Uma iniciativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) surpreendeu profissionais da área de saúde no final de setembro: uma nota técnica enviada ao Ministério da Saúde para que houvesse a revisão do Guia Alimentar para a População Brasileira. O documento aponta as diretrizes alimentares oficiais para a popoulação, a partir do que se pressupõe como direitos à saúde e à alimentação adequada e saudável.
O principal ponto da nota técnica dizia respeito à classificação Nova. Esse parâmetro agrupa os alimentos conforme o nível de processamento. Segundo informações publicadas na imprensa, essa ferramenta é adotada por países como França, Israel, Canadá, México, Chile e Uruguai para educar a população em relação ao comportamento alimentar.
No entendimento do MAPA, o guia brasileiro é considerado “um dos piores” por causa da adoção da classificação. Por causa disso, a recomendação ao Ministério da Saúde era de “imediata retirada das menções” ao formato.
Mas uma carta assinada por 33 pesquisadores dos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Reino Unido, México, Chile e África do Sul defende o documento brasileiro e rechaça a instrução do Ministério da Agricultura. O professor Barry Popkin, da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill (EUA), disse à Folha de S.Paulo que a argumentação adotada indica falta de conhecimento científico de quem redigiu a nota e que as críticas ao guia são injustificadas.
Por que criticar o Guia Alimentar
O Ministério da Agricultura criticou o que chamou de “generalização de algo muito diversificado”, avaliação à orientação do Guia Alimentar brasileiro sobre o consumo de alimentos ultraprocessados. Além disso, a pasta afirmou que o sistema de classificação Nova usa critérios obscuros para determinar o que é um alimento processado.
“Em relação à diferenciação de ‘alimento ultraprocessado’ por meio da contagem do número de ingredientes (frequentemente cinco ou mais) parece ser algo cômico”, diz o documento assinado por Luís Eduardo Rangel e Eduardo Mazzoleni, respectivamente, diretor e coordenador do departamento de Análise Econômica e Políticas Públicas da Secretaria de Política Agrícola do MAPA.
Em sua defesa, o Ministério da Agricultura afirmou que a nota técnica divulgada se trata de “minutas”, e não chegou a ser enviada ao Ministério da Saúde. Os alimentos ultraprocessados estão associados a uma série de doenças, com destaque para a obesidade.
O que diz a classificação Nova
A classificação Nova é uma ferramenta que agrupa os alimentos de acordo com o nível de processamento pelo qual passou antes de chegar à mesa do consumidor. Isso inclui processos físicos, biológicos e químicos, que podem ocorrer após a colheita do alimento ou após a separação do alimento na natureza.
No artigo ‘Nova: A estrela brilha’, pesquisadores detalham cada categoria da classificação.
Grupo 1 – Alimentos in natura ou minimamente processados
Os alimentos in natura são aqueles que não passaram por qualquer processo industrial, como partes comestíveis de plantas ou animais, algas, cogumelos e água. Já os alimentos minimamente processados são aqueles in natura que foram submetidos a processo industrial com objetivo de aumentar a duração dos alimentos, permitir sua estocagem, facilitar ou diversificar a preparação culinária ou modificar seu sabor.
Os processamentos incluem remoção de partes não comestíveis ou não desejadas, secagem, desidratação, trituração ou moagem, pasteurização, refrigeração ou congelamento, acondicionamento em embalagens ou empacotamento a vácuo. Outros processos são fermentação não alcoólica e outros que não envolvam adição de sal, açúcar, óleos e gorduras.
Exemplos desses alimentos são: legumes, verduras, frutas, raízes, grãos, sucos de frutas pasteurizados e/ou sem adição de substânicas, especiarias, carnes, ovos, frutos do mar.
Grupo 2 – Ingredientes culinários processados
Os ingredientes culinários processados são aqueles extraídos diretamente de alimentos do Grupo 1 ou da natureza e que são consumidos como itens de preparação nas cozinhas. O propósito do processamento é criar produtos que possam ser usados em pratos salgados e doces, sopas, saladas, conservas, pães caseiros. As etapas do processamento inclui prensagem, moagem, pulverização, secagem e refino.
Exemplos desses ingredientes são açúcar, melado, mel, sal de cozinha, óleos e gorduras, e amido.
Grupo 3 – Alimentos processados
Os alimentos processados são fabricados com adição de sal ou açúcar, óleo, vinagre ou outra substência do Grupo 2 a um alimento do Grupo 1. O propósito do processamento é aumentar a duração de alimentos in natura ou minimamente processados, ou então modificar seu sabor. Os processos envolvidos incluem métodos de preservação e cocção.
Exemplos desses alimentos são conservas de hortaliças, cereais ou leguminosas; castanhas adoçadas ou salgadas; carnes salgadas, peixe conservado em óleo ou água e sal; queijos, pães e frutas em calda.
Grupo 4 – Alimentos ultraprocessados
O grupo de alimentos ultraprocessados é o mais polêmico dentro da classificação Nova, porque contém mais ingredientes artificiais e aditivos industrializados, com menor proporção dos alimentos do Grupo 1. Os ingredientes encontrados nos ultraprocessados incluem substâncias cuja função é simular atributos sensoriais dos alimentos in natura ou ocultar atributos sensoriais indesejáveis no produto final.
Há substâncias que caracterizam os ultraprocessados, como corantes, estabilizantes de cor, aromas, intensificadores de aromas, sabortizantes, realçadores de sabor, edulcorantes artificiais, agentes de carbonatação, agentes de firmeza, agentes de massa, antiaglomerantes, espumantes, antiespumantes, glaceantes, emulsificantes, sequestrantes e umectantes. O propósito do ultraprocessamento é justamente criar produtos industriais prontos para consumo, como comidas e bebidas.
Exemplos desses alimentos são refrigerantes, pó para refrescos, salgadinhos de pacote, sorvete, chocolate, guloseimas, pães de forma, biscoitos, misturas para bolo, cereais matinais, bebidas saborizadas, molhos prontos, produtos congelados para aquecer e produtos instantâneos.