O abraço seguro de um bom profissional | Colunista

Quando comecei a trabalhar com oncologia, vi um mundo extraordinário se abrir a minha frente. O farmacêutico nessa área ainda é visto como um manipulador, um profissional exclusivo para preparação de medicamentos antineoplásicos, mas dentro desse universo nossas atribuições vão muito além da farmacotécnica.

O cuidado farmacêutico em oncologia pede do profissional muito mais do que uma especialização na área, é preciso ter zelo ao que e com quem faz. É necessário levar a palavra cuidado ao seu amplo sentido e praticar tudo o que nele se encaixa, prestando ao paciente todo o amparo técnico e humano ao nosso alcance.

A consulta farmacêutica

Ao realizar uma consulta farmacêutica, estabelecemos um elo de confiança com as pessoas presentes no consultório. É muito comum atendermos com acompanhantes, familiares, amigos, pessoas que se preocupam e querem ouvir nossas orientações também.

É o momento da anamnese farmacêutica, onde podemos levantar as informações pertinentes a todo o acompanhamento daquele paciente, por exemplo:

  • Escolaridade;

  • Com quem o paciente reside – em caso de idosos, importante sabermos se o paciente possui um cuidador ou quem é o responsável pela administração dos medicamentos;

  • Histórico médico – completo, não só relacionado à doença que está sendo motivo da consulta;

  • Medicamentos em uso – prescritos e não prescritos por profissionais, se o uso está correto;

  • Uso de terapia alternativa – plantas medicinais, fitoterápicos, homeopatia e etc.

Essas informações, além de nortear a consulta e as como as orientações serão prestadas, nos permite identificar possíveis problemas relacionados aos medicamentos (PRMs), interações medicamentosas, necessidade de reconciliação, adesão à farmacoterapia domiciliar, como o tratamento proposto está sendo encarado pelo paciente e sua família e, claro, prestar todo o suporte necessário para o paciente ser o protagonista de sua terapia.

Acompanhamento farmacoterapêutico

Durante o acompanhamento do profissional farmacêutico é possível auxiliar o paciente em muitos aspectos. Prestando suporte técnico e tendo atenção a suas queixas, não só ouvindo-as mas entendendo porque e de onde elas vêm, como podemos ajudar.

A primeira paciente que atendi na farmácia clínica da oncologia, era uma senhora com câncer de mama metastático que tinha passado por muitos tratamentos antineoplásicos e havia iniciado há pouco tempo um quimioterápico oral. Ela foi encaminhada para a farmácia pelo seu médico oncologista porque estava com dificuldades de entender as orientações que ele escrevia para ela e por isso fazia uso incorreto do medicamento. 

O uso de forma equivocada da terapia em questão trouxe reações adversas que prejudicavam as atividades diárias da paciente, particularmente lesões e ferimentos nas mãos e nos pés, uma reação conhecida como síndrome-mão-pé, atribuída a algumas classes de quimioterápicos, como a que ela usava, à base de fluoruracila.

A posologia do medicamento era para utilizar durante 14 dias consecutivos, duas vezes ao dia, e parar o uso durante 7 dias, que seria o descanso. A paciente estava usando 21 dias consecutivos e por isso houve toxicidade exacerbada em seu corpo, além das lesões nas mãos e pés, estava com gastrite moderada, vômitos pós-prandiais e ressecamento da pele dos braços e pernas, com descamação em algumas áreas.

Sabendo da dificuldade previamente nos alertada em entender as orientações escritas, propomos estratégias diferentes, como um calendário em que ela pudesse anotar os dias que tinha tomado o medicamento e assim conseguiria identificar mais facilmente os dias correspondentes à pausa. Dentro do consultório, estávamos apenas eu e ela, havíamos conversado sobre a história dela, como descobriu a doença, a forma como se sentia tentando utilizar esse medicamento, o que estava fazendo para aliviar as reações, então o cuidado farmacêutico estava em prática.

Quando fiz o calendário, ela olhou pra mim e disse que não sabia ler. Isso mesmo, a paciente não sabia ler e não havia dito isso ao médico ou a mais ninguém. Por isso ela nunca iria conseguir entender nenhuma orientação escrita e muito menos marcar os dias no calendário. De posse da nova informação, substitui os números por bolinhas verdes e vermelhas, sendo as verdes correspondentes aos 14 dias de tratamento e as vermelhas, dos 7 dias de pausa. Assim ela poderia marcar o dia quando tomasse e saberia o dia de para.

Quanto às reações, colamos sol e lua, mãos e pés de desenho nas caixas de medicamentos e frascos de cremes, para ela conseguir identificar como deveria usar cada um dos itens e tratar os danos já existentes prevenindo a ocorrência de novos com o uso correto dos produtos.

Cuidado farmacêutico

Trabalhar com assistência e atenção farmacêuticas exige um profissional capacitado, especializado, estudioso e incansável em aprender. Mas tão importante quanto o conhecimento técnico é saber cuidar. Em tempos de pandemia foi difícil não poder abraçar nossos pacientes, apertar suas mãos e dizer que estávamos juntos. 

Então aprendemos a abraçar sem tocar no corpo, fazer o homem ou mulher no consultório não se sentir só mais um paciente, mas ser ouvido e entendido em sua totalidade, sentir-se seguro para receber um tratamento ou orientação sendo respeitado em sua integralidade.

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Referências 

  1. SANTOS, Sandna Larissa Freitas dos et al. Evidências do cuidado farmacêutico na prática clínica da oncologia. Rev Fac Ciênc Méd, Sorocaba, v. 20, n. 2, p. 77-81, 2018.

  2. Coe AB, Choe HM. Pharmacists supporting population health in patient-centered medical homes. Am J Health Syst Pharm. 2017; 74(18):1461-6.

  3. Holle LM, Harris CS, Chan A, Fahrenbruch RJ, Labdi BA, Mohs JE, et al. Pharmacists’ roles in oncology pharmacy services: Results of a global survey. J Oncol Pharm Pract. 2017; 23(3):185-94.