimentos ultraprocessados | Colunistas

O Guia Alimentar para a População Brasileira, última versão lançada no ano de 2014, traz um conjunto de informações e recomendações sobre alimentação visando promover a saúde da população brasileira1.

Nesta versão, os alimentos são classificados de acordo com a extensão e o propósito do processamento que estes sofrem (a chamada classificação NOVA):
1) alimentos in natura ou minimamente processados;
2) ingredientes culinários processados;
3) alimentos processados; e
4) alimentos ultraprocessados2. Vamos focar aqui nessa última categoria, ok?

O Guia Alimentar tem como regra de ouro “prefira sempre alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias a alimentos ultraprocessados”1. Mas, por que essa recomendação? O que há de errado em ultraprocessar os alimentos? Quais os impactos do consumo de alimentos ultraprocessados? É o que veremos a seguir.

Perai… Mas o processamento de alimentos não é algo bom?

Sim, algumas técnicas de processamento são muito importantes para diversos alimentos que iremos consumir (como o arroz, o feijão, os leites e as carnes), no intuito principalmente de aumentar a sua vida de prateleira3.

E o ultraprocessamento?

O ultraprocessamento produz produtos que, para alguns autores, não são sequer considerados alimentos porque estes apresentam proporção reduzida dos alimentos in natura ou minimamente processados – isso quando se encontram presentes na lista de ingredientes2.

Ainda, no ultraprocessamento são acrescentados aditivos, estabilizantes, conservantes e outras substâncias encontradas apenas em alimentos ultraprocessados1.

Então, qual é a finalidade dos alimentos ultraprocessados?

O propósito principal desses alimentos é criar produtos alimentícios prontos para comer, substituindo então os alimentos dos demais grupos preconizados pelo Guia Alimentar, bem como extinguir a fase de preparação de alimentos na cozinha1,2.

Cabe ressaltar que, dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018 demonstram que, no país, vem ocorrendo uma diminuição do consumo de alimentos in natura ou minimamente processados e um aumento do consumo de alimentos ultraprocessados desde 20024.

De que forma os alimentos ultraprocessados trazem consequências para a nossa saúde?

Na verdade o ultraprocessamento dos alimentos traz consigo diversos problemas, e começo trazendo o resultado de uma metanálise5 recente que mostrou um risco aumentado de sobrepeso e obesidade, circunferência da cintura elevada, níveis reduzidos de HDL-colesterol e síndrome metabólica em adultos que consomem quantidades elevadas de alimentos ultraprocessados em comparação com aqueles que consomem menos, por diferentes mecanismos possíveis:

Má qualidade nutricionalGrandes quantidades de açúcares livres ou adicionados, gorduras, baixos teores de fibras e altas densidade de energia explicam o efeito negativo sobre os fatores de risco cardiovascular e cardiometabólico, bem como o risco de sobrepeso e obesidade5
Compostos que se formam durante o processamento do alimentoA acrilamida – um contaminante presente em produtos alimentícios processados ​​tratados termicamente – e a acroleína – um composto formado durante o aquecimento da gordura – foram associadas a um risco aumentado de doenças cardiovasculares5
Aumento da exposição a produtos químicos desreguladores endócrinos usados ​​em embalagens plásticas industriaisEmbora o bisfenol A seja proibido para uso em embalagens de alimentos em muitos países, ele foi substituído por outros componentes, como o bisfenol S, que também tem propriedades desreguladoras endócrinas e é suspeito de ser absorvido mais oralmente do que o bisfenol A5
Características organolépticasO hipersabor desses alimentos tem levado ao aumento do consumo alimentar e ao retardo da sinalização da saciedade, levando a maior ingestão alimentar global e, consequentemente, gerando um aumento na ingestão de energia e no peso corporal5
Microbioma intestinalUm aumento no consumo de açúcares simples e gorduras está diretamente relacionado a um aumento de substâncias pró-oxidantes e alterações na composição e funções da microbiota intestinal, contribuindo para variações no pH, na composição dos microrganismos e na produção de ácidos graxos de cadeia curta. Por exemplo, o gênero Firmicutes cresce substancialmente nas dietas ocidentais, o que reduz o gênero Bacteroidetes, resultando em disbiose e na perda de vários nichos microbianos específicos no intestino, levando às diferenças observadas nas filogenias microbianas em indivíduos com doenças metabólicas crônicas. Além disso, ocorre a indução de citocinas pró-inflamatórias (IL-1, IL-6 e TNF-α), o que favorece a hiperinsulinemia e o armazenamento excessivo de lipídios no fígado e tecido adiposo. A relação entre o consumo de uma dieta rica em gorduras e inflamação de baixo grau e o desenvolvimento de doenças metabólicas tem sido atribuída à redução no número de Bifidobacterium e uma maior concentração de endotoxina plasmática (LPS derivado de bactérias gram-negativas)6

