O processo de transição demográfico e epidemiológico associado à ampliação ao acesso de serviços de saúde e as melhorias das condições gerais de vida da população proporcionaram uma redução acentuada da mortalidade precoce, que resultou no aumento da expectativa de vida [ 1 ].
Diante disso, o envelhecimento populacional constitui atualmente uma realidade e um dos maiores desafios mundial, visto que ele afeta diretamente o sistema de saúde e traz a tona necessidade do aperfeiçoamento profissional voltado para o atendimento de pacientes desta faixa etária, pois as organizações internacionais prevêem um incremento global no número de idosos nas próximas décadas. Estima-se que até 2025, haverá 1,2 bilhão de pessoas idosas no mundo. No Brasil serão cerca de 32 milhões de indivíduos nessa faixa etária, constituindo-se na sexta maior população de idosos do planeta [ 2 ];[ 3 ].
A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera como pessoa idosa aquela cuja idade é igual ou superior a 60 anos nos países em desenvolvimento, já nos países desenvolvidos esta classificação se dá quando o indivíduo apresenta idade superior a 65 anos [ 4 ]. No âmbito da saúde pública o paciente idoso é o grupo etário mais suscetível ao surgimento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) [ 5 ].
As doenças crônicas não transmissíveis são classificadas atualmente como as principais causas de morbimortalidade [ 6 ]. Dentre estas se destacam a hipertensão arterial sistêmica, diabetes e a dislipidemia, que no paciente idoso, devido às alterações fisiológicas, costumam ocorrer em associação, o que acaba demandando o emprego de diferentes medicamentos para o tratamento de cada comorbidade de forma isolada, resultando na necessidade da utilização de diferentes medicamentos para o manejo, corroborando para a prática da polifarmácia (uso simultâneo de quatro medicamentos ou mais) [ 7 ]; [ 8 ]. A imagem 1 traz um esquema simplificando o processo que demanda a polimedicação nos pacientes idosos.
A polifarmácia vem sendo apresentada como fator de impacto na saúde e segurança do paciente. Associada a esta prática, no idoso, as próprias alterações fisiológicas provenientes do envelhecimento, como menor produção de suco gástrico, teor de água total reduzido, aumento do tecido adiposo, esvaziamento gástrico mais lento e redução da capacidade renal e hepática, acabam modificando a farmacocinética e farmacodinâmica do medicamento, contribuindo significamente para reações adversas a medicamentos (RAM) e interações medicamentosas (IM), que se manifestam quando a resposta farmacológica e/ou a toxicidade de um fármaco é alterada pela presença de outro [ 9 ];[ 10 ];[ 11 ].
As IM quanto ao seu mecanismo, podem ser classificadas como farmacocinética, que ocorre quando as interações estão relacionadas à absorção, metabolização, distribuição, e eliminação; farmacodinâmica, que tem relação aos mecanismos de ação farmacológicos dos medicamentos, ou elas também podem ter o seu mecanismo desconhecido [ 12 ]. Clinicamente, é relevante classificá-las de acordo com a sua gravidade. Segundo Ferreira Jr (2016), as IM podem ser subdivididas em três níveis (listados na imagem 2), sendo observados resultados distintos e significativos [ 13 ].
Desta forma, nota-se a importância da identificação precoce das interações medicamentosas na farmacoterapia do idoso, tendo em vista a perspectiva de implementar medidas terapêuticas que visem garantir a segurança e a efetividade do tratamento medicamentoso.
Outro parâmetro que deve ser avaliado e acompanhado pelos profissionais farmacêuticos, são as reações adversas a medicamentos, que de acordo com a OMS, são definidas como qualquer evento nocivo e não intencional que ocorreu na vigência do uso de um medicamento, com finalidade terapêutica, profilática ou diagnóstica, em doses normalmente recomendadas. No paciente idoso, as RAM estão associadas com desfechos negativos na farmacoterapia e são responsáveis pelo agravamento e/ou surgimento de novas enfermidades que podem resultar em incapacidade do paciente, agravamento das condições clínicas, necessidade de internamento hospitalar ou óbitos [ 14 ]; [ 15 ].
Diante desta perspectiva, onde se observa a necessidade de uma avaliação e revisão constante da farmacoterapia, nota-se a importância do aprimoramento do profissional farmacêutico, que deve estar apto para lidar com parâmetros que vão além da dispensação de medicamentos, que envolvem investigação de IM e RAM, atendimento e acompanhamento farmacoterapêutico, prestação de serviço farmacêutico e orientação sobre o medicamento, que fazem parte dos componentes da atenção farmacêutica e que por meio das resoluções 357 [ 16 ] e 499/2009 [ 17 ] do Conselho Federal de Farmácia, os profissionais estão aptos a exercer estas atividades.
