Tendo como princípios a promoção da saúde e a garantia do direito humano à alimentação adequada, em novembro de 2014, após prolífica discussão com membros da sociedade civil organizada, o Ministério da Saúde lançou a segunda, e definitiva, edição do Guia Alimentar para a População Brasileira.
Este guia representou um marco no jeito como pensamos a nutrição, desta vez, o enfoque não é a quantidade, mas a qualidade do que comemos e como comemos. Assim, para a sua construção foram considerados os aspectos socioeconômicos, culturais, demográficos, epidemiológicos, comportamentais e nutricionais do povo brasileiro.
Desta forma, o guia se configura como um importante norteador de políticas, programas, planos e ações, que tenham como principais objetivos a proteção, a manutenção e a vigilância da segurança alimentar e nutricional dos indivíduos e das coletividades sadias e enfermas.
Agora que você já entendeu a relevância do guia para a prática profissional do nutricionista, que tal continuarmos a nossa exploração?
1- UMA NOVA PERSPECTIVA SOBRE A CIÊNCIA DA NUTRIÇÃO
Ao elaborar as Leis da Nutrição, em 1917, Pedro Escudero enumerou os critérios que deveriam ser observados ao se montar uma refeição saudável que são a quantidade, a qualidade, a harmonia e a adequação.
Na Lei da Quantidade, os nutrientes devem estar em quantidade suficiente para suprir as necessidades do indivíduo; a Lei da Qualidade se refere à necessidade de ingerir alimentos variados para obter diversidade de nutrientes; a Lei da Harmonia mostra como a adequada proporção entre os grupos é importante para manter o equilíbrio do organismo; e na Lei da Adequação, Pedro pontua que os nutrientes devem ser fornecidos de acordo com a fase de vida, estado patológico e fisiológico do indivíduo.
Contudo, a ciência da nutrição focava muito em uma abordagem puramente quantitativa, onde dietas restritivas e estabelecimento de pontos de corte para calorias e macronutrientes imperava até a pouco tempo atrás. Sem considerar todo o contexto no qual o indivíduo estava inserido, os resultados eram pacientes abandonando o tratamento dietoterápico e profissionais frustrados.
“Alimentação diz respeito à ingestão de nutrientes, mas também aos alimentos que contêm e fornecem os nutrientes, a como alimentos são combinados entre si e preparados, a características do modo de comer e às dimensões culturais e sociais das práticas alimentares. Todos esses aspectos influenciam a saúde e o bem-estar.” (Guia Alimentar para a População Brasileira, 2014, pág. 15).
Sendo assim, o guia alimentar propõe uma nova forma de nos relacionarmos com a comida, onde o foco é a qualidade e o grau de processamento dos alimentos que compõem a refeição, buscando estimular a autonomia da população no desenvolvimento de práticas alimentares positivas, que sejam seguras, adequadas às singularidades e ao momento atual dos brasileiros, além de serem social e ambientalmente sustentáveis.
2- A CLASSIFICAÇÃO DOS ALIMENTOS
O guia alimentar apresentou a classificação NOVA, a qual subdivide os alimentos em quatro grupos, conforme o grau de processamento deles, que são alimentos in natura ou minimamente processados, ingredientes culinários, alimentos processados e alimentos ultraprocessados.
2.1- Alimentos in natura ou minimamente processados
Os alimentos in natura são oriundos de plantas e animais, que não sofrem qualquer modificação antes de sua aquisição, como por exemplo, folhas, frutas, ovos e leites. Já os alimentos minimamente processados são aqueles extraídos da natureza, mas que sofreram mínimas alterações antes de serem colocados à venda, tais como folhas secas para chá, polimento de grãos, cereais moídos em forma de farinha, leite pasteurizado, entre outros.
“Alimentos in natura ou minimamente processados incluem muitas variedades de grãos, tubérculos e raízes, legumes e verduras, frutas, leite, ovos, peixes, carnes e, também, a água.” (Guia Alimentar para a População Brasileira, 2014, pág. 27).
