O olhar de um profissional da nutrição para a pandemia de covid-19 | Colunista

Em março da 2020, a pandemia de covid-19 foi declarada a nível mundial, ocasionando um grande número de infectados pela doença, além de mortes e diversas mudanças na rotina da população. Com a alimentação, não poderia ser diferente, logo que esse grande evento se instalou, era previsível que a comida ocuparia o centro das preocupações. 

Nesse texto, destaco os dois lados que observei, enquanto nutricionista, no tocante a pandemia. O primeiro relacionado ao fortalecimento da comensalidade, compartilhamento de receitas e afirmação da comida enquanto partilha. Quem não participou de alguma festividade online?

Cada um de sua casa, atrás de uma telinha, vivenciando aniversários, festas de casamento, reuniões de amigos ou simplesmente uma conversa com alguém especial. A comida sempre esteve acompanhada, a comensalidade digital se fez presente e o comer junto na rotina das casas também foi uma realidade.

Tenho certeza que você se aventurou na cozinha durante esse período, pediu a receita daquela comida afetiva para a sua avó ou pesquisou alguma aventura culinária nos diversos sites que disponibilizaram conteúdos durante a pandemia.

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Ouso dizer que para algumas pessoas, a pandemia proporcionou o primeiro contato com a cozinha, o encontro ao redor da mesa e a felicidade de compartilhar o alimento com aqueles que amam. 

Pois bem, mas será que para todos, a realidade foi essa? Vamos para o segundo ponto destacado: a insegurança alimentar e nutricional (IAN). Enquanto alguns reclamavam em ter que higienizar as compras do supermercado com álcool em gel, uma grande parcela da população passou a reclamar da fome, da incerteza de ter comida no prato.

Aproveito para destacar que a alimentação é um direito (BRASIL, 2010), direito esse que não se refere somente em ter a comida de forma física nas casas, aspectos como qualidade, quantidade, respeito a cultura e muitos outros, também estão envolvidos.  

Na pandemia, segundo dados do Inquérito de Insegurança Alimentar no contexto da pandemia de covid-19 no Brasil, durante o período da pesquisa (dezembro de 2020), 116,8 milhões de brasileiros não tinha acesso pleno e permanente a alimentos (BRASIL, 2021)

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Destes, 43,4 milhões não contava com alimentos em quantidade suficiente e 19,1 milhões estavam passando fome (BRASIL, 2021).  

Quando separados por gênero, cor e grau de escolaridade, os dados demonstram que em 11,1% dos domicílios chefiados por mulheres os habitantes estavam passando fome, das residências habitadas por pessoas pretas e pardas, a fome esteve em 10,7% e a fome se fez presente em 14,7% dos lares em que a pessoa de referência tinha baixa escolaridade (BRASIL, 2021)

Dados assustadores, não é? Mas não se engane, esses resultados não têm influência somente do contexto pandêmico. Em 2014, o Brasil saiu do Mapa da Fome das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), significando que naquele momento, menos de 5% da população total estava em situação de fome extrema. 

Segundo a FAO, fatores como aumento da oferta de alimentos, aumento da renda dos mais pobres, programas de acesso à renda, dentre outros, foram importantes para o resultado encontrado. Passados alguns anos, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), infelizmente, não reiterou a permanência do Brasil fora desse mapa, os dados foram outros e demonstraram a evolução da fome em uma grande parcela da população brasileira. 

O retrato trazido pela pesquisa, referiu que 10,3 milhões de brasileiros viviam em domicílios com privação severa de alimentos entre os anos de 2017 e 2018, que 36,7% dos domicílios tiveram algum grau de insegurança alimentar e que mais da metade dos lares com insegurança alimentar grave, eram chefiados por mulheres (BRASIL, 2020)

Agora, reflita comigo: se os dados já eram desanimadores antes da pandemia, imagine quais serão os efeitos percebidos após esse período que culminou em restrição de circulação de pessoas, aumento do desemprego, diminuição das fontes de renda e exacerbação das vulnerabilidades sociais? 

Um conceito importante é o de segurança alimentar e nutricional que é tida como o direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (BRASIL, 2006).

Lendo o que é trazido, fica fácil perceber que a alimentação é complexa e multifatorial, se não tem emprego, como colocar comida no prato? Um inimigo invisível chegou, ficou e deixou cada vez mais evidente as desigualdades no direito de se alimentar. 

Finalizo dizendo que a alimentação se mostrou com diferentes faces durante a pandemia, marcas ficarão para sempre na população que viveu esse período. A alimentação pode revolucionar o mundo e no caso de uma pandemia, pode acalentar os dias difíceis ou transformar o enfrentamento ao vírus em uma tarefa ainda mais difícil e desafiadora.

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E na sua realidade, quais faces da alimentação você conseguiu perceber? Pense sobre isso.

Um abraço, Nutri Camila Azevedo.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Emenda Constitucional nº 64, de 4 de fevereiro de 2010. Altera o art. 6º da Constituição Federal, para introduzir a alimentação como direito social. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc64.htm

BRASIL. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11346.htm

BRASIL. Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil. 2021. Disponível em: http://olheparaafome.com.br/VIGISAN_Inseguranca_alimentar.pdf

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) – 2017 – 2018. 2020. 

Por Sanar

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