Farmacoeconomia: o que é, de onde veio, sua relevância e desafios para o futuro
A farmacoeconomia pode ser caracterizada como a união da teoria econômica com o setor da saúde, e constitui uma subdivisão da área da Economia em Saúde, a qual é responsável por otimizar as ações como forma de assegurar a melhor assistência e condições de saúde da população. Posto isso, a farmacoeconomia procura descrever e analisar os custos da terapia médica para o sistema de saúde e para a sociedade (AREDA; BONIZIO; FREITAS, 2011).
O termo “Farmacoeconomia” surgiu no final da década de 80 com a publicação do estudo “Post Marketing Drug Research and Development” de Townsend. Entretanto, os conceitos de análise de custo-benefício e custo-efetividade dentro da área farmacêutica já estavam sendo discutidos desde a década de 70 por meio de publicações de pesquisadores da Universidade de Minnesota (SECOLI et al., 2005).
A importância dos estudos farmacoeconômicos reside no fato de que os resultados obtidos por meio destes contribuem tanto para o uso racional de medicamentos, como também para uma melhor distribuição dos recursos e serviços disponíveis na área da saúde. Isto porque as análises farmacoeconômicas relacionam o custo das terapias disponíveis com tópicos como segurança, eficácia e qualidade das diferentes terapias médicas (AREDA; BONIZIO; FREITAS, 2011).
A utilização desses estudos no gerenciamento de recursos no setor da saúde ganha ainda mais relevância diante do atual contexto mundial de aumento dos gastos com saúde, em decorrência da introdução de novas tecnologias no setor, envelhecimento e alterações no perfil de morbimortalidade da população e, mais recentemente, da Pandemia de COVID-19 (SECOLI et al., 2005).
Segundo Vieira (2018), as despesas com medicamentos no Sistema Único de Saúde (SUS) passaram de R$ 14,3 bilhões em 2010 para quase R$ 20 bilhões em 2015, com um crescimento de 40%. Além disso, a autora aponta que do período de 2010 a 2016 as despesas com medicamentos e com ações e serviços públicos de saúde cresceram em 52,9% e 6,3%, respectivamente.
Os medicamentos são tidos como insumo fundamental para os serviços de saúde e relevante produto comercial, e dentro dos gastos com saúde representam uma expressiva parcela dos custos, sendo que no contexto hospitalar são capazes de gerar um aumento de 15 a 25% na conta hospitalar. A alta dos custos com esse insumo, por vezes chega a ser o dobro ou o triplo ao da inflação, requerendo assim uma atenção especial dos administradores nessa área, principalmente no setor público devido à escassez de recursos, o que torna necessário a racionalização de medicamentos, de maneira que a população não seja prejudicada pela falta de medicamentos essenciais (HERRERA, 2004; RASCATI, 2013; RIBEIRO; SECOLI, 2008).
A equipe clínica e demais profissionais da saúde visam sempre que seus pacientes recebam o melhor tratamento com os resultados clínicos mais favoráveis associados, ao passo que o governo e as operadoras de planos de saúde e seguros buscam alcançar tal objetivo por meio do gerenciamento dos custos. Nesse âmbito, a farmacoeconomia pode atuar como uma boa ferramenta que relaciona tais objetivos por meio da estimativa do valor dos resultados clínicos obtidos pelos insumos (medicamentos e serviços) utilizados (RASCATI, 2013).
Assim, o campo para aplicação dos estudos farmacoeconômicos é bem amplo e abrange tanto o setor público (podendo ser usado, por exemplo, no desenvolvimento de políticas públicas na área da saúde e na gestão de serviços de saúde públicos) quanto o setor privado (na gestão de hospitais privados, na negociação de preços e na indústria farmacêutica para a decisão de desenvolvimento e precificação de novos fármacos).
