Um dos principais objetivos do tratamento endodôntico consiste na eliminação dos microrganismos e seus subprodutos, embora, nem sempre, seja alcançado.
Uma das bactérias comumente isoladas no canal radicular, a E. faecalis apresenta uma grande capacidade de penetrar nos túbulos dentinários, exibe uma forte adesão ao colágeno e mostra resistência às soluções de irrigação normalmente utilizadas durante a instrumentação (CARDOSO et al., 2008).
O hipoclorito de sódio, em diferentes concentrações, é o irrigante mais utilizado, seguido da clorexidina gel a 2% que, atualmente, é considerada uma solução irrigadora alternativa. Constantemente, buscam-se novas substâncias que possam auxiliar na terapêutica e o ozônio vem se apresentando como um possível agente antisséptico devido ao seu poder antimicrobiano e baixa toxicidade. (NOITES et al., 2014).
O ozônio, que se apresenta na forma triatômica de oxigênio (O3), é um gás com odor característico, instável, incolor e parcialmente solúvel em água. Devido ao seu odor penetrante é facilmente detectável em concentrações muito baixas (0,01 a 0,05 mg/L) (SILVA, et al; 2011).
Sua concentração máxima é encontrada entre 20 e 30 mil quilômetros da superfície da Terra. (CRUZ, Hérnan Freddy, 2006). Pode ser formado naturalmente, pela ação dos raios ultravioletas (UV) ou pelos geradores de ozônio que convertem através de carga elétrica de alta voltagem e frequência o O2 em O3. (SILVA; SHIOSI; RAINERI NETO, 2018)
O O3 apresenta uma alta penetração nos túbulos dentinários, danifica a memória das células bacterianas por ozonólise e oxida proteínas intracelulares gerando uma perda da função organelar. Devido a tais características, está sendo utilizado no tratamento endodôntico como desinfetante. (CAMACHO-ALONSO;
SALMERÓN-LOZANO; MARTÍNEZ-BENEYTO, 2016).
O uso endodôntico do ozônio é baseado nos primeiros estudos, realizados em 1951, por Zbinden, Overdiek e Honrath e a sua eficácia bactericida está baseada na formação de radicais livres que danificam a membrana celular gerando alterações na estabilidade e pressão osmótica.
Em um estudo realizado por Nagayoshi et al. (2004) foi comparado o efeito antimicrobiano da água ozonizada e do hipoclorito de sódio a 2,5% (NaOCl) durante a irrigação utilizando a sonificação. O resultado mostrou que a água ozonizada apresenta quase o mesmo resultado antimicrobiano comparado ao NaOCl e apresentou um baixo nível de toxicidade contra as células cultivadas
O efeito antimicrobiano do ozônio, ao ser comparado com a solução de NaOCl, ainda apresenta resultados controversos na literatura. (BOCH et al., 2015).
Um estudo realizado por Case et al (2012), foram utilizadas 70 raízes únicas de dentes anteriores que foram divididas em 5 grupos. O resultado através de uma análise microscópica mostrou que o hipoclorito de sódio 1% foi o desinfetante mais eficaz, sendo capaz de eliminar 93,5% de bactérias. Já gás ozônio associado a agitação ultrassônica eliminou 83,8% e apenas o gás ozônio por 2 minutos sem
agitação foi capaz de eliminar 71,6%.
Esse estudo mostrou que a ativação ultrassônica foi capaz de aumentar a eficácia do ozônio, mas nenhum regime de tratamento foi capaz de gerar 100% de eliminação dos microrganismos. Estudos mostram que a ativação de irrigantes por meio da energia ultrassônica é capaz de aumentar efeitos bactericidas. (CASE et al., 2012)
Em um estudo realizado por Boch et al. (2015), foram selecionados 125 dentes extraídos humanos (anteriores e pré-molar com um canal radicular). Os dentes foram divididos em 5 grupos e, em cada grupo, foi utilizado um agente irrigante. A irrigação do NaOCl reduziu cerca 99,9% de E. faecalis, das 25 amostras, 19 (76%) dos canais estavam livres de bactérias. Ao observar a efetividade do ozônio gasoso, obteve-se um percentual de 85, 4% de E. faecalis foram erradicados e não apresentou nenhuma
amostra livre de bactérias.
Ao combinar NaOCl com o ozônio, obteve-se a mesma eficácia que NaOCl utilizado sozinho. Entretanto, após analisar fragmentos de dentinas isoladas da parede do canal radicular, foi perceptível uma menor contagem de UFC quando utilizou-se a combinação do hipoclorito de sódio com o O3. Tal resultado pode ser explicado pelo poder do ozônio gasoso em penetrar os túbulos dentinários, aumentando o efeito antimicrobiano.
O hipoclorito de sódio (NaOCl) apresenta efeitos colaterais como: hemorragia, edema e ulceração cutânea quando, em altas concentrações, entra, acidentalmente, em contato com os tecidos orais. (KIST et al., 2017).
