“Escuta-Dores : psicólogos em contexto hospitalar” | Colunista

A psicologia vem sendo inserida no contexto da saúde desde o século XIX onde esteve pela primeira vez no ambiente hospitalar. O que acarretou em diversos estudos e experimentos para que posteriormente fosse feita a expansão e efetivação dos profissionais de psicologia em ambiente hospitalar.

Este que foge dos padrões do setting terapêuticos clínicos, e possui a função de validar a subjetividade e autonomia de pacientes como também da equipe que oferta o cuidado, no ambiente que mesmo obtendo determinada evolução na humanização de seus processos, ainda carrega consigo o modelo biomédico como base..

A psicologia foi inserida no contexto hospitalar em 1945 após o término da Segunda Guerra Mundial, com intuito de ofertar um suporte aos militares que passaram a apresentar alterações psicológicas pós-guerra, havendo assim à necessidade de uma atenção especializada.

Anterior a esse fato, em 1818, a psicologia esteve pela primeira vez no ambiente hospitalar como parte de uma equipe multidisciplinar, elucidando assim sua importância no contexto juntamente com os outros profissionais de saúde, obtendo resultado positivo para que posteriormente fosse criado o primeiro laboratório de estudos desenvolvido pelo Hospital Mc Clean referente à psicologia em setting hospitalar.

Dentro de uma estrutura precária de oferta ao cuidado aos pacientes, os psicólogos buscavam identificar as repercussões psicológicas diante o processo de adoecimento e hospitalização, promovendo estratégias para minimizar as alterações psíquicas, atuando também diante as alterações de humor, senso-percepção e agitação psicomotora.

Em 1945, de acordo com o modelo biomédico cartesiano, os sujeitos eram vistos como máquinas que precisavam de reparo e a intervenção era direcionada à patologia. O que tinha como conseqüência a exclusão da singularidade dos mesmos, tratando o sujeito adoecido, como objeto fragmentado resumindo-o às suas alterações orgânicas não considerando as repercussões do adoecimento e a história de vida pessoal dos pacientes.

Alguns profissionais, tais como Freud, Lacan e Jung questionaram o modelo biomédico cujo qual prevalecia na década de 40, e pautavam seus discursos sobre o sujeito considerando-o como um ser biopsicossocial, ratificando que ao ser ofertado o cuidado, o mesmo deveria considerar a história de vida do paciente, o contexto cujo estava inserido, as relações interpessoais e as causas orgânicas de forma  simultânea.

No sentido de uma soma entre os processos acima citados e não de maneira fragmentada, reconhecendo as possíveis influências mútuas. Pois para eles o sujeito em seu processo de adoecimento trazia um sofrimento para além daquilo que verbalizou em seu discurso como queixa, discurso esse que precisava ser validado e
entendido  dentro do contexto de  adoecimento.

Com o desenvolvimento do modelo biopsicossocial, a reformulação do conceito de saúde que anteriormente era considerado como ausência de doença passa a ser um completo bem estar biopsicossocial, incluindo assim as três amplas esferas de sobrevivência do sujeito direcionando o olhar profissional para os aspectos do sujeito como um todo. Com isso emergiu-se a necessidade da criação de equipes multiprofissionais na área da saúde para ofertar o suporte ao sujeito em sua totalidade em prol de um possível dar conta da complexidade humana.

Em 1970 o programa federal “The Civilian Health and Medical Program of  the Uniformed Services” nos EUA reconheceu a psicologia como área da saúde, dando início às investigações das atribuições do psicólogo no contexto.Havendo assim a  necessidade de comprovar a eficiência da psicologia em ambiente hospitalar, desta forma  em 1973, iniciaram os estudos para efetivar a prática com base em dados empíricos.

Mas foi em 1978, com o surgimento da Divisão 38 que tinha como finalidade a regulamentação das áreas de atuação do psicólogo, na Associação Americana de Psicologia que foi oficializado e reconhecido a área de psicologia da saúde. Contexto em que o psicólogo era inserido e efetivado no ambiente hospitalar, com intuito de ofertar o suporte em torno dos aspectos psíquicos, reconhecendo à subjetividade associando os processos psicológicos com o processo de adoecimento.

A PSICOLOGIA HOSPITALAR NO BRASIL

No Brasil os serviços voltados para saúde mental iniciaram através do serviço de higiene mental que atuavam como proposta alternativa de reformulação das práticas de internações psiquiátricas, ofertando um atendimento humanizado para os sujeitos acometidos com alguma alteração psicológica.

Em 1950, os profissionais de psicologia passaram a atuar nos hospitais gerais sendo que na época, como não havia graduação reconhecida, quem ocupava esse lugar eram os profissionais das Ciências Humanas, tais como historiadores,filósofos sociólogos entre outros. Foi quando surgiu a necessidade de delimitar e criar o curso acadêmico de psicologia para que a prática fosse efetivamente exercida por profissionais especializados na área.

Mathilde Neder é considerada como a pioneira em psicologia no contexto hospitalar onde em 1954 a mesma promovia o acompanhamento psicológico de crianças em período pré e pós-operatório de cirurgias na região cervical. A partir disso outras profissionais tais como Aydil Pérez-Ramos e a Prof. Dra. Thereza Pontual  contribuíram para aprimoramento e posteriormente consolidação de técnicas, no que se refere às atividades de psicodiagnóstico e intervenção psicológica hospitalar a partir de suas experiências, constatando a necessidade da elaboração de princípios éticos.  

