Conheça alguns aspectos técnicos da transferência, o coração da clínica.
O fenômeno da transferência deu seus primeiros sinais, naquele que é considerado como o caso inaugural da psicanálise, a saber: o caso de Anna O. Sua formulação atravessou a obra freudiana e junto a outros conceitos importantes também foi alvo de modificações.
Fenômeno universal nas relações humanas, podemos dizer que a transferência é uma reedição de conteúdos edípicos deslocada para a figura do analista. Mas o que se transfere? sentimentos intensos, afetos, as relações com os objetos primários e identificações, que estão na história do sujeito. Na cena analítica, essa repetição cumpre uma função dupla, ao mesmo tempo que possibilita a ocorrência do tratamento, serve como resistência a este.
O manejo da transferência
A perspicácia freudiana foi tomar a resistência da transferência como um valioso instrumento. Estabelecida a transferência, a figura do analista é incluída na vida psíquica do paciente e passa a ter uma influência decisiva sobre este. Situação que facilita a emergência da chamada neurose de transferência. Nesta, o analista torna-se objeto da neurose e valendo-se desse lugar pode operar em direção à descoberta do material reprimido.
Essa descoberta se dá através das associações livres e da interpretação (dentro da transferência!) das resistências. O que o analista busca é tornar esse material, antes reprimido, agora consciente para que o paciente tenha a chance de dar outros destinos ao seu conflito originado em tempos primordiais.
Além de manejar a transferência que o paciente dirige ao analista, outro ponto importante é a contratransferência. Ou seja, quando uma resistência inconsciente do analista advinda de seus próprios complexos infantis, advém no contexto terapêutico. O caso mais conhecido foi vivido por Jung ao envolver-se amorosamente com sua então paciente Sabina Spielrein.
Tipos de transferência
Depois de um certo tempo de trabalho com os pacientes, Freud percebe uma mudança no comportamento desses em relação à pessoa do médico, que fugia ao que era esperado. Mais interessados do que resolver seus conflitos, os pacientes passavam a se interessar pela figura do médico. Em geral, a situação do tratamento pautado numa relação amistosa e de cooperação dava espaço para os impulsos transferenciais nas diferentes modalidades.
Na sua forma positiva, a transferência pode apresentar-se sob a exigência de atenção, de reconhecimento e sob formas mais moderadas, ou sublimadas, realiza-se como desejo ser recebido como filho(a) predileto(a) ou de ser alvo de uma estreita amizade.
Já a transferência negativa é expressa pela hostilidade dirigida ao analista, mesmo que velada. Sendo que a coexistência de sentimentos positivos e negativos é uma realidade que marca a ambivalência emocional. Por fim, há a transferência erótica, quando o vínculo transferencial assume um caráter sexual e há uma inclinação amorosa que torna-se intensa.
Ainda que haja o caráter duplo da transferência, tomado como motor ou como obstáculo ao tratamento analítico, de manejo delicado, um ponto passível sobre a transferência permanece até hoje: sua presença é uma condição fundamental para a ocorrência de uma análise.
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REFERÊNCIAS
BREUER, Josef; FREUD, Sigmund. Obras completas – Estudo sobre a histeria ( 1893-1895). Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. v. 2.
FREUD, Sigmund. Obras completas – Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, análise fragmentária de uma histeria ( O caso Dora) e outros textos(1901-1905) Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. v. 6.
SANTOS, Manoel Antônio dos. A transferência na clínica psicanalítica: a abordagem freudiana. Temas psicol., Ribeirão Preto , v. 2, n. 2, p. 13-27, ago. 1994 .