Deve-se ressaltar que existem limitações quanto ao uso do NaOCl, possibilitando, então, que o ozônio seja utilizado como um método alternativo como, por exemplo, em casos que apresentam resistência bacteriana e infecções persistentes após o uso do hipoclorito de sódio. A utilização do O3 também pode-se tornar necessária ao se tratar de casos com ápices reabsorvidos ou forame apical amplo. (BOCH et al., 2015)
No entanto, ainda não existe um consenso quanto à forma de aplicação, tempo e dosagem para se obter resultados significativos. Alguns estudos relatam que a natureza física de aspersão contribui para o efeito antibacteriano do O3 (KAYA et al., 2013).
O ozônio é um poderoso agente antimicrobiano, mas, devido a divergências na literatura, são necessários maiores estudos in vitro a fim de criar protocolo para que a prática da ozonioterapia na endodontia se torne corriqueira nos dias atuais.
Matérias Relacionadas:
- Como Manter a Higiene Oral em Tempos de COVID-19
- Câncer de boca: se você nunca viu um câncer, ele já te viu.
- Revascularização Pulpar, Alternativa Para Tratamento Endodôntico de Dentes Portadores de Rizogênese Incompleta
Referências bibliográficas:
CARDOSO, Marcelo Gonçalves et al. Effectiveness of ozonated water on Candida albicans, Enterococcus faecalis, and endotoxins in root canals. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod, v. 105, n. 3, p.85-91, 2008
NOITES, Rita et al. Synergistic Antimicrobial Action of Chlorhexidine and Ozone in Endodontic Treatment. Biomed Research International, v. 2014, p.1-6, 2014.
SILVA, Suse da et al. Potencialidades do uso do ozônio no processamento de alimentos. Semina: Ciências Agrárias, Londrina, v. 32, n. 2, p.659-682, 12 jul. 2011
AL-OMIRI, M. K.; ABUL HASSAN, R. S.; ALZAREA, B. K.; LYNCH, E. Improved tooth bleaching combining ozone and hydrogen peroxide–A blinded study. J Dent. v. 46, p. 46:30– 35, 2016
CRUZ, Hernan Freddy Ortega. Avaliação “in vitro” da associação do efeito antimicrobiano do ozônio a veículos e curativos de demora em diferentes períodos de tempo de armazengagem. Araraquara, 2006. 97 fls. Dissertação (Mestrado em Ciências Odontológicas- área Endodontia) – Faculdade de Odontologia de Araraquara da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Araraquara, 2006.
SILVA, Thais Cristina da; SHIOSI, Reinaldo Kazuiti; RAINERI NETO, Roque. Ozonioterapia: um tratamento clínico em ascensão na medicina veterinária-revisão de literatura. Revista CientÍfica de Medicina Veterinária, v. 31, p.1-6, jul. 2018. Semestral. Disponível em: <http://faef.revista.inf.br/site/e/medicina-veterinaria-31-edicao-julho-2018.html#tab1306>. Acesso em: 24 set. 2019.
ELSHINAWY, Mohamed I. et al. Synergistic Effect of Newly Introduced Root Canal Medicaments; Ozonated Olive Oil and Chitosan Nanoparticles, Against Persistent Endodontic Pathogens. Frontiers In Microbiology, v. 9, p.1-11, 3 jul. 2018.
CAMACHO-ALONSO, Fabio; SALMERÓN-LOZANO, P.; MARTÍNEZ-BENEYTO, Y.. Effects of photodynamic therapy, 2 % chlorhexidine, triantibiotic mixture, propolis and ozone on root canals experimentally infected with Enterococcus faecalis: an in vitro study. Odontology, [s.l.], v. 105, n. 3, p.338-346, 22 out. 2016.
HEMS, R. S. et al. An in vitro evaluation of the ability of ozone to kill a strain of Enterococcus faecalis. International Endodontic Journa, London, v. 38, p.22-29, 2005.
KAYA, B. Üreyen et al. Efficacy of endodontic applications of ozone and low-temperature atmospheric pressure plasma on root canals infected withEnterococcus faecalis. Letters In Applied Microbiology, [s.l.], v. 58, n. 1, p. 8-15, 8 out. 2013.
NAGAYOSHI, Masato et al. Antimicrobial Effect of Ozonated Water on Bacteria Invading Dentinal Tubules. Journal Of Endodontics, v. 30, n. 11, p.778-781, nov. 2004.
BOCH, Tanja et al. Effect of gaseous ozone on Enterococcus faecalis biofilm–an in vitro study. Clin Oral Invest,, n. 20, p. 1733-1739, 3 fev. 2015.
CASE, Peter D. et al. Treatment of Root Canal Biofilms of Enterococcus faecalis with Ozone Gas and Passive Ultrasound Activation. Journal Of Endodontics, v. 38, n. 4, p. 523-526, abr. 2012.
KIST, Stefan et al. Comparison of ozone gas and sodium hypochlorite/chlorhexidine two-visit disinfection protocols in treating apical periodontitis: a randomized controlled clinical trial. Clin Oral Inves, , n. 21, p. 995-1005, 2017.