Bom, já vimos que todo o cuidado é pouco quando falamos do que vamos colocar para dentro do nosso organismo não é? Não existe apenas um mecanismo de atuação desses alimentos, são diversos fatores agindo concomitantemente e aumentando o risco de doenças cardiovasculares e metabólicas.

A rotulagem frontal de alimentos que já foi aprovada no país e se encontra em trâmite para adequação da indústria7 vai ser um fator auxiliador muito importante no processo de clarear as informações nutricionais presentes nos rótulos de alimentos e nos auxiliar em escolhas alimentares mais conscientes, saudáveis e adequadas. Enquanto a medida não entra em vigor, cabe a nós buscarmos nos aprimorarmos em quanto agentes propagadores de informações científicas e adequadas!

Cuidem da sua saúde! Até a próxima pessoal!

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REFERÊNCIAS:

  1. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia Alimentar para a População Brasileira. 2 ed., 1 reimpr. Brasília: 2014. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf>. Acesso em 01 Abr. 2021.
  2. MONTEIRO, C.A. et al. NOVA. A estrela brilha.[Classificação dos alimentos. Saúde Pública]. World Nutrition, [s.l.], v. 7, n. 1-3, p. 28-38, jan./mar. 2016. Disponível em: <http://archive.wphna.org/wp-content/uploads/2016/02/WN-2016-7-1-3-28-40-Monteiro-Cannon-Levy-et-al-NOVA-Portuguese.pdf>. Acesso em 01 Abr. 2021.
  3. MENEGASSI, B.; ALMEIDA, J.B.; OLIMPIO, M.Y.M.; BRUNHARO, M.S.M.; LANGA, F.R. A nova classificação de alimentos: teoria, prática e dificuldades. Cien Saude Colet, [s.l.], v. 23, n. 12, p. 4165-4176, 2018. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/csc/v23n12/1413-8123-csc-23-12-4165.pdf>. Acesso em 01 Abr. 2021.
  4. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Coordenação de Trabalho e Rendimento. Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: Avaliação Nutricional da Disponibilidade Domiciliar de Alimentos no Brasil. 2020. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101704.pdf>. Acesso em 01 Abr. 2021.
  5. PAGLIAI, G.; DINU, M.; MADARENA, M.; BONACCIO, M.; IACOVIELLO, L.; SOFI, F. Consumption of ultra-processed foods and health status: A systematic review and meta-analysis. British Journal of Nutrition, [s.l.], v. 125, n. 3, p. 308-318, 2020. Disponível em: <https://www.cambridge.org/core/journals/british-journal-of-nutrition/article/consumption-of-ultraprocessed-foods-and-health-status-a-systematic-review-and-metaanalysis/FDCA00C0C747AA36E1860BBF69A62704>. Acesso em 28 Abr. 2021.
  6. LEO, E.E.M.; CAMPOS, M.R.S. Effect of ultra-processed diet on gut microbiota and thus its role in neurodegenerative diseases. Nutrition, v. 71, 2020. Disponível em: <https://www-sciencedirect.ez10.periodicos.capes.gov.br/science/article/pii/S0899900719301923?via%3Dihub>. Acesso em 28 Abr. 2021.
  7. CONSELHO FEDERAL DE NUTRICIONISTAS. Anvisa aprova normas para a rotulagem frontal de alimentos. Disponível em: <https://www.cfn.org.br/index.php/noticias/anvisa-aprova-normas-para-a-rotulagem-frontal-de-alimentos/>. Acesso em 01 Abr. 2021.

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