Para além do recrutamento e seleção | Colunista

Foi-se o tempo em que o trabalho dos Psicólogos/as nas organizações era centrado em recrutar e selecionar pessoas ou aplicar testes psicológicos. Embora essa visão já esteja defasada há um tempo considerável, muitas pessoas e corporações ainda associam o Psicólogo/a Organizacional e do Trabalho exclusivamente a essa função.

Mesmo sendo uma atividade de extrema importância para o alcance dos objetivos organizacionais e um posto notavelmente estratégico, já que as pessoas são o diferencial competitivo das empresas e é o setor de Recrutamento e Seleção que busca pelos profissionais capacitados e comprometidos com a missão, visão e valores da organização, a atuação vai muito além.

O mundo do trabalho está cada vez mais dinâmico e competitivo tanto para os profissionais quanto para as empresas. É necessário contar com pessoas e equipes engajadas, alinhadas com as estratégias da organização e sobretudo saudáveis, sendo assim, essencial a atuação dos Psicólogos/as. Durante algum tempo o foco de atuação da psicologia nas empresas era contratações e questões de produtividade, mas atualmente o olhar precisa ser muito mais amplo e estratégico, porém afunilado às suas raízes: o indivíduo e sua relação com o trabalho.

Não cabe mais uma atuação voltada para reprodução de técnicas aprendidas na graduação. É preciso encarar as pessoas como frutos das relações sociais e não como seres isolados. Pessoas estão em constante transformação e construção. Com a Psicologia nas organizações não é diferente. É fundamental ressignificar.

É imprescindível que os Psicólogos/as da área organizacional se voltem para o que Zanelli et al. (2014, p. 564) enquadra como, “a perspectiva do fenômeno psicológico ou o âmbito individual que classicamente lhe foi confiado nessa divisão do trabalho”. É necessário que se preze pela estratégia empresarial sem deixar de observar as pessoas. É preciso haver um equilíbrio entre as expectativas corporativas por resultados e o olhar acerca do trabalhador. Caso a balança pese mais para um dos lados a atuação perde o sentido.

Em 2018, no debate dos integrantes das Comissões de Psicologia Organizacional e do Trabalho do Conselho Federal de Psicologia e de dezenove Conselhos Regionais foi discutida a importância de analisar e discutir estratégias com a finalidade de humanizar as condições de trabalho, aperfeiçoar as maneiras de gerir e, principalmente, criar maior entendimento sobre a relação entre o trabalho e o processo saúde-doença dos trabalhadores. Zanelli et al. (2014) chama a atenção para a importância da interface da Psicologia Organizacional com outros campos científicos e profissionais, inclusive dentro da própria Psicologia.

Diálogos como esses são de extrema importância, já que há uma gama imensa de trabalho para os/as Psicólogos/as Organizacionais, porém ainda, práticas e olhares engessados do papel que o/a Psicólogo/a deve cumprir não permitem que se amplifique o trabalho desses profissionais. Assim, como os/as próprios/as Psicólogos/as afogados/as em demandas burocráticas acabam não conseguindo se desvencilhar das rotinas que os aprisionam.

Além das áreas mais tradicionalmente ocupadas por Psicólogos/as nas empresas, como por exemplo, recrutamento e treinamento, pode-se citar alguns campos poucos explorados, mas com infinitas possibilidades de atuação do/a Psicólogo/a, como os apresentados a seguir:

Programas de retenção de talentos

Reter talentos, como o nome sugere, é um conjunto de estratégias pensadas para manter os talentos na empresa objetivando não os perder para outras organizações. É um trabalho que envolve tanto a valorização e reconhecimento dos profissionais como também um constante reforço dos valores, missão e visão da empresa e sobretudo o desenvolvimento do sentimento de pertencer à companhia.

Pensar na retenção de talentos é considerar as pessoas como um diferencial competitivo. É entender que essa relação é uma via de mão dupla: para que a empresa alcançar seus resultados, as pessoas também precisam alcançar os seus objetivos. O/A Psicólogo/a envolvido/a com esse projeto voltará o seu trabalho para as pessoas, o que envolverá clima e cultura organizacionais, lideranças, reconhecimento, carreira e desenvolvimento, enfim, temáticas relacionadas ao comportamento humano, o que é intimamente ligado à Psicologia.

Diversidade e inclusão

O/A Psicólogo/a deve ser o principal agente dessa prática. É o profissional que tem como objeto de estudo as pessoas e seus comportamentos e que compreende as interações sociais e seus reflexos. Um ambiente de trabalho plural é uma necessidade, a nossa sociedade é diversificada. Não se trata apenas de contratar pessoas com deficiência ou de diferentes raças, abrange incluir diferentes culturas, idades e identidade de gênero, por exemplo.

Esse campo de atuação não deve existir somente para as empresas atingirem um determinado número para cumprir a lei e o trabalho do/a Psicólogo/a não deve ser resumido em fechar cotas. Além da responsabilidade social, a diversidade nas empresas promove interação cultural e trocas de experiências entre diferentes perfis, ademais, melhora o diálogo da companhia com os mais diversos públicos.

A inclusão envolve planejamento e estratégia. É necessário criar políticas de diversidade e inclusão, desenvolver um processo de recrutamento inclusivo, envolver as lideranças, acompanhar indicadores, desenvolver treinamentos e aprimorar a comunicação.

