TEA: hábitos alimentares, marcadores inflamatórios e intervenções nutricionais | Colunista

Transtorno do espectro autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento que é caracterizado principalmente por prejuízo no funcionamento sociocomunicativo, comportamentos repetitivos e interesses limitados. A prevalência do TEA tem crescido ao longo das últimas décadas, e atualmente é estimada em aproximadamente 1,5% em países desenvolvidos (Americn Psychiatric Association, 2013 e Layall et al., 2017).

Estudos enfatizam que crianças com TEA apresentam vulnerabilidade nutricional devido à baixa aceitação e/ou seletividade alimentar, que podem resultar numa maior probabilidade de deficiências nutricionais.  A ingestão inadequada de determinados micronutrientes, como vitamina A, ferro e zinco podem ser prejudiciais no neurodesenvolvimento (Emond et al., 2010)

Em um estudo realizado por Chistol et al (2017), nos Estados Unidos, uma amostra de 53 crianças com TEA, com idade entre 3 a 11 anos, 64% dos participantes apresentaram sensibilidade sensorial oral atípica e 66% hipersensibilidade sensorial ora atípico. Desses participantes, 48% apresentaram níveis significativos de recusa alimentar, enquanto que no grupo da hipersensibilidade sensorial oral atípico o índice de recusa alimentar chegou a 52%. Esse estudo ainda indicou um baixo consumo de variedade de frutas, sendo 5,9% para a sensibilidade sensorial oral atípica e 5,3% para o segundo grupo.

Almeida et al (2018) conduziu um estudo sobre o consumo alimentar de crianças com TEA no Brasil. O estudo identificou uma alta seletividade alimentar (69%) e baixo consumo de frutas, legumes e verduras (4%), além de um consumo elevado de alimentos ultraprocessados (27%). A ingestão em excesso de ultraprocessados estava relacionado ao aumento de sobrepeso da amostra (34%). Outros estudos reforçam essa teoria de que crianças portadoras de TEA tem preferências por alimentos à base de amido, tal qual alimentos ultraprocessados, e são resistentes ao consumo de frutas e legumes (Schreck et al, 2004; Liu et al, 2016 apud ALMEIDA et al, 2018).

Evidências indicam que indivíduos com TEA tendem a ter um organismo com maiores índices de citocinas pró inflamatórias. As células da linhagem do monócito-macrófago IL-1 RA, IL-6, TNF, são responsáveis por induzir uma produção exacerbada de IFN-UMA (citocina pró inflamatória) (Croonenberghs et al, 2002).

 As citocinas IFN- UMA, IL-1 e IL-6, quando produzidas em excesso, estão ligadas diretamente ao comportamento psicossocial, como retraimento social, resistência a novidades e distúrbios do sono (Croonenberghs et al, 2002).

Também é característico do TEA, maior prevalência de doenças como diarreias e constipações, problemas com digestão e absorção de nutrientes, devido ao aumento da permeabilidade da membrana intestinal, que permite que os metabólitos mal digeridos entre na circulação sanguínea (Shattock et al, 2002 apud LANGE et al, 2015; Siniscalco et al, 2018; Molloy et al,2003; Dr et al, 2014 apud LIU et al, 2016).

Tendo em vista esse aumento da permeabilidade intestinal, alguns estudos sugerem que a dieta dos portadores de TEA, sejam isentas de glúten e caseína, visto que os derivados dessas proteínas ao entrar em contato com a barreira intestinal danificada estimulam as citocinas pró inflamatórias e os monócitos pró inflamatórios (Siniscalco et al, 2018).

Lange e colaboradores (2015) relataram que 20 – 29% dos pais participantes do estudo conduzido observaram melhoras significativas ao retirar o glúten e a caseína da dieta de seus filhos portadores de TEA. No entanto, esses resultados são preliminares, sendo necessários estudos mais robustos para tal comprovação.

No estudo de El-Rashidy et al (2017) quarenta e cinco crianças portadora do TEA sofreram alteração da dieta. As crianças foram divididas em 3 grupos, sendo que o primeiro recebeu a dieta de Atkins modificada (dieta do mediterrâneo), o segundo uma dieta livre de glúten e caseína e o terceiro recebeu uma dieta equilibrada e foi considerado grupo controle. Os autores avaliaram os participantes 6 meses antes e 6 meses depois da modificação das dietas.

Os resultados obtidos foram significativos. Os participantes do grupo um (dieta de Atkins modificada- dieta do mediterrâneo), apresentaram melhoras na cognição e sociabilidade quando comparados ao grupo dois (isenção de glúten e caseína).

