Em decorrência da transição demográfica, ou seja, redução da fecundidade, natalidade e aumento da expectativa de vida, a proporção da população idosa brasileira vem aumentando progressivamente ao longo dos anos, apresentando tendência ao contínuo crescimento do envelhecimento entre os anos de 2010 e 2060, conforme as projeções do IBGE.
De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostras em Domicílios Contínua de 2018, 10,53% da população brasileira tinha 65 anos ou mais, correspondente a 30,2 milhões de idosos. Considerando que no Brasil é estabelecido idoso quando possui faixa etária a partir de 60 anos.
Paralelo a essas condições, vem aumentando o índice de desenvolvimento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e de sobrepeso e obesidade, sendo decorrentes de causas multifatoriais, a exemplo do padrão de consumo alimentar inadequado e sedentarismo. Tais condições quando associadas as alterações características do envelhecimento, podem interferir negativamente na saúde e na qualidade de vida dos idosos.
A nível global, apenas em 2008, 63% das 36 milhões de mortes foram decorrentes de DCNT, com destaque para as variáveis da faixa etária dos idosos e menor nível de escolaridade.
Principais alterações que podem interferir na nutrição do idoso
As mudanças características do envelhecimento abrangem aspectos biopsicossociais que podem influenciam diretamente no estado nutricional e padrão alimentar do idoso, sendo eles:
Composição corporal
Há o aumento do teor de gordura corporal com mudanças na redistribuição, onde é concentrado mais na região abdominal, o que pode aumentar o risco de desenvolver DCNT.
A redução da massa magra também é comum nos idosos, representada pelo tecido muscular e ósseo e água, onde esta última pode apresentar perda de 15 a 20% da água corporal. A perda de massa muscular involuntária, denominada sarcopenia, é responsável pela perda de força muscular e aumento do risco de quedas.
Alteração dos sentidos
Essas alterações podem comprometer a percepção de sabores, odores e apetite dos idosos. A perda do paladar, denominada disgeusia, pode ser decorrente da diminuição da quantidade e funcionalidade das papilas gustativas e o uso de medicamentos, influenciando na percepção dos gostos dos alimentos.
Esta condição facilita o aumento do consumo de sal para temperar e a ingestão de alimentos ultraprocessados, por conter sabor mais acentuado, o que tornam mais suscetíveis às DCNT. Além disso, os idosos podem possuir uma sensibilidade maior a temperaturas quente e fria e levar a sensação de ardor. Tal condição ocorre devido a redução da espessura do epitélio da boca e da língua, tornando esta mucosa mais lisa e sensível.
Em relação a perda do olfato ou hiposmia, pode interferir no apetite e consumo alimentar, sendo decorrente do próprio processo de senescência, uso de medicamentos, higiene, doenças ou algumas deficiências de micronutrientes (zinco e niacina).
A perda de audição, também chamada de hipoacusia é outra condição que pode interferir na alimentação desses indivíduos, visto que reduzir a percepção de sons mais estridentes e até mesmo levar ao isolamento social.
Quanto a perda da visão, sendo bastante comum nos idosos, pode comprometer no reconhecimento e nas habilidades do ato de se alimentar, especialmente os indivíduos dependentes de outras pessoas ou aqueles que moram sozinhos.
Cavidade oral
A atrofia e perda da elasticidade dos tecidos presentes na cavidade oral podem comprometer a secreção salivar, levando a xerostomia e a secreção de enzimas do tipo mucina e ptialina. Quando associadas a cáries, perdas dentárias, próteses mal adaptadas e outras doenças bucais, afetam a mastigação e digestão dos alimentos. Por essa razão, é comum os idosos darem preferência a alimentos macios e de fácil mastigação e evitar carnes, frutas e vegetais.
Trato gastrointestinal
A atrofia da mucosa gástrica pode reduzir a produção de ácido clorídrico e fator intrínseco, podendo prejudicar a absorção de vitaminas e minerais, como vitamina B12, cálcio e ferro, e consequentemente aumentando o risco de anemia e complicações ósseas.
A redução da motilidade muscular e do reflexo da deglutição facilita o desencadeamento de disfagia, especialmente nos indivíduos em condições de algumas doenças neurológicas, sendo necessário atenção, visto que tem risco de desenvolver pneumonia e comprometer o estado nutricional.
Outro aspecto importante é a presença do esvaziamento gástrico mais lento, visto que pode comprometer na digestão e promover estado de saciedade prolongada, levando assim, ao risco de anorexia.
A constipação também ocorre com frequência nos idosos, devido a diminuição dos movimentos peristálticos e pode ser intensificada por outros fatores, tais como: pouca ingestão de fibras dietéticas, inatividade física, medicamentos, doenças e aporte hídrico insuficiente, sendo este último decorrente da redução na sensação de sede.
Financeiro
A presença de condições financeiras prejudicadas é um aspecto que pode interferir na ingestão qualitativa e quantitativamente adequada de alimentos. Considerando que geralmente os idosos reduzem as atividades no mercado de trabalho, possuindo uma renda mais baixa e algumas vezes necessitando dividir com os custos de saúde, medicamentos, assistências, moradia, alimentação, entre outros.
Social e psicológico
Levando em consideração que o meio social pode estar reduzido e que o consumo alimentar também é um ato social, o isolamento, luto, a depressão, ausência de um papel social, entre outros, podem comprometer a qualidade de vida e influenciar no comportamento alimentar. Diante disso, o idoso pode se alimentar com pouca frequência, de forma insuficiente ou monótona, e consequentemente aumentar o risco de desnutrição.
O que fazer para atenuar esta situação
Dessa forma, para promover saúde durante o processo de senescência, prevenir doenças e evitar complicações, é imprescindível contar com uma equipe multiprofissional.
No âmbito das intervenções e orientações nutricionais é fundamental considerar não apenas as alterações anatômicas, fisiológicas e cognitivas caracteristicas deste ciclo de vida, que podem interferir no padrão alimentar e no estado nutricional, mas atentar-se aos aspectos sociais e culturais que estes indivíduos estão inseridos.
Por essa razão, é imprescindível estimular as interações sociais, sempre que possível, incentivando a prática de alimentar-se em companhia, o comer com calma e mastigar bem os alimentos.
Quando houver alguma limitação em relação a mastigação, como os vegetais, as frutas e as carnes, é válido ressaltar as variadas preparações, como picar, desfiar, ralar, amassar, bater no liquidificador ou abrandar por meio da cocção úmida, especialmente as carnes, que são umas das fontes proteicas de extrema importância para a manutenção da massa muscular.
O uso de temperos, condimentos e especiarias naturais em preparações culinárias promovem a intensificação do sabor e a diversificação das refeições, sendo uma estratégia utilizada para reduzir o consumo de sal, temperos industrializados e alimentos ultraprocessados.
Outra questão que deve ser ressaltada é o incentivo do consumo de frutas, legumes e verduras frescos disponíveis na região, pois além das propriedades nutricionais como vitaminas, minerais e compostos bioativos que são benéficos para a manutenção da saúde e prevenção do risco de desenvolver doenças, possuem alto teor de fibras e alguns vegetais possuem boa quantidade de água, que podem favorecem na redução de constipação e desidratação.
Além da ingestão de aporte hídrico diário adequado, a fim de melhorar o funcionamento do intestino, favorecer na umidade bucal e manter a hidratação do organismo. As estratégias nutricionais devem considerar os fatores associados e a individualidade de cada pessoa idosa, com a finalidade de promover hábitos alimentares adequados, de forma prazerosa e que contribuam para uma qualidade de vida mais saudável durante a fase do envelhecimento.
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Referências
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