Em dezembro de 2019, a cidade de Wuhan, província de Hubei – China, foi surpreendida com o aumento inesperado de casos de pneumonia, vindo posteriormente a ser descoberto um novo coronavírus com potencial letal e de alta transmissão, o SARS-CoV-2, (Síndrome Respiratória Aguda Grave Coronavirus-2).
No organismo infectado pelo SARS-CoV-2, há um aumento exacerbado da liberação de citocinas, o que causaria no organismo um estado de hiper-inflamação, nesse sentido, a COVID-19 é uma doença de caráter inflamatório.
A imunonutrição, que é a ciência que estuda a relação dos nutrientes com o sistema imune, inflamação e infecção, nos revela como os nutrientes são capazes de fortalecer um organismo debilitado, ou como forma de prevenção, diante de uma doença (XIE et al.,2020).
A deficiência de vitamina A está relacionada com o aumento do risco de infecções, sendo necessária para a saúde do epitélio, queratinização, estratificação e diferenciação celular.
O baixo nível de vitamina A no organismo prejudica a função das células de defesa, como os neutrófilos, macrófagos e linfócitos T e B. Pacientes com hipovitaminose A, apresentam alterações no epitélio pulmonar e no parênquima pulmonar, o que aumenta o risco de disfunção do órgão, podendo levar a piora da doença pulmonar (TIMONEDA et al., 2018).
No paciente com COVID-19, por ser uma doença inflamatória e que compromete a saúde pulmonar, é um fator extremamente relevante. Alimentos como fígado, óleo de fígado de bacalhau, cenoura e batata doce, fornecem boas quantidades do nutriente.
Outro nutriente que ganhou bastante destaque durante a atual pandemia do Novo Coronavírus, foi a vitamina D. Em um estudo feito no estado do Sarre, Alemanha, com duração de 15 anos, onde os autores avaliaram a prevalência de insuficiência e deficiência de vitamina D, com associação com mortalidade por doenças respiratórias.
Neste estudo participarão 9.548 adultos, com idade entre 50 a 75 anos. Os achados revelaram que 44% apresentavam insuficiência de vitamina D (níveis de 25 (OH) D de 30 – <50 nmol /L), enquanto que 15% tinha deficiência (25 (OH) D níveis <30 nmol /L). Nos dois grupos foi constatado aumento do risco para mortes associados a doenças respiratórias, sendo que 41% das mortes por doenças respiratórias foi associada positivamente a deficiência de vitamina D (BRENNER; HOLLECZEK; SCHÖTTKER, 2020).
Durante a contaminação com o SARS-CoV-2, ocorre a tempestade de citocinas, gerando alta inflamação, e níveis adequados de vitamina D, poderiam atuar na redução dessas citocinas.
A vitamina D interage com a enzima conversora da angiotensina 2 (ECA2), essa enzima desempenha uma ação essencial em vias anti-inflamatórias, sendo essa mesma enzima usada pelo vírus da COVID-19 como um receptor de entrada. O vírus tende a diminuir sua expressão, enquanto que a vitamina D aumenta.
A Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN), recomenda doses que variam entre 2.000 a 4.000 UI/dia por via oral, para pessoas que apresentam risco de deficiência. Manter níveis ideais de 25 OH vitamina D no organismo entre 30 e 60 ng/mL é recomendado para pacientes idosos e pessoas com doenças inflamatórias.
É importante também destacar a ação dos antioxidantes como no caso do ácido ascórbico, onde estudos mostram que a vitamina C tem favorecido a diminuição da proteína C reativa (PCR).
O aumento da procalcitonina e da PCR, está fortemente associado a falência de órgãos, além do aumento do tempo de permanência em unidade de terapia intensiva. Pacientes infectados pelo vírus SARS-CoV-2, tendem a apresentar níveis elevados desses marcadores inflamatórios.
