Durante o processo de evolução humana, em um tempo onde era necessário manter a sobrevivência, a caça era a ação praticada para se manter vivo. Quando conseguida, havia fartura, quando não, o corpo passava por adaptações metabólicas de resistência e adaptações a longos períodos de escassez alimentar, numa fisiologia para estocar gorduras, ao invés de proteínas e carboidratos.
Assim, a estocagem de gordura corporal serviu como reserva de emergência involuntária para os primeiros seres humanos se manterem vivos. Esse processo de escassez alimentar durou por milhões de anos, até a chegada do período Neolítico, com o desenvolvimento da produção agrícola, trazendo assim outra fonte alimentar (BARBATO; LETTIERI; AQUILANO, 2016).
A capacidade de jejuar também é utilizada em muitas tradições religiosas, como por exemplo cristãos, budistas e adeptos do islamismo, de forma empírica, o fazem como melhora das relações interpessoais, mente e conexão com o divino. Uma das práticas mais conhecidas é o Jejum de Ramadã, onde os muçulmanos se abstêm de comer e beber, do amanhecer ao pôr do sol, durante 29 a 30 dias, a depender do mês em que é feito (PERSYNAKI et al., 2017).
No início do século XX, o primeiro jejum de 31 dias foi documentado cientificamente com sucesso e mais tarde em 1960, surge o jejum da água ou dieta zero, para tratar obesidade mórbida e comorbidades, com duração de dias ou semanas.
A pratica do jejum intermitente é caracterizado por períodos de privações da ingestão alimentar e de líquido, de forma voluntaria, por um período de tempo estabelecido, que tem uma variação de tempo bem dinâmica, podendo ser de 24h, dias alternados, ou com curto período de tempo para se alimentar, conhecido comumente como janela alimentar diária (CORREIA et al., 2020).
Atualmente a pratica de jejuar ganhou notoriedade a nível mundial com uma maior proporção por conta da mídia. Se antes o interesse era focado em emagrecimento, hoje em dia ele é praticado não somente por quem deseja perder quilos, como também com uma nova perspectiva de melhoria do sistema imune, longevidade, restauração celular, tratamento de enfermidades, resistência ao estresse, dentre outros (VITALE; KIM, 2020).
Nesse período de privação alimentar, a redução calórica total do indivíduo varia de 0,0 até 25% das calorias ingeridas. Quando não em jejum, o indivíduo pode ter ou não um controle da ingestão alimentar, mas nada que chegue a uma redução, e sim no quesito qualidade da ingestão alimentar. Ou pode ser “ad libitum”, onde a quantidade ingerida de alimento é a vontade (WELTON et al., 2020).
No jejum intermitente, há uma restrição que pode variar de 16 a 48h de restrição alimentar, alternando com a ingestão de alimentos. Um dos protocolos de jejum intermitente mais estudados cientificamente é o jejum em dias alternados, a qual consiste em ficar de jejum em um dia e no dia seguinte, comer normalmente ou ad libitum (CHAIX, 2019).
Temos também o Time-Restricted Feeding, ou TRF, que seria a ingestão de alimentos dentro de uma janela alimentar estabelecida, onde normalmente varia de 4 a 12h por dia, isso significa que o indivíduo terá que fazer suas refeições em um tempo de 4 ou 12 horas no máximo, não devendo ultrapassar as 18h.
Existem também o jejum que é feito em ciclos, praticado 2 vezes por semana, com ingestão de no máximo 600kcal ao dia, podendo ser em dias consecutivos ou não, e nos demais dias, se tem uma alimentação regular, esse tipo de pratica é chamado de jejum periódico ou 5:2 (CABO et al., 2019).
Após um período de tempo de jejum que pode variar de individuo para individuo, entre 12 a 16 horas de privação alimentar, ocorre mudanças metabólicas com a intenção de promover a homeostase no organismo, como diminuição do nível de glicose sanguínea, diminuição da insulina e de aminoácidos circulantes. Esse processo é influenciado a depender do estoque de glicogênio hepático, assim como a composição da última refeição, pratica ou não de exercícios físicos (ANTON, 2018).
