Na psicanálise, apenas a chegada de um paciente ao consultório não garante que uma análise ocorra. Para isto, a regra fundamental é a associação livre. Aquele convite que o psicanalista faz ao candidato à análise, para que fale tudo o que lhe ocorrer.
Dada essa regra, o analista precisa se ocupar de algumas condições que são importantes para o bom andamento do trabalho.
Trata-se do pagamento, do divã e do tempo das sessões, que manejados por cada analista a seu modo têm sua importância por organizarem aquilo que conhecemos como “setting analítico”.
Mas ainda falta uma, essa que é a condição inicial, anterior à todas as outras. Vamos falar sobre as preliminares:
O que se faz quando o paciente chega ao consultório?
Freud chamava de tratamento de ensaio. Lacan, por sua vez, chamou de entrevistas preliminares. Ambas as modalidades fazem referência ao momento inicial de toda análise.
Sua duração é incerta e pode ocorrer em apenas uma sessão, ou levar mais tempo.
As entrevistas preliminares são o período durante o qual há observação, definição e construção de alguns aspectos que ao se realizarem têm grandes chances de garantirem a continuidade do tratamento. Vamos à eles!
A transferência
Sabemos que a ligação do paciente ao analista é o motor de toda análise. Um dos critérios para escolha de um analista tem fundamento na crença de que ele sabe algo sobre o sintoma do paciente.
Ou seja, de acordo com Lacan, o analista ocuparia para aquele analisando a função de sujeito suposto saber. Atenção! Estamos falando de sujeito suposto e não de sujeito de fato. Como assim?
Todo psicanalista deve estar advertido de que essa suposição do analisante é um equívoco. Mas um equívoco necessário, que precisa ser sustentado para que a transferência se dê.
O diagnóstico
Em psicanálise, o diagnóstico tem a função de orientar a direção do tratamento. Desta forma, o diagnóstico diferencial estrutural, que irá “revelar” tratar-se de uma neurose, perversão ou psicose, é uma tarefa cabível para as entrevistas preliminares.
Para isto, a investigação centra-se nos modos de negação do Édipo que são associados a fenômenos que se presentificam na clínica e auxiliam nessa tarefa:
- O recalque (Verdrängung) do neurótico;
- A denegação (Verleugnung) da perversão;
- A foraclusão (Verwerfung).
No neurótico, o fenômeno que revela a forma de negação é o sintoma; já na perversão, temos o fetiche e na psicose, por sua vez, a alucinação (as vozes alucinadas).
A condução de uma análise de um neurótico difere da condução a ser adotada no caso de uma psicose. Daí a importância de estabelecer o diagnóstico diferencial e detectar a estrutura clínica do sujeito nas entrevistas.
O sintoma
A demanda por uma análise passa por uma espécie de lapidação, para que seja aceita por um analista. Aqui, trata-se da elaboração de um sintoma que seja passível de análise.
Nesse caso é preciso que a queixa trazida pela paciente torne-se uma demanda àquele analista específico (olha a transferência!).
Mas não só, durante as entrevistas preliminares, o sintoma do analisante que antes era uma resposta ao seu sofrimento, deverá passar para o estatuto de enigma. O sintoma como uma questão —“O que isso quer dizer?” — para o sujeito que quer saber, decifrá-lo.
Tempo de compreender e momento de concluir
Essas três funções citadas acima se entrelaçam ao longo da condução das entrevistas preliminares. Uma depende da outra. Esse preâmbulo indicado por Freud e por Lacan tem a estrutura de uma análise, mas também é diferente desta.
As entrevistas servem ao analista para a compreensão daquilo que se apresenta pelo sujeito, seja o que o faz sofrer, por quê aquilo e não outra coisa o faz sofrer, a modalidade de relação do sujeito com o outro (neurose, perversão, psicose).
Mais do que isso, as entrevistas preliminares servem para que o analista também decida se quer tomar aquele sujeito como analisante. Essa é a única decisão que lhe cabe nesse momento.
Pois a transferência, o desejo de saber que leva à transformação da queixa em demanda, são movimentos que estão do lado do sujeito. No entanto, sabemos que uma análise se faz à dois.
O analista é incluído no sintoma do analisante. Um par que começa, se forma no encontro entre o analista e o analisando. Um encontro de amor ao saber.
REFERÊNCIAS
FREUD, Sigmund. Obras completas – Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia (“O caso Schrecer”), artigos sobre a técnica e outros textos (1911-1913) Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. v. 10.
QUINET, Antonio. As 4+1 condições da análise. 12.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.
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