O envelhecimento traz consigo diversas alterações fisiológicas e metabólicas que afetam diretamente a saúde e bem estar do indivíduo idoso. Temos como exemplo a elevada perda de massa muscular e o aumento da fragilidade óssea. No intuito de atenuar, ou mesmo reverter essas condições, a boa nutrição é essencial nesta faixa etária.
No entanto, o consumo alimentar de idosos é, em média, 30% menor em relação aos mais jovens. Por este motivo, muitas vezes estes indivíduos não conseguem atingir suas necessidades nutricionais e garantir a manutenção de sua saúde. Um dos principais fatores para este hábito alimentar é a redução do apetite, processo conhecido como “anorexia do envelhecimento”.
Diversos mecanismos são propostos para o desenvolvimento desta condição, os quais serão discutidos aqui. E então, por que os idosos comem menos?
Sinalização de fome e saciedade alteradas:
O controle da sensação de fome e saciedade é regulado por diversos mecanismos que envolvem a atuação de vários sistemas. Na população idosa, a liberação de alguns hormônios é alterada, modificando a sinalização de controle do apetite. Alguns destes hormônios são:
Colecistoquinina (CCK) – um hormônio secretado pelo duodeno e que atua estimulando a sensação de saciedade. Concentrações plasmáticas de CCK encontram-se mais elevadas em idosos em relação a indivíduos mais jovens. Ainda mais, identifica-se uma maior sensibilidade aos efeitos anorexígenos da CCK nesta faixa etária.
Leptina – é secretada pelas células adiposas e exerce um papel importante na indução da saciedade. Concentrações elevadas desse hormônio são encontradas em indivíduos idosos, principalmente naqueles com maior quantidade de gordura corporal. Contudo, a manutenção da gordura corporal parece atenuar estes efeitos em mulheres. Em homens, por outro lado, a elevação nos níveis de leptina parece ser mais influenciados pela queda das concentrações plasmáticas de testosterona.
Insulina – sua influência sobre a saciedade parece ser mediante estimulação dos efeitos anorexígenos da leptina no hipotálamo. Suas concentrações séricas encontram-se elevadas em idosos, assim seu papel na redução do apetite é maior nestes indivíduos. É importante ressaltar que a secreção aumentada de insulina, tanto no jejum quanto após a ingestão alimentar, é um processo esperado, visto o aumento da resistência insulínica durante o envelhecimento.
Grelina – este é um hormônio com característica orexígena. O envelhecimento parece reduzir seus níveis plasmáticos durante os períodos de jejum. Porém, os resultados entre estudos ainda são inconsistentes, sendo que ainda não é totalmente certo sua influência na redução do apetite em idosos.
Paladar e olfato alterados:
A redução na percepção de gosto e cheiro é uma das alterações mais comuns em pacientes idosos. Este fator contribui para uma redução na ingestão alimentar e alteração na qualidade da dieta, que tende a se tornar menos variada. Além disso, estes indivíduos, na busca de terem uma satisfação durante as refeições, podem acabar optando por alimentos mais palatáveis, os quais são, em sua maioria, nutricionalmente inadequados.
Alguns mecanismos estão relacionados a esta modificação no paladar e no olfato, tais como:
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Redução na quantidade de botões gustativos;
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Atrofia dos botões gustativos;
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Menor secreção salivar;
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Alteração no epitélio olfatório;
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Menor taxa de regeneração de receptores olfatórios.
Como veremos a seguir, algumas doenças e o uso de alguns medicamentos podem agravar a percepção destes sentidos.
Alterações funcionais do trato gastrointestinal:
A redução na complacência do fundo do estômago é uma alteração comum em indivíduos idosos. Esta alteração induz o enchimento mais rápido do antro e o consequente estiramento desta região. Este estiramento é o principal fator responsável pela sensação de plenitude. Ou seja, o idoso necessita de uma menor quantidade de alimento para se sentir saciado. A redução na síntese de óxido nítrico que ocorre com o envelhecimento é a principal causa desta menor complacência gástrica.
