Síndrome de realimentação no paciente crítico: um olhar ampliado | Colunista

ASPECTOS METABÓLICOS DA DOENÇA CRÍTICA

O paciente crítico é aquele indivíduo que apresenta uma disfunção orgânica a qual leva, geralmente, à quebra da homeostase dos sistemas corporais e prejuízo ao organismo. Após a injúria iniciam-se as fases de resposta clínica, primeiramente aguda, de intenso catabolismo e inflamação, com a intensificação da disfunção orgânica.

Em continuidade, a fase crônica se caracteriza por ter duas vertentes: a de restauração do estado homeostático, com controle da inflamação e do catabolismo, bem como a de prolongamento do estado disfuncional do organismo que cursará, provavelmente, com um desfecho negativo. Vale salientar que o indivíduo pode migrar entre as fases dependendo da sua condição clínica (SINGER et al., 2019; ELKE et al, 2019)

A resposta aguda ao estresse promove modificações no metabolismo normal, principalmente através do aumento na liberação de hormônios como cortisol, glucagon e catecolaminas. Essas substâncias permitem uma restruturação na utilização de substratos energéticos e intensifica o catabolismo.

Nesse sentido, os indivíduos em estado crítico apresentam, comumente, hiperglicemia e resistência à insulina, acompanhado, ainda, de aumento da gliconeogênese, glicogenólise e lipólise. Dessa forma, existe a predominância de um catabolismo proteico aumentado, a partir da utilização de aminoácidos na composição de proteínas inflamatórias (PATKOVA et al., 2017; PREISER et al., 2014).

Um aspecto nutricional a ser observado no indivíduo em estado crítico é o status de eletrólitos. A partir da disfunção orgânica existe uma alteração metabólica que estimula a produção de espécies reativas de oxigênio e nitrogênio, aumentando, assim, o estresse oxidativo e o estado inflamatório. Nesse contexto, indivíduos em estado crítico são frequentemente expostos a modificações do balanço de eletrólitos, seja por excesso ou carência desses elementos-traços.

Todo esse desenho metabólico desfavorável pode levar a desfechos negativos, com piora clínica do paciente, caso não seja rapidamente revertido. Dentro desse universo está a Síndrome de Realimentação (SR) (TAN; FREEBAIRN, 2017; KOEKKOEK; ZANTEN, 2016; ZAMPIERI et al., 2014).

PRINCIPAIS IMPLICAÇÕES DA SÍNDROME DE REALIMENTAÇÃO

Clinicamente, a SR é definida como o conjunto de anormalidades metabólicas de fluidos e eletrólitos corporais decorrentes do rápido restabelecimento da nutrição via oral, enteral ou parenteral em indivíduos submetidos previamente à restrição alimentar. Nesse contexto existem marcadores bioquímicos envolvendo, principalmente, o aparecimento da hipofosfatemia, hipomagnesemia, hiponatremia, hipocalemia, deficiência de tiamina e alterações severas no metabolismo energético (KOEKKOEK; VAN ZANTEN, 2017; BOOT et al., 2018; NASIR; ZAMAN; KALEEM, 2018)

A fisiopatologia da SR se desenvolve a partir do estabelecimento de um período prolongado de jejum ou privação de alimentos, o qual é marcado por uma reorganização metabólica, a qual se caracteriza inicialmente pela queda dos níveis de glicose no sangue. Em seguida ocorre a mobilização de glucagon para a utilização de reservas energéticas com a consequente diminuição da insulina da circulação.

Nesse sentido, também são utilizadas vias metabólicas catabólicas, com aumento da glicogenólise e gliconeogênese. Sendo assim, consequentemente, ocorre aumento na produção e consumo de corpos cetônicos pelo organismo, bem como a utilização de proteínas e gorduras para a manutenção da energia corporal. No decorrer do processo, quando há quebra do estado de jejum prolongado do indivíduo e se reinicia a nutrição, o corpo muda rapidamente do estado de catabolismo intenso para o anabolismo.

Consequentemente, ocorre o restabelecimento dos níveis de glicose e ela se torna novamente a principal fonte de energia utilizada pelo organismo. Esse contexto é acompanhado de intensa movimentação iônica intracelular, intensificando estados já depletados de elementos-traços e demais micronutrientes (SILVA et al., 2020; NASIR; ZAMAN; KALEEM, 2018).

Em indivíduos com estado crítico de saúde, esse mecanismo metabólico ocorre de maneira ainda mais intensificada, uma vez que o próprio processo de disfunção orgânica e quebra da homeostase já se encontra presente. Portanto, o estabelecimento de catabolismo, inflamação e estresse oxidativo apenas é somado com o estado de privação alimentar, piorando o desfecho clínico já desfavorável (KOEKKOE; ZANTEN, 2018; BOOT et al., 2018)

Sendo assim, é possível afirmar que o indivíduo que requer mais atenção com relação ao possível desenvolvimento da Síndrome da Realimentação é aquele que possui estado nutricional comprometido.

A partir disso, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) desenvolveu, em 2017, critérios de triagem e identificação para indivíduos desnutridos ou em privação alimentar, tais como: Índice de Massa Corporal < 16kg/m²; perda de peso não-intencional > 15% nos últimos 6 meses; baixa ou nenhuma ingestão alimentar nos últimos 10 dias e a presença de níveis diminuídos de potássio, fósforo ou magnésio anteriores ao início da alimentação. A presença de uma ou mais de tais condicionalidades descritas classifica o indivíduo em risco nutricional. Classificações mais recentes para a SR foram descritas e reunidas para facilitar seu manejo clínico e nutricional (SILVA et al., 2020).

Para a identificação da SR também é importante observar as manifestações clínicas (sinais e sintomas) e bioquímicas nos diversos sistemas do organismo, que podem ir de náuseas até acometimento neurológico e cardíaco importantes, a depender do nível de deficiência dos elementos. O fósforo tem sido apontado como o principal marcador da SR, acompanhando por magnésio, sódio, potássio e tiamina. Todos esses nutrientes estão diretamente relacionados com o controle do metabolismo energético e demais condições funcionais (KOEKKOEK; ZANTEN, 2017; VAN ZANTEN, 2018).

A intervenção nutricional da SR, especialmente em pacientes críticos, deve ser realizada a partir de um olhar multiprofissional. Alguns estudos já foram desenvolvidos ao longo dos anos com objetivo de auxiliar na condução clínica no contexto da UTI, porém ainda não se conhece qual é a diretriz ideal para o seu tratamento.

Entretanto existem alguns pontos que devem ser priorizados com objetivo de minimizar as chances de desenvolvimento da SR, sendo eles: reposição de eletrólitos, até mesmo antes de iniciar a alimentação; suporte nutricional individualizado, observando, principalmente a tolerância do paciente nas primeiras 72 horas (momento crítico); suplementação de vitaminas do complexo B (especialmente tiamina); e monitoramento pelo menos nos primeiros 10 dias de alimentação, com progressão dietética assistida (SILVA et al., 2020; NASIR; ZAMAN; KALEEM, 2018).

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REFERÊNCIAS

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  21. VAN ZANTEN, A. R. H. Changing paradigms in metabolic support and nutrition therapy during critical illness. Curr. Opin. Crit. Care., v. 24, n. 4, p. 223-227, 2018.

Por Sanar

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