Dieta cetogênica na epilepsia: uma alternativa para o tratamento não medicamentoso? | Colunista

A epilepsia é considerada uma condição neurológica crônica grave de maior incidência em todo o mundo, sendo descrita por uma descarga anormal, excessiva, sincrônica de neurônios que se situam no córtex cerebral, permitindo com que o sujeito tenha movimentos involuntário podendo envolver todo corpo ou parte do corpo, sendo acompanhado por vezes pela perda consciência e controlo fisiológico de alguns sistemas, entre eles, o do intestino ou bexiga.

Conforme Hopker et al (2017 p. 2) a “Epilepsia significa a repetição de duas ou mais crises epilépticas não provocadas. O termo “não provocada” indica que a crises epiléptica não foi causada por febre, traumatismo crânio-encefálico, alteração hidroeletrolítica ou doença concomitante”

Existem diversos fatores de riscos subjacentes para o desenvolvimento da epilepsia, dentre eles se destacam as displasias corticais, 67% de origem idiopáticas, malformações vasculares, 20% congênitas, 4,7% por traumatismos, 4% infecciosas e entre outras.

Um fato interessante é que pessoas com epilepsia possuem maior risco de morte prematura e apresentam maior suscetibilidade a quedas e lesões aumentando os seus indicadores de mortalidade em saúde em todo mundo

Logo, a dieta cetogênica foi desenvolvida em 1921 e embora seja cada vez mais usada em todo o mundo na década passada, muitos neurologistas não estão familiarizados com esta abordagem terapêutica.

Nos últimos anos, dieta cetogênica é uma estratégia alternativa e mais flexível para tornar o tratamento mais fácil e palatável, reduzindo os efeitos colaterais e tornando-o disponível para maiores grupos de pacientes com epilepsia refratária.

PREVALÊNCIA E INCIDÊNCIA DA EPILEPSIA 

Os últimos dados de prevalência e incidência da epilepsia no mundo são de 2017, realizado através de uma meta-análise com estudos internacionais, demonstrando que, a incidência cumulativa anual de epilepsia foi de 67,77 por 100.000 pessoas, enquanto a prevalência ao longo da vida foi de 7,60 por 1.000 pessoas. 

Com essa perspectiva,  existe apenas um estudo brasileiro realizado para identificar os índices de prevalência e incidência de epilepsia na Barra do Bugres, que é uma área semi-urbana do Mato Grosso no Centro Oeste do Brasil, concluindo que, existem 241 indivíduos (76 crianças e 165 adultos) diagnosticado com epilepsia na respectiva área, retratando a prevalência pontual de epilepsia ativa de 6,38 por 1.000 pessoas, enquanto a incidência cumulativa anual de epilepsia foi de 67,77 por 100.000 pessoas.

Por fim, os autores ressaltam a importância do uso de agentes de saúde como instrumentos de rastreamento para diagnóstico de epilepsia, visto que os mesmos já visitam regularmente as famílias e ensinam as pessoas como prevenir doenças infecciosas por conta da contaminação.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da epilepsia em crianças é muito difícil e as suas taxas de erros diagnósticos pode chegar em até 36% dos casos, com isso, a literatura proclama que os métodos de diagnóstico são baseados e essencialmente clínicos, envolvendo uma série de perguntas e rastreios para identificação dos graus e tipologias de epilepsia. 

Muitas partes do mundo carecem de médicos com experiência adequada para fazerem essa abordagem, e muitas vezes não estão habilitados e/ou especializados na epilepsia ou neurologista pediátrica para realizar o diagnóstico de forma humanizada, sensível e precisa, então é necessário desenvolver um auxílio diagnóstico para ajudar os médicos inexperientes ou profissionais não-médicos (NPHW) a fazerem isso de forma correta.

O QUE É DIETA CETOGÊNICA E SUAS TIPOLOGIAS? 

A dieta cetogênica possui um alto teor de gordura e baixo teor de carboidratos e proteínas, sendo a mesma considerada um tratamento não farmacológico eficaz e estabelecido para crianças com epilepsia intratável (refratária), que é definida como epilepsia que não respondeu a três ou mais antiepiléptico.

Esta abordagem terapêutica pode ser uma opção razoável para adultos que também têm epilepsia intratável e que não são candidatos cirúrgicos. Na maioria das vezes, os pacientes encaminhados para a dieta cetogênica fizeram uso de cinco ou mais antiepiléptico.