A redução na motilidade gástrica é outra variação normal decorrente do envelhecimento e tem como resultado o maior tempo de esvaziamento gástrico. O maior tempo de permanência dos alimentos no estômago mantém o estiramento do antro, induzindo a uma maior sensação de saciedade e reduzindo o apetite.
A constipação intestinal é uma queixa frequente em idosos, sendo uma consequência na diminuição da motilidade intestinal. Estudos demonstram que indivíduos constipados apresentam menor apetite em comparação com aqueles não constipados.
Saúde bucal reduzida:
As alterações na saúde bucal do idoso estão associadas a perda parcial ou total dos dentes, uso de dentaduras, as quais podem estar mal ajustadas, ou outros problemas que afetem sua mastigação. Estes aspectos influenciam diretamente na quantidade e na qualidade da alimentação. A dieta destes indivíduos tende a se tornar reduzida em calorias e em micronutrientes. É comum também uma menor ingestão de proteínas e maior de carboidratos, visto as diferentes consistências de algumas de suas fontes alimentares.
Doenças associadas:
Certas doenças que estão comumente presentes no indivíduo idoso se associam com a redução no apetite. Alguns exemplos são: câncer, doença pulmonar obstrutiva crônica, doenças neurodegenerativas, doença renal crônica, insuficiência cardíaca crônica, depressão e infecções. Muitas destas doenças também aumentam a demanda energética, o que se torna um problema ainda maior pela baixa ingestão alimentar nestes indivíduos.
Um dos principais fatores para a redução do apetite causada por estas comorbidades é o processo inflamatório crônico que as envolve. Muitas citocinas inflamatórias, como IL-1, IL-6 e TNF-α estão associadas ao desenvolvimento de anorexia em idosos. Além disso, o envelhecimento em si é caracterizado como um fator de estresse e está relacionado com o desenvolvimento de um processo inflamatório crônico de baixo grau, o qual estimula a maior liberação dessas citocinas, reduzindo o apetite.
Uso de medicamentos:
É comum que o idoso faça uso de muitos medicamentos para o tratamento de doenças crônicas ou para eliminar qualquer queixa que ele venha a sentir. No entanto, muitos fármacos possuem efeitos adversos que interferem no apetite do indivíduo, entre eles estão: a redução na produção de saliva, indução de gosto metálico na boca, causar vômito, diarreia, constipação e alteração na percepção de gosto e cheiro.
Algumas classes de medicamentos que exercem efeitos sobre o apetite são: antibióticos, anti-hipertensivos, diuréticos, estatinas, anti inflamatórios, antifúngicos, ansiolíticos, antiepilépticos e broncodilatadores. Para uma lista completa destes fármacos e um melhor entendimento sobre o assunto, fica uma recomendação de leitura: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6051304/
Aspectos emocionais:
A saúde mental do idoso merece total atenção. Grande parte dessa população mora sozinha, longe dos familiares e frequentemente fazem suas refeições desacompanhados. A solidão é um fator que afeta diretamente o apetite e o consumo alimentar destes indivíduos.
Estudos demonstram que dentre aqueles indivíduos idosos que não atingem suas necessidades nutricionais, 32% não fazem refeições junto a família ou amigos. Por outro lado, o tamanho da refeição, quando esta é realizada junto a outras pessoas, aumenta em até 40% em comparação com aquelas feitas sem companhia.
Outro aspecto importante a se considerar é que quanto mais abalado emocionalmente o idoso está, menor é sua disposição para comprar alimentos e preparar uma refeição variada. Estes dois fatores também resultam na pior qualidade da dieta e piora na saúde destes indivíduos.
Ufa! Deu pra ver que este tema é MUITO amplo, né!? Todos os tópicos neste texto foram abordados bem resumidamente, como uma forma de introduzi-lo ao assunto. Portanto, caso você tenha gostado do tema e queira se aprofundar mais, deixo aqui um texto com informações mais completas: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26828516/.