Qual o papel da rotulagem nutricional?
O rótulo nutricional dos alimentos é obrigatório no Brasil desde dezembro de 2003, regulamentado pela resolução RDC nº 360 (3). Surgiu com a perspectiva de fornecer maior autonomia à população sobre a escolha do produto alimentício que está consumindo, com informações verdadeiras (7).
Em outubro de 2020, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou a resolução RDC Nº 429 a qual trouxe novas regras para a rotulagem de alimentos embalados, visando melhor clareza e entendimento das informações nutricionais e deverá entrar em vigor em até 48 meses (15).
Dentre as medidas:
- Os rótulos que antes podiam ser descritos em qualquer quantidade passam a ser obrigados a ser descritos em 100g ou 100ml;
- Quantidades consideradas elevadas de sódio, açúcar ou gordura saturada serão descritas na parte frontal do rótulo, com o símbolo de uma lupa (antes não havia esse destaque, apenas informações no rótulo);
- Na tabela nutricional, a quantidade de açúcar, que antes só informava a quantidade total, será destrinchada em quantidade total e adicionada;
- A tabela de informação nutricional, antes sem critério de local e cor, deverá estar em fundo branco, com letras pretas, próxima a lista de ingredientes e em superfície plana.
Como o consumo de produtos que contenham, em excesso, sódio, açúcar e aditivos alimentares estão associados a casos de alergia, obesidade e doenças crônicas não transmissíveis como diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares (10), a rotulagem é um mecanismo para que ocorra melhores escolhas alimentares com consequente redução desses problemas de saúde (11).
Além disso, pessoas que possuem alergias alimentares precisam se atentar a lista de ingredientes para não comprar produtos que possam causar problemas à sua saúde.
E como interpretar as informações do rótulo?
Os itens obrigatórios são: nome do produto; identificação da origem; conteúdo líquido; instruções de preparo, quando necessário; prazo de validade; lote; lista de ingredientes (7). Dentre eles, destaco e ensino como interpretar os mais importantes para serem ensinados, por nós nutricionistas, ao consumidor que chega ao nosso consultório:
- Lista de ingredientes: é possível analisar a presença de aditivos alimentares, açúcares e possíveis alérgenos. A ordem dos ingredientes é decrescente, ou seja, o primeiro ingrediente listado é o que está em maior quantidade na composição. Quanto menos ingrediente e aditivo, mais natural é o produto e, consequentemente, mais saudável. No próximo tópico, falaremos mais detalhadamente;
- Tabela nutricional: análise quantitativa de macronutrientes, sódio e caloria. Neste caso, vale a pena analisar a medida caseira descrita – percebam que nem sempre a quantidade é referente ao pacote inteiro do alimento – para não comer além do recomendado e, principalmente para diabéticos e hipertensos, se atentar a quantidade de carboidratos e sódio descrita.
- Prazo de validade: garante segurança alimentar. Não é recomendado o consumo após a data por risco de infecção alimentar.
Para informações como essa e ainda mais detalhadas, sugiro a leitura da cartilha de rótulo, realizada pelo governo e Anvisa (neste link: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/alimentos/rotulagem/arquivos/4703json-file-1#:~:text=A%20lista%20de%20ingredientes%20deve,o%20%C3%BAltimo%2C%20em%20menor%20quantidade.)
Essas informações são importantes para mostrar ao paciente que nem sempre a informação de “light”, “diet”, “zero açúcar” e “livre de gordura trans” torna o produto mais saudável ou menos ruim para consumo, tanto esporádico, quanto de forma livre.
Os produtos light, por exemplo, são reduzidos em, pelo menos 25% de algum nutriente (gordura, carboidrato ou proteína), mas gordura e açúcar são o que confere sabor ao alimento (13). Ou seja, para garantir que o produto continue sendo palatável, é preciso acrescentar alguma coisa no lugar, resultado: ocorre aumento da quantidade de açúcar, adoçantes, amido e/ou xaropes.
O produto consegue ficar menos calórico, afinal, carboidrato é menos calórico que gordura, mas as vezes a caloria não se altera, de qualquer forma, não melhorou a qualidade do alimento (12).
Já os diets significam a retirada de algum nutriente (carboidrato, gordura, sódio ou proteína), sendo mais comum a retirada de açúcar, com troca pelo adoçante para não perder a palatabilidade também (mais adiante, em outro tópico, está explicado a problemática dos adoçantes) (13).