A Dieta cetogênica clássica expõe 4 tipos de variações (tipologias) em sua composição nutricional de macronutrientes. A tabela a seguir vai está apresentando as dietas clássicas e outras dietas não clássicas que fazem parte da cetogênica, vale ressaltar que essas tipologias se referem à quantidade de gramas de gorduras prescritas em relação a quantidade de carboidratos mais proteínas que serão ofertadas durante o tratamento.

Tabela 1 – Comparação dos diferentes tipos de dieta cetogênica, por quantidade de macronutrientes.

TipologiaGorduras(g) (% do valor calórico)Proteínas (g) (% do valor calórico)Carboidratos(g) (% do valor calórico)
4:1100 (90%)17 (7%)8 (3%)
3:1961817
2:1922026
1:1773740
DC com TCM78 (70%)25 (10%)50 (20%)
DC de baixo índice glicêmico67* (45%)40-60* (28%)40-60* (27%)
Dieta de Atkins Modificada70* (70%)60* (25%)10-20 (5%)
Fonte: LEE E KOSSOFF, 2011. *Valores aproximados

Portanto, é de suma importância que a escolha do tipo de dieta deve ser individualizada baseando-se na situação de cada família, criança e realidade local. A dieta é considerada segura e efetiva para indivíduos a partir de 6 semanas de vida também.

COMO INICIAR A DIETA CETOGÊNICA?

Para iniciar a dieta cetogênica é necessário que o paciente e seus familiares sejam orientados quanto aos benefícios e malefícios da estratégia e duração, para fazer um aumento gradualmente da quantidade de gorduras da dieta e uma redução de carboidratos e proteínas. Esse acompanhamento é realizado em consultas semanais por um médico e o nutricionista habilitado em epilepsia e cetogênica. 

Vale ressaltar que, a estratégia cetogênica no tratamento de epilepsia está indicada para crianças resistentes à terapia farmacológica e não substitui a realização do medicamento, ou seja, mesmo adotando a dieta, o medicamento precisa ser utilizado.

Se porventura o paciente apresentar alguma complicação da doença antes de realizar a estratégia, ele deve ser internado e passar por um jejum de até 36 horas para que entre em estado de cetonúria (presença de corpos cetônicos na urina) quando então a dieta cetogênica pode ser iniciada.

O principal objetivo da dieta cetogênica é induzir cetose, isto é, produção de energia a partir de gordura, sendo os efeitos terapêuticos atributos a esse mecanismo contra o início das crises convulsivas, no entanto, a literatura diz que não está bem estabelecido os mecanismos e vias metabólicas da cetogênica mediante as respostas na epilepsia. 

INTERVENÇÃO NUTRICIONAL, FUNCIONA NA EPILEPSIA?

Mas afinal, a cetogênica como dieta de primeira linha para epilepsia funciona? Bom, a literatura descreve que existem diversos efeitos terapêuticos, entre eles se destacam, melhorias consideráveis ​​na atenção, compreensão, níveis de atividade e resistência, além de também, combater a neuroinflamação, controle glicêmico e melhora da sensibilidade insulina, diminuindo os riscos para diversos tipos de acidentes cardiovasculares.

A dieta cetogênica precisa ser acompanhada por suplementação de vitaminas e minerais, dado que, a dieta não fornece as quantidades suficientes que o organismo demanda para seu completo funcionamento metabólico.

No entanto, como qualquer tipo de dieta, ela vai possuir seus malefícios, sendo observado as alterações de origem gastrointestinal: constipação (prisão de ventre), diarreia, náusea e vômitos, além de também o aumento na concentração de colesterol e/ou triglicérides no sangue (hipercolesterolemia e/ou hipertrigliceridemia) quando não realizada de forma adequada, e também a possibilidade de desenvolver cálculos renais e esteatose hepática (acúmulo de gordura nas células do fígado).

Por fim, é importante que o nutricionista converse com os familiares e o próprio paciente para estabelecer as condutas e protocolos da cetogênica para que promova qualidade de vida, diminuição dos sinais e sintomas e tenha uma resposta no controle metabólico e promova neuroproteção.

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REFERÊNCIAS

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Por Sanar

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