O estudo da resiliência nas ciências humanas e na saúde teve início nos anos 1980, momento histórico em que se identifica um número cada vez maior de pesquisas voltadas para o fenômeno de pessoas que permaneciam saudáveis apesar de terem sido expostas a adversidades e estresse extremo.
Apesar de não existir consenso sobre sua definição, resiliência é entendida como a capacidade do indivíduo em superar situações adversas, de modo que ele consiga adaptar-se de maneira saudável ao seu contexto.
Diversos estudos divergem sobre a resiliência ser uma habilidade adquirida ou um traço inato de personalidade (SOUZA; CERVENY, 2006). Porém, vale ressaltar que há um consenso sobre como as redes de apoio e o suporte familiar são importantes para a resiliência das pessoas.
O processo de resiliência ocorre em vários momentos em nossas vidas, mas podemos destacar a doença como o principal deles, sobretudo quando se faz necessário que o paciente seja hospitalizado. A resiliência mostra-se importante no ambiente hospitalar como fator de promoção de saúde.
Nesse sentido, qual o papel da resiliência no processo de hospitalização, e como o psicólogo hospitalar pode contribuir para a promoção da resiliência em pacientes hospitalizados?
A resiliência em pacientes hospitalizados
A resiliência é um fenômeno comum que surge a partir de processos adaptativos do ser humano. Porém, no hospital, diversos fatores podem interferir na resiliência, como dores físicas causadas pela doença, o desconforto de estar fora de casa, muitas vezes longe de pessoas de seu convívio ou tendo que dividir o quarto com outros pacientes, e até mesmo a compreensão desse paciente em relação ao processo de adoecimento.
Os mecanismos responsáveis pela resiliência estão relacionados a presença de fatores de risco e proteção. Os fatores de risco são estressores que quando presentes, aumentam as chances de o indivíduo apresentar problemas. Perdas afetivas, enfermidades, desemprego, guerras, entre outros, podem desencadear sofrimento físico e/ou psicológico.
Os fatores de proteção são as influências que modificam, melhoram ou alteram a resposta de uma pessoa frente a algum fator de risco. Podemos citar as relações parentais satisfatórias, fontes de apoio social e auto-imagem positiva.
Fatores de risco e proteção exemplificam como o processo de resiliência ocorre na vida das pessoas. Cada indivíduo é um ser único, e obtêm a resiliência em um processo individual e contínuo de relação com o meio ao qual se encontra inserido.
Em um contexto de doença, a hospitalização pode atuar como fator de risco de extrema pertinência para a diminuição de sua capacidade de resiliência. Contudo, sendo um processo tão particular, como já mencionado, a resiliência se manifesta de diferentes maneiras nos pacientes.
Mesmo em indivíduos que apresentam uma mesma doença, ou que até mesmo tenham histórias de vida similares, a forma como interpretam as situações são diferentes, fato este que justifica a atenção individualizada a cada paciente no seu processo de resiliência.
Heimann (2007) descreve que há um duplo viés da resiliência em hospitais, sendo eles o institucional e o individual. No âmbito institucional, o autor descreve a saúde daqueles que têm por função o cuidado dos pacientes, ou seja, faz-se importante que os profissionais de saúde, como médicos e enfermeiros, tenham diariamente a oportunidade de desenvolver em si a resiliência.
Por conseguinte, no que diz respeito ao aspecto individual, torna-se imprescindível também favorecer o processo de resiliência aos pacientes que se encontram hospitalizados. Portanto, fica evidente a importância de compreender os aspectos da resiliência hospitalar nestes dois sentidos, lembrando também daqueles que de maneira mais íntima relacionam-se com os doentes, os familiares.
O papel da família no processo de resiliência
A família pode ser uma das principais fontes de apoio ao fortalecimento da resiliência em pacientes hospitalizados. A resiliência familiar apesar de ser um termo pouco utilizado, está relacionado a ênfase nos aspectos mais saudáveis do grupo familiar em detrimento de suas possíveis falhas e desestrutura.