O uso de análises farmacoeconômicas para a avaliação de novas tecnologias em saúde já é rotina em países como Canadá e Austrália, os quais a utilizam no momento de decisão para incorporação de medicamentos nos formulários terapêuticos de seus sistemas de saúde. Na Inglaterra, o National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE), organização independente do governo e responsável por prover diretrizes sobre o uso de tecnologias em saúde, utiliza todas as evidências clínicas e econômicas disponíveis em suas avaliações de adoção de novas tecnologias para o NHS (Sistema Nacional de Saúde do Reino Unido) (STARKIE; BRIGGS; CHAMBERS, 2008).
Nesses e nos demais países desenvolvidos, tais estudos além de auxiliar no controle de gastos e decisões clínicas, podem ser aplicados como forma de melhorar a eficiência (melhor efetividade pelo menor custo) do tratamento. Ao passo que em países em desenvolvimento, as análises farmacoeconômicas apresentariam como foco a seleção de medicamentos, para a composição de formulários nacionais, de modo que seja garantido o uso racional (prescrição adequada, disponibilidade, acesso e uso correto dos medicamentos) para toda a população, mesmo na presença de um orçamento para saúde limitado (HERRERA, 2004).
Entretanto, o desenvolvimento e uso de estudos farmacoeconômicos ainda é incipiente, em função da falta de conhecimento sobre essa disciplina relativamente nova, a falta de padronização e guias voltadas para a farmacoeconomia e a escassez de profissionais da saúde com expertise nessa área. Além disso, os estudos individuais e as revisões sistemáticas já existentes na literatura dessa área apresentam escassez de detalhes em suas avaliações, bem como o emprego de diferentes metodologias, o demonstra falta de padronização metodológica e acaba por impactar na qualidade de tais estudos, assim como na confiança em seus resultados por parte dos agentes responsáveis por decisões na área da saúde (IBRAHIM et al., 2019; MIN et al., 2021; SANCHO; VARGENS, 2009).
No Brasil, com a instituição da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) em 2011, a análise econômica se tornou parte dos critérios utilizados para avaliação de tecnologias a serem incorporadas no SUS. No entanto, mesmo com a CONITEC e com a criação de diretrizes metodológicas para a realização de análises econômicas, ainda existem diversos desafios a serem superados para a consolidação do uso da farmacoeconomia como ferramenta para uso racional dos recursos na área da saúde no Brasil, por conta da pouca familiaridade tanto da academia como dos gestores com esse tema econômico (ANTONINI RIBEIRO et al., 2016; SANCHO; VARGENS, 2009).
É perceptível que a farmacoeconomia é um campo com grande potencial e ainda com diversos pontos a serem explorados e padronizados, visando uma popularização do uso de tais estudos nos processos de tomada de decisões para a saúde, tanto na esfera pública como na privada.
Principais estudos farmacoeconômicos
Os estudos farmacoeconômicos realizam uma comparação entre o custo total e a qualidade (efeitos clínicos e humanísticos) das diversas terapias, esta relação implicada na utilização de uma terapia é expressa pela eficiência. A classificação dos custos pode ser vista na Figura 1. A qualidade de uma terapia, também conhecida como outcome, é acessada por meio do seu resultado ou desfecho clínico apresentado pelo paciente frente à morbidade tratada, por exemplo, na análise farmacoeconômica de um novo medicamento possíveis outcomes são os eventos adversos, índice de cura, adesão do paciente ao tratamento, dentre outros (AHMAD et al., 2013; RIBEIRO; SECOLI, 2008).
Figura 1 – Classificação dos custos.
Fonte: Autoria própria (2021).
Existem 4 tipos principais de análises farmacoeconômicas, sendo elas:
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Minimização de custo: avaliação mais simples, realizada para comparar somente custos de terapias com benefícios semelhantes; os resultados são expressos em unidades monetárias;
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Custo-benefício: análise mais completa que compara as terapias e seus outcomes tendo a unidade monetária como referência. No entanto, não abrange os custos intangíveis; pode ser utilizada para a comparação de procedimentos médicos e não-médicos e verificar opções de investimento;
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Custo-efetividade: demonstra seus resultados em custo por unidades clínicas (anos de vida ganho, dias sem dor, etc.) como forma de permitir a comparação de diferentes intervenções terapêuticas. Análise mais utilizada na farmacoeconomia; pode avaliar opções terapêuticas que resultem em diferentes níveis de benefícios a saúde.