Percebe-se que os desafios são muitos, principalmente porque é necessário sair da zona de conforto e atuar de forma incisiva na farmácia clínica e na resolução de problemas associado à utilização de medicamentos, assumindo o papel como profissional do medicamento junto à equipe multidisciplinar. Apesar disso, é possível vislumbrar que independente da área de atuação do farmacêutico, é possível contribuir significativamente para a melhoria da qualidade de vida dos idosos do país.
Ademais, ressalta-se a importância da aproximação profissional com os pacientes idosos e seus cuidadores e da educação em saúde voltada para além da terapia medicamentosa, que nos portadores de doenças crônicas não transmissíveis devem ser estimulada a adoção de medidas não farmacológicas, que incluirão hábitos e estilo de vida mais saudável com o intuito de trazer qualidade e prolongamento dos anos de vida.
Referências:
1 CUENTRO, Vanessa da Silva et al. Prescrições medicamentosas de pacientes atendidos no ambulatório de geriatria de um hospital universitário: estudo transversal descritivo. Ciência & Saúde Coletiva, v. 19, p. 3355-3364, 2014.
2 DA SILVA BARRETO, Mayckel; CARREIRA, Lígia; MARCON, Sonia Silva. Envelhecimento populacional e doenças crônicas: Reflexões sobre os desafios para o Sistema de Saúde Pública. Revista Kairós: Gerontologia, v. 18, n. 1, p. 325-339, 2015.
3 VERAS, Renato Peixoto; OLIVEIRA, Martha. Aging in Brazil: the building of a healthcare model. Ciencia & saude coletiva, v. 23, p. 1929-1936, 2018.
4 WHO.World Health Organization.Active Ageing – A Police Framework.A contribuition of Word Health Organization to the second United Nations World Assembly Aging.Madrid, Spain, April, 2002.
5 GÓIS, Ana Luzia Batista de; VERAS, Renato Peixoto. Informações sobre a morbidade hospitalar em idosos nas internações do Sistema Único de Saúde do Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, p. 2859-2869, 2010.
6 SOUZA, Maria de Fátima Marinho de et al. Transição da saúde e da doença no Brasil e nas Unidades Federadas durante os 30 anos do Sistema Único de Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, p. 1737-1750, 2018.
7 BECHI, Vanessa da Silva. Atenção Farmacêutica: Uso Racional De Medicamento Na Rede Pública Pelos Idosos. FACIDER-Revista Científica, v. 1, n. 10, 2017.
8 LUTZ, Bárbara Heather; MIRANDA, Vanessa Irribarem Avena; BERTOLDI, Andréa Dâmaso. Inadequação do uso de medicamentos entre idosos em Pelotas, RS. Revista de Saúde Publica, v. 51, p. 52, 2017.
9 HAMMES, Jean André et al. Prevalência de potenciais interações medicamentosas droga-droga em unidades de terapia intensiva. RevBras Ter Intensiva, v. 20, n. 4, p. 349-54, 2008.
10 SECOLI SR. Polifarmácia: interações e reações adversas no uso de medicamentos por idosos. Rev. bras. Enferm, v. 63, n. 1, p.136-140, 2010.
11 CAVALCANTE, Maria Lígia Silva Nunes et al. Segurança medicamentosa em idosos institucionalizados: potenciais interações. Escola Anna Nery, v. 24, n. 1, 2020.
12 KATZUNG, Farmacologia Básica e Clínica. 13Ed, McGraw-Hill, 2017.
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13 FERREIRA JR, Cláudio Luiz et al. Análise das Interações Medicamentosas em Prescrições de uma Instituição de Longa Permanência em um Município de Minas Gerais. Boletim Informativo Geum, v. 7, n. 1, p. 64, 2016.
14 WORLD HEALTH ORGANIZATION. International drug monitoring: the role of the hospital. Report of a WHO meeting. Geneva: (Technical Report Series) WHO; n. 425 p.1-24, 1969.
15 NAGAI, Kelly Lie et al. Uso de rastreadores para busca de reações adversas a medicamentos como motivo de admissão de idosos em pronto-socorro. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, p. 3997-4006, 2018
16 DE FARMÁCIA, Conselho Federal. Resolução 357, 2001. cff.org.br, 2001.
17 DE FARMÁCIA, Conselho Federal. Resolução499, 2009. cff.org.br. 2009