Uma família resiliente é um grupo que em situações adversas consegue se adaptar, sendo mais resistente a eventos estressores e modificações no sistema o qual a família está constituída.
Nesse sentido, a resiliência da família está relacionada a capacidade da unidade familiar enfrentar de forma mais saudável e positiva eventos de crise breve ou permanente, e atravessá-la de maneira que fortaleça o grupo familiar.
Entretanto, é preciso compreendermos que cada família se constitui à sua maneira e com as condições que a esta são possíveis. Fatores de risco e proteção também são vivenciados pelo conjunto familiar e assim como para os indivíduos hospitalizados, o sistema familiar precisa ser analisado diante desses mecanismos.
A resiliência e o papel do psicólogo hospitalar
Apesar de todo o avanço tecnológico para o tratamento das enfermidades, muitas doenças necessitam que os indivíduos apresentem processos adaptativos. Dependendo dos fatores de risco e suportes sociais envolvidos, os efeitos do adoecimento podem agir de forma negativa, promovendo desgaste físico e psicoemocional.
Além disso, a hospitalização é entendida como um fator de risco, já que envolve mudanças bruscas para aquele paciente, como interrupção de rotina, separação do ambiente familiar, submissão as normas hospitalares. Isso se agrava mais ainda em casos de doenças crônicas.
O psicólogo hospitalar deve reunir os conhecimentos e técnicas oriundos da Psicologia para aplicá-los de maneira coordenada e sistemática, buscando assistência integral do paciente. Seu trabalho é especializado no que se refere ao restabelecimento do estado de saúde mental do doente ou ao controle dos sintomas que prejudicam seu bem-estar.
Considerando as características descritas a respeito do processo de hospitalização, o psicólogo atua como mediador, promotor e potencializar de resiliência tanto no âmbito institucional quanto individual. Apesar desse tema ser majoritariamente pensado para pacientes, é fundamental pensar no papel que a família e a instituição hospitalar podem cumprir na promoção da resiliência.
A busca por alívio do sofrimento que vem acompanhado o processo de hospitalização e experiência de adoecimento, aparece ao psicólogo hospitalar como um dever ético e prático, na orientação e humanização do cuidar. A resiliência surge nesse contexto como um fator importante para a adaptação saudável.
A promoção da resiliência em situações de doença e hospitalização envolvem aceitação por parte do paciente de suas limitações, o que pode favorecer a colaboração com o tratamento e readaptação positiva.
É de fundamental importância a compreensão dos processos de resiliência, incluindo os fatores de proteção e risco, para o trabalho de prevenção e promoção da saúde nos hospitais. Além disso, o psicólogo em conjunto com paciente, equipe e familiares deve pensar em estratégias para a promoção de processos de resiliência no ambiente hospitalar, favorecendo circunstâncias geradoras de enfrentamento das adversidades e incrementando os fatores de proteção necessários.
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Referências
Heimann, T. (2007). Fortalecendo imunidades: resiliência em hospitais. In: Sofrimento, resiliência e fé: implicações para as relações de cuidado. (pp. 120 – ). São Leopoldo, RS: Sinodal.
Pesce, R. P., Assis, S. G., & Oliveira, R. V. C. (2004). Risco e Proteção: Em Busca de Um Equilíbrio Promotor de Resiliência. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 20 (2), 135-143.
Rudnicki, Tânia. (2007). Resiliência e o trabalho do psicólogo hospitalar: Considerações iniciais. Revista Brasileira de Psicologia Hospitalar, 10(2), 84-92.
Souza, Marilza Terezinha Soares de, & Cerveny, Ceneide Maria de Oliveira. (2006). Resiliência psicológica: revisão da literatura e análise da produção científica. Interamerican Journal of Psychology, 40(1), 115-122.