Os lipídios como triacilglicerol e diacilglicerol estocados nas células de gorduras, os adipócitos, são metabolizados em ácidos graxos livres, fazendo com que seu nível aumente na corrente sanguínea e cheguem até os tecidos e órgãos como másculos, rins, coração e transformados no fígado em β-hidroxibutirato, acetoacetato e acetona, ou simplesmente corpos cetônicos (ANTON, 2018).
Ao produzir corpos cetônicos, o corpo os utiliza como fonte de energia, porem sabemos que sua função não se limita apenas a geração de energia celular, como também estão envolvidos na sinalização e regulação da expressão de alguns fatores de transcrição, como por exemplo o coativador 1α do receptor γ ativado por proliferador de peroxissoma (PGC-1α), sirtuínas, poli-adenosina difosfato-ribose, polimerase I, fator de crescimento de fibroblastos, nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD), assim como também aumenta o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), que é uma proteína produzida endogenamente, onde atua fortemente na saúde neural, plasticidade sináptica, mantendo a sobrevivência dos neurônios (MATTSON et al., 2018).
Estudos em animais, vem demonstrando que o jejum intermitente tem impacto positivo na neurogênese hipocampal, que é o processo de criação de novos neurônios, influenciando tanto em animais doentes quando naqueles saudáveis, protegendo contra danos excitotóxicos no hipocampo, tendo uma maior sobrevida desses neurônios, quando comparado com o grupo controle de camundongos alimentados ad libitum.
Também foi observado efeitos neuroprotetores nos animais com doença de Alzheimer, quando atenuou a diminuição da locomoção relacionada a doença e idade, além da retenção de memória em animais com doença de Alzheimer. A restrição calórica influência na saúde mental, ao estimular o BDNF, influenciando no surgimento de novos neurônios a partir de células trocos neurais, melhora das defesas antioxidantes, reparo de DNA e melhor resistência ao estresse, dentre outros (MATTSON et al., 2018).
Mas não é somente a nível mental que a pratica do jejum traz benefícios. A aterosclerose, uma doença de carácter inflamatório, que causa a obstrução das artérias por placas de colesterol sendo de forma difusa ou localizada, tem relação positiva com o jejum, pois a pratica tende a causar uma diminuição dos marcadores inflamatórios como interleucina 6, homocisteína e proteína C reativa, causando um efeito anti-inflamatório (MALINOWSKI et al., 2019).
Alguns estudos também correlacionam o papel do jejum em pacientes que sofrem de esclerose múltipla, sugerindo potenciais benefícios no quesito humor ou depressão, tendo destaque como efeito terapêutico semelhante a uma droga antidepressiva, por esta correlacionado com a regulação da neurogênese hipocampal, onde influência na melhora do humor nesses pacientes (FITZGERALD et al., 2018).
Níveis significativos de apolipoproteína A4 (APOA4), influenciados pela restrição calórica do jejum, tem sido relacionado com ações benéficas no organismo, onde propicia o transporte reverso de colesterol, diminuição da oxidação das partículas de colesterol, além de estimular a saciedade. Outro achado sugere que que a pratica do jejum poderia aumentar os níveis de HDL e LDL de alguns indivíduos, após jejum prolongado, visto que existem pessoas com uma maior predisposição aumentada para oxidação de gorduras (ANTON et al., 2019).
Alimentação com restrição de tempo (TRF), se mostrou bastante promissor em um estudo com roedores, a qual se pode comprovar que esse tipo de jejum, retardou o envelhecimento, por questões de genes relacionados a longevidade, como as sirtuínas, retardou a progressão de tumores, além de aumentar a expectativa de vida desses animais, de mesmo modo, os poucos ensaios clínicos em humanos, também tem demonstrado resultados positivos, quando ajudou no controle do peso corporal, melhora da sensibilidade insulina e controle da pressão arterial. Tais resultados são corroborativos e influenciados ou melhorados quando o ritmo circadiano está alinhado, trazendo assim benefícios cardiometabólico (WANG et al., 2020).
Várias estratégias podem ser adotadas para perda de peso em pacientes com obesidade ou diabetes tipo 02, as dietas tanto de restrição calórica quanto as de curto e longo prazo, trazem resultados positivos e semelhantes na perda de quilos, porem os estudos tem mostrado que a pratica do jejum intermitente parece ser superior em relação a resultados como, redução da circunferência da cintura e distribuição de gordura central, fator este que tem impacto fortíssimo na saúde cardiovascular. Porém, vale destacar que são necessários mais estudos que possam esclarecer e firmar tais benefícios achados nos poucos estudos (LI et al., 2017).