Devido ao contexto hospitalar possuir uma construção simbólica de urgência em seu ambiente,o atendimento do psicólogo no hospital tem como objetivo entender a dinâmica da vida do paciente como um todo, considerando desde os vários contextos que o mesmo está inserido às suas relações construídas nos mesmos. Visando buscar a identificação da  presença de um suposto sofrimento psíquico, que pode se configurar posteriormente como transtorno psicológico devido às alterações físicas e psíquicas acarretadas do processo de adoecimento.

Dentro das várias possibilidades de atuação podemos citar a interconsulta psicológica, o acompanhamento individual do paciente e sua possível rede de apoio, busca ativa de maneira rotativa e diária nos postos de saúde. Isso ocorre de forma multidisciplinar com os diversos profissionais dos setores de saúde específicos ou não. É importante trazer que, o trabalho do psicólogo no hospital também é voltado ao suporte nas demandas que surgem de forma específica ou não entre a equipe que oferta o cuidado nas suas respectivas áreas.

É válido ressaltar que, mesmo diante ao crescimento das práticas humanizadas em setores hospitalares, no que se refere à validação de autonomia do pacientes reconhecendo-os como protagonistas. O hospital ainda carrega estigmas sociais que evocam frequentemente com tamanha intensidade, o processo de luto antecipado e a sensação de impotência que, pode vir a agravar o sofrimento do sujeito adoecido ocasionando possíveis desarranjos psicológicos denominados de somatização.

Em qualquer ambiente de escuta precisa haver um sujeito que fala e outro que esteja disposto a exercer a escuta, no que se refere ao suporte psicológico, esse falar é conduzido pela via do subjetivo, manejado pelo profissional que tem como função  o exercer de certa influência na construção do que é dito, a partir de intervenções nas narrativas. E é diante a validação da subjetividade dos sujeitos e suas possíveis interferências na qualidade de vida dos mesmo que a psicologia vem ganhando espaços concretos em diversas áreas, principalmente na saúde.   

No hospital, a escuta deve estar voltada tanto para aquilo que o paciente diz quanto para o que não é dito, o mesmo deve ser considerado em toda sua globalidade, buscando intervenções que promovam uma melhor qualidade de vida dentro do quadro sintomático que ele se encontra. Para que haja a criação de condições para que o mesmo reflita e assim ressignifique o processo de adoecer, explicitando outras possibilidades, ressaltando novas alternativas existentes dentro desse processo de adoecimento considerando-o como protagonista da própria história. 

Pois, é possível também identificar através da fala dos pacientes, repetições de vivências associadas a figuras ou eventos importantes da vida do sujeito. Esta que aparece de uma forma reeditada e atualizada no contexto do “aqui e agora”, no sentido de buscar uma resolução desses conflitos reprimidos, que aparentemente são impossíveis de serem ressignificados. Contribuindo para o deslizamento das questões psíquicas no corpo orgânico. A partir disso a doença passa a servir como “solução” que o sujeito encontrou para a resolução de sofrimentos psíquicos.  

Diante a isso, vale ressaltar que aquilo que emerge do campo subjetivo de forma inconsciente por aquilo que foi dito, precisa ser contextualizado para os outros profissionais que fazem parte do processo para alcançar uma conduta contextualizada tendo como objetivo a promoção da qualidade de vida do sujeito de forma multidisciplinar.

O hospital por seu caráter rotativo, no que se diz a respeito aos pacientes, nos dá a possibilidade do contato com os mais variados tipos de demanda e isso acarreta num vasto aprendizado e aprimoramento do exercício da escuta ao atender. Mesmo que cada paciente seja um sujeito único e singular, possuindo assim suas especificidades há sempre um aprimoramento que reflete nas condutas em casos posteriores.Estar no ambiente hospitalar é encontrar-se com sujeitos emaranhados por suas dores que precisam ser acolhidas e significadas através de uma escuta limpa, é aprender a lidar com o inesperado sem roteiros para manejos do mesmo.  
 

Matérias relacionadas:

 

REFERÊNCIAS
 
ANGERAMI-CAMON, V. A.(2002). Psicologia hospitalar, passado, presente e perspectivas. In V. A. Angerami-Camon (Org.), O doente, a psicologia e o hospital (pp.3- 27). São Paulo: Cengage Learning, 2002.

ALMEIDA, E. C. (2000)O psicólogo no hospital geral. Psicologia: Ciência e Profissão,12- 20(3), 24-27.

AZEVÊDO, Adriano Valério dos Santos e CREPALDI, Maria Aparecida. (2016). A Psicologia no hospital geral: aspectos históricos, conceituais e práticos. Estudos de Psicologia (Campinas), 33 (4), 573-585. <https://doi.org/10.1590/1982-02752016000400002>.

CASTRO, E. J. ; FERRARI, F. I. O desejo do psicanalista e sua implicação na transferência segundo o ensino de Lacan. Psic. Clin. Rio de Janeiro, 2013.

NALI, C. M. ; A sutileza da transferência no contexto hospitalar. Estilos da Clínica. Rio de Janeiro, 2002.

FIGHERA, J.; SACCOL, S. C. A transferência na relação médico/paciente versus analista/analisando. IMED, 2009.