Mediação de Conflitos

Mediar é conhecer os lados do conflito e intermediar a negociação. Nas organizações não são somente as pessoas podem vir a divergir, como também equipes e áreas. Um dos pontos primordiais para uma boa mediação de conflitos é saber ouvir e não escolher um lado; algo que para o/a Psicólogo/a é extremamente familiar.

O foco é o bem-estar organizacional. É necessário compreender os posicionamentos e guiar os opostos para a solução do impasse. Além de atuar com a mediação em si, pode-se ainda realizar ações com lideranças, propostas para melhoria da comunicação, além da análise do clima organizacional, para que cada vez mais os próprios profissionais sejam autônomos na solução de impasses e encontrem o melhor caminho para evitá-los ou solucioná-los.

Gestão do clima organizacional

O clima organizacional é uma espécie de termômetro das empresas. Por meio da análise do clima organizacional é possível ter indicadores a respeito do grau de satisfação das pessoas no trabalho. O clima organizacional está diretamente ligado a temas essenciais para as companhias, como por exemplo, motivação, liderança e desempenho, que por conseguinte interferem no comportamento das pessoas e consequentemente influenciarão nos resultados da empresa.

A Psicologia como aliada à gestão do clima pode contribuir com programas motivacionais, de qualidade de vida, de reconhecimento, como também trabalhar com as lideranças, fortalecer a comunicação e propor melhorias conforme as sinalizações colocadas pelos colaboradores na pesquisa de clima, uma importante ferramenta para a verificação da “temperatura” organizacional. Além de considerar os resultados que a empresa deseja alcançar, o/a Psicólogo/a também levará em consideração as necessidades e os objetivos das pessoas.

Gestão de mudança

Mudar geralmente é um processo permeado por medo e insegurança. É muito importante verificar quais são as resistências e incluir as pessoas no processo de mudança organizacional. Isso envolve treinamento, comunicação e muita troca e partilha em grupo e sobretudo envolve as lideranças. Além de identificar, entender e ressignificar as resistências, o/a Psicólogo/a inserido/a na gestão de mudança, precisa executar um trabalho direcionado aos líderes, que são a chave no processo de mudança organizacional, já que são gestores de pessoas e que dentro das organizações são seguidos por elas e poderão prepará-las para o processo de mudança organizacional.

Qualidade de vida

A importância da qualidade de vida no trabalho é essencial. Atuar para o bem-estar das pessoas na organização é um papel que cada vez mais os/as Psicólogos/as precisam assumir. Seria redundante falar sobre como o/a Psicólogo/a poderia contribuir para a saúde, sobretudo mental, dos colaboradores.

Mas, o papel da QVT (qualidade de vida no trabalho) percorre um longo caminho até chegar a sua meta, pois seu programa envolve lazer, condições de trabalho, segurança, relacionamentos saudáveis, realização pessoal e profissional, autonomia, remuneração, reconhecimento e tudo o que envolve as pessoas, sendo uma atuação interdisciplinar.

Um projeto de qualidade de vida requer reconhecer o papel que o trabalho ocupa na vida do colaborador, o que ultrapassa os muros da organização. É um trabalho de análise e intervenção, que dependendo da profundidade e oportunidade podem modificar até mesmo a cultura organizacional.

Essas são algumas das ramificações dentro da área de gestão de pessoas que causam grande efeito positivo no cotidiano organizacional para além do recrutamento e seleção.

A intenção desse texto é apresentar essas outras possibilidades de atuação dentro da Psicologia Organizacional e do Trabalho. Além disso, instigar o olhar para a nossa atuação como Psicólogos/as não só dentro das corporações como fora também.

Por fim deixo as seguintes reflexões: O que temos feito? E o que podemos fazer além? Como podemos mostrar o nosso trabalho como um componente essencial no local onde atuamos? Como quebrar as barreiras burocráticas e levar a Psicologia para o centro das estratégias organizacionais?

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Referências

ABREU, Cynara Carvalho de; MELO, Symone Fernandes de. Entre a técnica e a téchne: possibilidades de atuação do psicólogo nas organizações. Rev. Abordagem Gestalt, Goiânia, v. 25, n. 1, p. 83-90, abr.  2019.  Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&amp;pid=S1809-68672019000100009&amp;lng=pt&amp;nrm=iso>. Acesso em 27 jun. 2020. 

AZEVEDO, Beatriz Marcondes de; BOLOME, Sílvio Paulo. Psicólogo Organizacional: aplicador de técnicas e procedimentos ou agente de mudanças e de intervenção nos processos decisórios organizacionais?. Rev. Psicol. Organ. Trab., Florianópolis, v. 1, n. 1, jun. 2001. In: ZANELLI, J. C. O psicólogo nas organizações de trabalho: formação e atividades profissionais. Florianópolis: Paralelo 27,1994. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&amp;pid=S1984-66572001000100008&amp;ln%20g=pt&amp;nrm=iso>. Acesso em 26 de jun. de 2020.

Conselho Federal de Psicologia. CFP debate Psicologia Organizacional e do Trabalho. Brasília, 2018. Disponível em: <https://site.cfp.org.br/cfp-debate-psicologia-organizacional-e-do-trabalho/>. Acesso em 24 de jun. de 2020.

Zanelli, J. C., Bastos, A. V. B., &amp; Rodrigues, A. C A. (2014). Campo profissional do psicólogo em organizações e no trabalho. Em: J. C. Zanelli, J. E., Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil (2a ed). (pp.549-582). Porto Alegre: Artmed.