O jejum intermitente já é bastante utilizado na Europa com supervisão médica, e em especial na Alemanha, geralmente com duração de 4 a 21 dias, sendo aplicado em várias patologias, dentre elas doenças inflamatórias crônicas, artrite reumatoide, hipertensão, síndrome do intestino irritável, resistência à insulina, diabetes tipo 02, síndrome metabólica, fibromialgia, câncer de mama e de ovário, osteoartrite, obesidade e esteatose hepática (TOLEDO et al., 2019).
Nem todos os pacientes estão aptos a praticar o jejum intermitente, dentre deles podemos citar alguns como diabetes tipo I, pessoas com alterações na tireoide, diabéticos do tipo I e II que são insulinodependentes, grávidas e lactantes, pessoas com transtornos alimentares, idosos, por conta do risco ou agravamento do processo de sarcopenia, dentre outras que não são recomendados. Ainda são necessários mais estudos que possam trazer maiores resultados clínico científicos.
Essa prática também pode trazer efeitos adversos como tontura, desmaio, mau humor, dor de cabeça e fadiga, que geralmente tendem acontecer nas primeiras horas da pratica, podendo ou não se estender por dias, a depender de cada organismo. (JOSPE et al., 2020).
Em 2019, a ASBRAN, Associação Brasileira de Nutrição emitiu um parecer a respeito do tema, a qual não recomenda tal pratica, considerando que os estudos e ensaios científicos ainda são, em números, insuficientes para que se chegue a uma conclusão clara e firme sobre tal pratica alimentar, ainda, revelando a geração de possíveis prejuízos a saúde e de transtornos alimentares em indivíduos que sejam ou não suscetível a elas (ASBRAN, 2019).
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Referências
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ASBRAN – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NUTRIÇÃO. Jejum intermitente, parecer técnico. 2019.
ANTON, Stephen D. et al. The effects of time restricted feeding on overweight, older adults: a pilot study. Nutrients, v. 11, n. 7, p. 1500, 2019.
CHAIX, Amandine, et al. “Time-restricted eating to prevent and manage chronic metabolic diseases.” Annual review of nutrition 39 (2019): 291-315.
CABO, RAFAEL, AND MARK P. MATTSON. “Effects of intermittent fasting on health, aging, and disease.” New England Journal of Medicine 381.26 (2019): 2541-2551.
FITZGERALD, Kathryn C. et al. Effect of intermittent vs. daily calorie restriction on changes in weight and patient-reported outcomes in people with multiple sclerosis. Multiple sclerosis and related disorders, v. 23, p. 33-39, 2018.
JOSPE, Michelle R. et al. Intermittent fasting, Paleolithic, or Mediterranean diets in the real world: exploratory secondary analyses of a weight-loss trial that included choice of diet and
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Toledo, Françoise Wilhelmi, et al. “Safety, health improvement and well-being during a 4 to 21-day fasting period in an observational study including 1422 subjects.” PloS one 14.1 (2019).
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MALINOWSKI, Bartosz et al. Intermittent fasting in cardiovascular disorders—an overview. Nutrients, v. 11, n. 3, p. 673, 2019.
M. CORREIA, Joana et al. Effects of intermittent fasting on specific exercise performance outcomes: A systematic review including meta-analysis. Nutrients, v. 12, n. 5, p. 1390, 2020.
PERSYNAKI A, KARRAS S, PICHARD C. Unraveling the metabolic health benefits of fasting related to religious beliefs: A narrative review. Nutrition. 2017 Mar 1;35:14-20.
VITALE, Rosemarie; KIM, Yeonsoo. The effects of intermittent fasting on glycemic control and body composition in adults with obesity and type 2 diabetes: A systematic review. Metabolic Syndrome and Related Disorders, v. 18, n. 10, p. 450-461, 2020.
WELTON, Stephanie et al. Intermittent fasting and weight loss: Systematic review. Canadian Family Physician, v. 66, n. 2, p. 117-125, 2020
WANG, Xiaoli et al. Effects of intermittent fasting diets on plasma concentrations of inflammatory biomarkers: A systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials: fasting and inflammation. Nutrition, p. 110974, 2020.