O estudo conduzido por Keim et al (2018) indicou efeitos positivos da suplementação dos ômegas 3,6 e 9 sobre os sintomas do TEA. Esses ácidos graxos tem um suposto papel no desenvolvimento cerebral. As dosagens ofertadas no estudo, incluíam 338mg de ácido eicosapentaenoico, 225mg de DHA e 83mg de GLA.

O ácido docosaexaenoico (DHA) assim como o ácido eicosapentaenoico (EPA), têm um papel importante na estrutura e função das células do sistema nervoso central, visto que geram metabólitos neuroprotetores. (Kidd, 2007; Bradbury, 2011).

A nutrição no TEA, ainda é muito recente, mas já é possível ver indícios de que os portadores dessa doença têm dificuldades para aceitação de alimentos e que, seu organismo possui dificuldades de digerir alguns tipos de alimentos, o que compromete a absorção de nutrientes e aumenta as citocinas pró inflamatórias. 

Mais estudos precisam ser realizados para a investigação acerca da origem do TEA, acerca das restrições de glúten e caseína, acerca das complicações gastrointestinais, para que as prescrições possam ser mais precisas e possam contribuir com uma melhora significativa da qualidade de vida desses indivíduos.

Referências

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATIO. Diagnostic and Statistical Manual of Mentk Disorders  (DSM-5®). American Psychiatric Pub, 2013.

ALMEIDA, A.K.A et al. CONSUMO DE ULTRAPROCESSADOS E ESTADO NUTRICIONAL DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO. Rev Bras Promoç Saúde, 31(3): 1-10, jul./set., 2018. Disponível em: https://periodicos.unifor.br/RBPS/article/view/7986. Acesso em: 19/04/2021.

BRADBURY, J. Docosahexaenoic Acid (DHA): An Ancient Nutrient for the Modern Human Brain. Nutrients 2011, 3, 529-554. Disponível em: file:///C:/Users/User/Downloads/nutrients-03-00529.pdf. Acesso em: 21/04/2021.

CHISTOL, L.T. et al. Sensory Sensitivity and Food Selectivity in Children with Autism Spectrum Disorder. J Autism Dev Disord, 48(2), 583-591. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10803-017-3340-9. Acesso em: 19/04/2021.

CROONENBERGHS, J. et al. Ativação do Inflamatório Sistema de Resposta em Autismo. Neuropsicobiologia, 2002; 45: 1–6. Disponível em:  https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11803234/. Acesso em: 20/04/2021.

EMOND, A.; EMMETT, P.; STEER, C.; GOLDING, J. Feeding symptoms, dietary patterns, and growth in young children with autism spectrum disorders. Pediatrics, v. 126, n. 2, p. e337–42, 2010.

 El-Rashidy O, El-Baz F, El-Gendy Y, Khalaf R, Reda D, Saad K. Ketogenic diet versus gluten free casein free diet in autistic children: a case-control study. Metab Brain Dis. 2017;32:1935-41. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s11011-017-0088-z. Acesso em: 07/05/21

KEIM, S. A. et al. A suplementação de ácidos graxos ω-3 e ω-6 pode reduzir os sintomas de autismo com base no relato dos pais em bebês prematuros. The Journal of Nutrition, Volume 148, Issue 2, February 2018, Pages 227–235. Disponível em: https://academic.oup.com/jn/article/148/2/227/4913038. Acesso em: 20/04/2021.

KIDD, P.M. Omega-3 DHA e EPA para cognição, comportamento e humor: achados clínicos e sinergias estruturais-funcionais com fosfolipídios da membrana celular. Altern Med Rev .Set 2007; 12 (3): 207-27. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18072818/. Acesso em: 21/04/2021.

LANGE, K. et al. Dietas sem glúten e sem caseína na terapia do autismo. Curr Opin Clin Nutr Metab Care, Novembro de 2015; 18 (6): 572-5. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26418822/. Acesso em: 19/04/2021.

LYALL, K.; CROEN, L.; DANIELS, J.; et al. The Changing Epidemiology of Autism Spectrum Disorders. Annual review of public health, v. 38, p. 81–102, 2017.

LIU,X. et al. Correlação entre nutrição e sintomas: pesquisa nutricional de crianças com transtorno do espectro do autismo em Chongqing, China. Nutrientes, 14 de maio de 2016; 8 (5): 294. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27187463/. Acesso em: 20/04/2021.

SINISCALCO, D. et al. Inflamação e desregulações neuroimunes em distúrbios do espectro do autismo. Pharmaceuticals 2018, 11 (2), 56. Disponível em: https://www.mdpi.com/1424-8247/11/2/56/htm. Acesso em: 20/04/2021.