Um estudo com 76 pacientes com COVID-19, com idade média de 61 anos, onde foi administrado uma dosagem de 6g de ácido ascórbico por via intravenosa durante o primeiro dia, por 12h, e nos demais dias, 6g por via intravenosa, 1 vez por dia, durante 4 dias.
O grupo vitamina C foi comparado com o grupo que utilizava a terapia padrão medicamentosa. Os resultados mostraram que após 28 dias, o risco de mortalidade foi reduzido no grupo suplementado com altas doses de ácido ascórbico, tendo uma melhora no status de suporte de oxigênio (63,9%), verso o grupo de terapia padrão (36,1%).
Os pacientes suplementados com ácido ascórbico também apresentaram diminuição da PCR, procalcitonina e interleucina 8, que são marcadores de inflamação, proporcionando melhoras na função pulmonar (GAO et al., 2021).
Segundo a ABRAN, indivíduos que apresentam risco aumentado para infecções virais respiratórias, podem se beneficiar de uma dose elevada de vitamina C de até 2g/dia, por via oral. A ingestão diária recomendada para pessoas saudáveis é de 75 mg/d para mulheres e 90 mg/d para homens. Acerola, caju, goiaba e pimentão amarelo são as maiores fontes de vitamina C.
Os minerais também exercem efeito protetor na saúde imunológica, como mostra as pesquisas. O zinco tem seu papel na diferenciação e modulação das células imunes, além de ser importante para a ligação da tirosina quinase aos receptores das células T, para que então seja possível sua multiplicação e ativação dos linfócitos.
A deficiência de zinco está ligada ao aumento de infecções, função imunológica prejudicada e aumento da inflamação. Há também um aumento no risco de morte por pneumonia em até duas vezes, quando comparado com aqueles que não apresentam a deficiência do mineral.
O zinco poderia inibir a enzima conversora de angiotensina 2, o que dificultaria a entrada do SARS-CoV-2 na célula humana (SKALNY et al., 2020). Para a manutenção da função imunológica é recomendado 8mg para mulheres e 11mg para homens, por dia.
A relação selênio e COVID-19 parece ter ganhado notoriedade quando um grupo de pesquisadores começaram a investigar casos de cura e de mortalidade em diferentes regiões da China, inclusive dentro e fora da província de Hubei, da qual Wuhan é a capital.
A China tem hoje dois grandes extremos, ao mesmo tempo em que apresenta populações com maior consumo de selênio no mundo, é também o país que tem as menores taxas de consumo desse mineral, em decorrência das características alimentares de cada região.
Em Enshi, cidade da província de Hubei, onde é registrado o maior consumo de selênio da China (3,13 ± 1,91 mg / kg para mulheres e 2,21 ± 1,14 mg / kg para homens) a recuperação dos pacientes infectados pelo SARS-CoV-2 foi de quase três vezes mais quando comparado com as demais cidades analisadas, enquanto que na província de Heilongjiang, onde é registrado o menor consumo do mineral do mundo (0,26 mg / kg) a média de mortalidade pelo vírus foi de quase cinco vezes mais que a média das demais províncias estudadas. Os autores concluíram que há sim uma influência positiva, sendo necessários mais estudos que possam corroborar (ZHANG, et al., 2020).
A dose diária recomendada para homens e mulheres é de 55 mcg. Doses maiores (200 mcg) que a RDA podem ser administradas em casos de infecções, porém, não pode ser utilizada por muito tempo, pelos efeitos tóxicos. Castanha do Pará, aveia em flocos e gergelim, são boas fontes desse mineral.
A quercetina, que é um flavonoide, tem se mostrado eficaz em vários vírus da família Coronaviridae, a qual se observou que a protease 3CLpro, favorece a replicação do vírus no hospedeiro, e que a quercetina ao se ligar nessa protease, causaria o bloqueio da atividade de replicação.