Como esse grupo alimentar passa por poucos ou nenhum processo, a sua composição bioquímica e nutricional tende a se manter inalterada. E ainda, a sua produção onera menos o meio ambiente, contribui para o resgate e a preservação da cultura alimentar, bem como propicia geração de emprego e renda entre a população local.
2.2- Ingredientes culinários
O guia também incentiva a prática culinária como uma forma de obter alimentações saudáveis, diversificadas em texturas, cores e sabores. Dessa maneira, os óleos, as gorduras, o sal e o açúcar são alimentos processados que devem utilizados, em quantidade moderada, como ingredientes culinários, para temperar os alimentos in natura e minimamente processados e tornar as refeições mais saborosas.
2.3- Alimentos processados
Com o intuito de prolongar a durabilidade e a palatabilidade dos alimentos in natura e minimamente processados, a eles são acrescidos sal, açúcar, gorduras e vinagre, tornando-os assim, alimentos processados e nutricionalmente desequilibrados. Neste grupo incluem-se as conservas de alimentos, queijos contendo leite e sal, frutas em calda, geleias e pães compostos por farinha de trigo, leveduras, água e sal.
Estes alimentos são usualmente utilizados como ingredientes em preparações culinárias, mas o guia não recomenda usa-los como substitutos de alimentos in natura ou minimamente processados.
2.4- Alimentos ultraprocessados
A participação dos ultraprocessados no hábito alimentar dos brasileiros aumenta a cada ano. Segundo dados divulgados pelo IBGE, a aquisição de alimentos preparados e misturas industriais cresceu 56% no período de 2017 a 2018, quando comparado ao período de 2008 a 2009.
Esse grupo alimentar apresenta elevado desequilíbrio energético e de nutrientes e está intimamente relacionado à elevação de casos de excesso de peso em todas as faixas etárias e, consequentemente, de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs). Ademais, eles também estão associados à degradação ambiental, violência no campo e enfraquecimento do sistema de agricultura familiar no país.
“Suas formas de produção, distribuição, comercialização e consumo afetam de modo desfavorável a cultura, a vida social e o meio ambiente.” (Guia Alimentar para a População Brasileira, 2014, pág. 50).
Quando em alcance, esses alimentos tendem a ser muito consumidos, inclusive, substituindo refeições e alimentos in natura ou minimamente processados. Em razão disso, o guia desaconselha a sua aquisição. Fazem parte desse grupo os biscoitos recheados, salgadinhos de pacote, refrigerantes, sucos de caixinha, embutidos, macarrão instantâneo, entre outros.
3- A COMENSALIDADE
Fazem parte do contexto da alimentação saudável, as condições de produção, a aquisição, a higiene e a conservação dos alimentos, assim como o modo em que comemos. Por isso, são estimulados os hábitos de se alimentar de modo regular, consciente, acompanhado e em ambientes adequados.
Alimentar-se em horários regulares e com atenção plena favorece a saciedade, evita a ingestão alimentar excessiva e estimula o prazer em comer. O ambiente e a companhia também influenciam no grau de apreciação que temos pela refeição, porque, em lugares limpos, tranquilos e confortáveis beneficiam a concentração ao comer e o compartilhamento da refeição proporciona o estabelecimento e o fortalecimento de vínculos interpessoais, além de contribuir para um consumo mais lento.
Portanto, todos os capítulos do guia são permeados pela ideia de que comer é um ato político, porque a saudabilidade de um alimento também é influenciada pela sua procedência, sendo assim, somos constantemente convidados a consumir alimentos com produção e venda local, oriundos principalmente da agricultura familiar, a fim preservar o meio ambiente e a cultura alimentar e promover o desenvolvimento regional.
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REFERÊNCIA
1. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed., 1. reimpr. Brasília: Ministério da Saúde, 2014, p. 156.
2. DERAM, Sophie. O peso das dietas. Rio de Janeiro: Sextante, 2018.
3. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Coordenação de Trabalho e Rendimento. Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: avaliação nutricional da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2020, p.61.