Por último, os alimentos isentos de gordura trans realmente são assim (e a informação se torna redundante), ou seja, não há melhora no perfil nutricional como é vendida a ideia ou se referem a quantidade do rótulo, que é diferente da quantidade total do pacote, estudos analisando a composição já constataram essa diferença em produtos (14).
Ingredientes para ligar o sinal de alerta:
1. Açúcar: A RDC 259 aprova o uso de diferentes nomenclaturas para o açúcar, que seriam mais técnicas, o que acaba prejudicando o entendimento de quem não conhece. São eles: glucose de milho, maltodextrina, xarope de malte, frutose, dextrose, açúcar light, açúcar invertido, açúcar mascavo, xarope de malte, açúcar de confeiteiro, sacarose, melado, melaço, xarope de glicose e glucose (2).
2. Adoçantes: Amplamente utilizados como substituto para adoçar produtos denominados ”zero açúcar”, são divididos em nutritivos e não nutritivos e podem ser naturais (quando derivados de plantas, por exemplo, o xilitol) ou artificiais (produzidos pela indústria, por exemplo, aspartame), mas independente da classificação, existe uma quantidade limite de ingestão, baseada no peso (4). Ou seja, nem sempre a quantidade utilizada nos produtos fará bem a todos os consumidores.
Além disso, há estudos mostrando que o consumo de adoçantes artificiais aumenta a chance de descontrole glicêmico e resistência à insulina, ou seja, aumentam a chance de quadros de obesidade e/ou piora da diabetes. O mecanismo, apesar de não estar bem estabelecido, está relacionado com a microbiota intestinal (8).
Os adoçantes são conhecidos como: sacarose, frutose, dextrose, lactose, maltose, mel, xarope de milho, xarope de milho rico em frutose, melado, açúcares invertidos ou sucos de frutas concentrados e os polióis, também chamados de açúcares de álcool, tais como sorbitol, manitol, xilitol, entre outros.
3. Nitrito e nitrato: Podem ser adicionados durante a plantação (com fertilizantes) ou na produção de alimentos, portanto, costuma estar presente em: produtos cárneos, aves processados e defumados – principalmente o nitrito – e nas verduras – principalmente o nitrato (5).
Ambas as substâncias podem causar efeito tóxico: quando reagem e originam nitrosaminas há um grande potencial carcinogênico, teratogênico e mutagênico, além de apresentar associação à síndrome da morte infantil súbita (5).
4. Glutamato monossódico: um realçador de sabor, encontrado em biscoitos doces e salgados, molhos prontos e temperos artificiais. Como possível efeito, há prejuízo da função autonômica cardíaca, elevação da pressão arterial e resistência à insulina, além de ser desencadeadora do Alzheimer e Doença de Parkison (6).
5. Corante caramelo: esta classificação engloba todos os tipos: II, III e IV, mas os efeitos são mais preocupantes nos tipos III e IV. Este corante está presente em doces, gomas, balas e refrigerante, ou seja, o consumo aparece até para o público infantil.
As consequências deste consumo estão relacionadas ao surgimento da síndrome de déficit de atenção e hiperatividade e potencial cancerígeno, por alterações nos genes como histamina e os relacionados a dopamina e serotonina, bem como neurotransmissores (1).
Percebem como a indústria utiliza de muitos mecanismos para produzir e aumentar a vida dos produtos de mercado? As consequências muitas vezes demoram de aparecer, portanto, quanto antes adotar bons hábitos de vida, melhor para sua longevidade.
O Guia Alimentar para a população Brasileira, livro produzido pelo Ministério da Saúde do Brasil (acesso atraves deste link: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf ) (9), é um ótimo material, de fácil compreensão que aborta como deve ser o padrão alimentar dentro das nossas casas.
Levem sempre com vocês: “desembale menos, descasque mais”.
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REFERÊNCIA
1. ANTUNES, Gabriela. Corantes alimentares artificiais: valerá a pena o risco? 2015. 32 f. Tese (Doutorado) – Curso de Ciências Farmacêuticas, Universidade Coimbra, Coimbra, 2015. Disponível em: https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/87711/1/M_Gabriela%20Antunes.pdf. Acesso em: 21 maio 2021
2. ANVISA. Resolução de Diretoria Colegiada – RDC Nº 259, de 20 de setembro de 2002. Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2718376/%281%29RDC_259_2002_COMP.pdf/556a749c-50ea-45e1-9416-eff2676c4b22>.Acesso em: 19 maio. 2021.