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Custo-utilidade: análise mais complexa que as anteriores, além dos dados referentes aos outcomes e custo, a satisfação obtida pelo alvo da intervenção (o paciente, por exemplo) também é considerada no resultado da avaliação, os quais são expressos em custo por Anos de Vida Ajustados por Qualidade – AVAQ (sigla em inglês: QALY); pode ser utilizada para a análise de qualquer terapia (AHMAD et al., 2013; BODROGI; KALÓ, 2010; SECOLI et al., 2005).
Tais métodos podem ser aplicados em análise de porte individual ou local até mesmo pesquisas de porte nacional. Além disso, é importante assegurar a qualidade dos dados que serão utilizados em tais estudos, por meio do uso de padronização e validação dos dados recolhidos como forma de não invalidar os resultados obtidos, nem gerar estimativas equivocadas (RASCATI, 2013).
Ademais, é preciso lembrar que durante um processo de tomada de decisão, além dos resultados dos estudos da área da Economia em Saúde, aspectos sociais, legais, éticos e políticos também são levados em consideração, sendo incorporados nesse processo (RASCATI, 2013).
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Referências
AHMAD, A. et al. The role of pharmacoeconomics in current Indian healthcare system. Journal of Research in Pharmacy Practice, v. 2, n. 1, p. 3, 2013.
ANTONINI RIBEIRO, R. et al. Diretriz metodológica para estudos de avaliação econômica de tecnologias em saúde no Brasil. Jornal Brasileiro de Economia da Saúde, v. 8, n. 3, p. 174–184, dez. 2016.
AREDA, C. A.; BONIZIO, R. C.; FREITAS, O. DE. Pharmacoeconomy: an indispensable tool for the rationalization of health costs. Brazilian Journal of Pharmaceutical Sciences, v. 47, n. 2, p. 231–240, jun. 2011.
BODROGI, J.; KALÓ, Z. Principles of pharmacoeconomics and their impact on strategic imperatives of pharmaceutical research and development. British Journal of Pharmacology, v. 159, n. 7, p. 1367–1373, abr. 2010.
HERRERA, M. M. C. Farmacoeconomía: eficiencia y uso racional de los medicamentos. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas, v. 40, n. 4, p. 445–453, dez. 2004.
IBRAHIM, N. et al. Challenges in applying pharmacoeconomics at the hospital level: Experts based approach. Global Journal of Medical Therapeutics, v. 1, n. 1, p. 1–4, 1 jun. 2019.
MIN, C. et al. An overview of the characteristics and quality assessment criteria in systematic review of pharmacoeconomics. PLOS ONE, v. 16, n. 2, p. e0246080, 8 fev. 2021.
RASCATI, K. Essentials of Pharmacoeconomics. [s.l.] Wolters Kluwer Health, 2013.
RIBEIRO, E.; SECOLI, S. R. Farmacoeconomia. In: STORPIRTIS, S. et al. (Eds.). . Farmácia clínica e atenção farmacêutica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. p. 528.
SANCHO, L. G.; VARGENS, J. M. C. Avaliação econômica em Saúde na esfera de atenção local à saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 14, n. suppl 1, p. 1513–1525, out. 2009.
SECOLI, S. R. et al. Farmacoeconomia: perspectiva emergente no processo de tomada de decisão. Ciência & Saúde Coletiva, v. 10, n. suppl, p. 287–296, dez. 2005.
STARKIE, H. J.; BRIGGS, A. H.; CHAMBERS, M. G. Pharmacoeconomics in COPD: lessons for the future. International journal of chronic obstructive pulmonary disease, v. 3, n. 1, p. 71–88, 2008.
VIEIRA, F. S. Evolução do gasto com medicamentos do Sistema Único de Saúde no período de 2010 a 2016. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2018.