E como o SARS-CoV-2 apresenta semelhança com outros vírus da família, principalmente no mesmo local em que a quercetina se ligaria, o que poderia explicar a hipótese da eficácia do flavonoide contra a COVID-19, ao bloquear a protease 3CLpro (LU et al., 2020).
A administração de quercetina e ácido ascórbico pode representar uma “estratégia experimental” de profilaxia contra o SARS-CoV-2, já que a quercetina tem sua atividade antiviral aumentada em conjunto com a vitamina C.
Doses de quercetina que vão desde 250mg a 500mg e de vitamina C 500mg, por dia, poderiam ser usadas como profilaxia e nos casos leves, enquanto que doses de 500mg de quercetina e 3g de ácido ascórbico para casos graves por 7 dias (COLUNGA et al., 2020).
Também é necessário ficar atento as quantidades de macronutrientes, como proteínas, carboidratos e lipídios. O consumo de proteína de 1,3 g/kg, parece ser interessante para manter uma função imune melhor nesta fase de infecção, já que estimula a produção de imunoglobulinas, com possível ação antiviral.
Lipídios devem ser de 1,5 g /kg/dia, com destaque para os ômegas 3 e 9, as quais possuem função anti-inflamatória. Dieta com alto consumo de carboidratos (60%), também parecem influenciar na piora clínica da infecção, pelo aumento da produção de dióxido de carbono no sangue, afetando a saúde pulmonar. Em pacientes críticos, é recomendado 2g/kg/dia, com máxima de 150g por dia (ROMANO et al., 2020).
Vale ressaltar que até o momento não existe um único ou conjunto de nutrientes que seja cientificamente comprovada a sua eficaz na prevenção, tratamento e/ou cura do Novo Coronavírus, devendo haver mais dados para corroborar com os achados e possíveis hipóteses levantadas. Cabe ao profissional nutricionista avaliar criteriosamente cada caso de forma multidisciplinar e se respaldar na literatura vigente.
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Referências:
ABRAN – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NUTROLOGIA. Posicionamento a respeito de micronutrientes e probióticos na infecção por COVID-19. 2020.
BRENNER, Hermann; HOLLECZEK, Bernd; SCHÖTTKER, Ben. Vitamin D insufficiency and deficiency and mortality from respiratory diseases in a cohort of older adults: potential for limiting the death toll during and beyond the COVID-19 pandemic?. Nutrients, v. 12, n. 8, p. 2488, 2020.
COLUNGA biancatelli, et al. Quercetin and vitamin C: an experimental, synergistic therapy for the prevention and treatment of SARS-CoV-2 related disease (COVID-19). Frontiers in immunology, v. 11, p. 1451, 2020.
GAO, Dengfeng et al. The efficiency and safety of high-dose vitamin C in patients with COVID-19: a retrospective cohort study. Aging (Albany NY), v. 13, n. 5, p. 7020, 2021
LU, Roujian et al. Genomic characterisation and epidemiology of 2019 novel coronavirus: implications for virus origins and receptor binding. The lancet, v. 395, n. 10224, p. 565-574, 2020.
ROMANO, L. et al. Short Report-Medical nutrition therapy for critically ill patients with COVID-19. Eur Rev Med Pharmacol Sci, v. 24, n. 7, p. 4035-4039, 2020.
SKALNY, Anatoly V. et al. Zinc and respiratory tract infections: Perspectives for COVID‑19. International journal of molecular medicine, v. 46, n. 1, p. 17-26, 2020.
TIMONEDA, Joaquín et al. Vitamin A deficiency and the lung. Nutrients, v. 10, n. 9, p. 1132, 2018.
XIE, Peng et al. Severe COVID-19: a review of recent progress with a look toward the future. Frontiers in Public Health, v. 8, p. 189, 2020.
ZHANG, Jinsong et al. Association between regional selenium status and reported outcome of COVID-19 cases in China. The American journal of clinical nutrition, v. 111, n. 6, p. 1297-1299, 2020.