3. ANVISA. Resolução de Diretoria Colegiada – RDC Nº 360, de 23 de dezembro de 2003. Aprova o regulamento técnico sobre rotulagem nutricional de alimentos embalados. Diário Oficial União. 24 dez 2003.
4. BARREIROS, Rodrigo Crespo. ADOÇANTES NUTRITIVOS E NÃO-NUTRITIVOS. Revista da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba, Sorocaba, SP, v. 14, n. 1, p. 5-7, 2012.
5. BENEVIDES, C. M. de J.; SOUZA, M. V.; SOUZA, R. D. B.; LOPES, M. V. Fatores antinutricionais em alimentos: revisão. Segurança Alimentar e Nutricional, Campinas, SP, v. 18, n. 2, p. 67–79, 2015. DOI: 10.20396/san.v18i2.8634679. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/san/article/view/8634679. Acesso em: 19 maio. 2021.
6. CONTE, F. A. Efeitos do consumo de aditivos químicos alimentares na saúde humana. Revista Espaço Acadêmico, Rio Grande do Sul, v. 16, n. 181, p. 69-81, 2016. Disponível em: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/30642/16770. Acesso em: 20 maio. 2021.
7. GOMES, Patricia Fernandes da Silva; ALVARENGA, Raquel de Almeida; CANELLA, Daniela Silva. Uso e conhecimento sobre rotulagem de alimentos ultraprocessados entre estudantes universitários. Visa em Debate, Rio de Janeiro, v. 2, n. 7, p. 75-81, 2019.
8. MAGALHÃES, Tânia Daniela Machado. The impact of non-nutritive sweeteners on gut microbiota: insulin resistance. Universidade Porto. [S.I.], p. 1-17, 2017 (SciELO). Disponível em: <https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/106542/2/205841.pdf>. Acesso em: 19 maio. 2021.
9. Ministério da Saúde do Brasil. Guia Alimentar Para a População Brasileira. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. 158 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf. Acesso em: 25 maio. 2021.
10. POLÔNIO, Maria Lúcia Teixeira; PERES, Frederico. Consumo de aditivos alimentares e efeitos à saúde: desafios para a saúde pública brasileira. Cadernos de Saúde Pública, [S.L.], v. 25, n. 8, p. 1653-1666, 2009. FapUNIFESP (SciELO). Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/s0102-311×2009000800002>. Acesso em: 25 maio. 2021.
11. SOUZA, Sônia Maria Fernandes da Costa; LIMA, Kenio Costa; ALVES, Maria do Socorro Costa Feitosa. A rotulagem nutricional para escolhas alimentares mais saudáveis: estudo de intervenção, Natal, RN. Vigilância Sanitária em Debate, [S.L.], v. 2, n. 1, p. 64-68, 28 fev. 2014. Vigilância Sanitária em Debate: Sociedade, Ciencia y Tecnologia. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.3395/vd.v2i1.102>. Acesso em: 25 maio. 2021.
12. MANSORES, Claudia Guimarães de Lima. Consumo usual de adoçantes e produtos diet/light em adolescentes brasileiros. 2017. 34 f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Saúde Coletiva) – Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11422/12907>. Acesso em:08 junho. 2021.
13. GUIMARÃES, Débora Bohnen. Produtos dietéticos: Diferenças entre Diet e Light. 2014. Disponível em: https://www.diabetes.org.br/publico/nutricao-noticias/885-produtos-dieteticos-diferencas-entre-diet-e-light. Acesso em: 08 junho 2021.
14. MARINS, Bianca Ramos. A propaganda de alimentos: orientação, ou apenas estímulo ao consumo? Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n. 16, p. 3873-3882, jan. 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/bWvNDB9DVSYNgBTKGXmqJpb/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 08 junho 2021.
15. ANVISA. Resolução de Diretoria Colegiada – RDC Nº 429, de 08 de outubro de 2020. Disponível em: < http://antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/3882585/RDC_429_2020_.pdf/9dc15f3a-db4c-4d3f-90d8-ef4b80537380>.Acesso em: 08 junho. 2021.