Interações fármaco-nutrição enteral em unidade de terapia intensiva

Em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), a utilização da Nutrição Enteral (NE) através de sondas digestivas como primeira escolha em pacientes que possuem a deglutição prejudicada é frequente, e tem como objetivo manter e/ou recuperar o seu estado nutricional e imunológico, além de trazerem benefícios por serem mais fisiológicas, apresentarem redução da morbimortalidade, do tempo de internação, de infecções hospitalares, e terem menor custo econômico (SILVA, 2010; LOPES, 2013; BARBOSA, 2018).

Utilização de sondas digestivas x Problemas relacionados a medicamentos

Pacientes com esse perfil geralmente utilizam uma ampla terapia medicamentosa de via oral através das sondas gástricas ou entéricas, sendo mais susceptíveis a erros de administração e aprazamento (horário de
administração conforme posologia – atividade do enfermeiro), que podem resultar em interações medicamentosas e medicamento-alimento desde a administração, durante o processo digestivo, até a distribuição e eliminação, comprometendo sua ação terapêutica (HELDT, 2013).

É possível administrar medicamentos sólidos (conteúdo de cápsulas e comprimidos) via sonda?
 

A técnica utilizada para administração de medicamentos orais via sonda consiste na trituração ou dissolução do conteúdo de cápsulas em água, e introdução pela sonda. No entanto, muitos medicamentos possuem formulações específicas que perdem suas propriedades farmacológicas durante esse processo. Além disso, quando administrados junto à nutrição, podem diminuir sua absorção e causar obstrução da sonda. Assim, faz-se necessária a avaliação de todos os fatores que possam modificar a resposta farmacológica esperada (LIMA, 2009; SILVA, 2010).

Erros no preparo e na administração dos fármacos são bastante comuns, tornando-se um desafio para os profissionais de saúde, o que requer uma avaliação individual e personalizada, justificando a importância da presença do profissional farmacêutico junto à equipe para orientar, prevenir e identificar problemas relacionados a medicamentos, e discutir as possíveis interações (HOEFLER, 2009; RENOVATO, 2010).

Como o farmacêutico clínico pode atuar na identificação e prevenção dessas interações fármaco-nutrição enteral?

O farmacêutico clínico analisa diariamente as prescrições médicas dos pacientes internados, observando os medicamentos a serem administrados via sonda, forma farmacêutica, modo de preparação e administração e possíveis interações com a nutrição enteral, buscando a identificação e prevenção de erros e problemas relacionados a medicamentos junto à equipe multiprofissional.

Segundo Amorim et al. (2014), o aprazamento contempla uma das inúmeras atribuições da equipe de enfermagem, no entanto, a falta de individualidade nessa prática perante a necessidade de cada paciente, torna esse serviço mecanizado, onde os medicamentos são aprazados em horários pré-estabelecidos, desconsiderando as possíveis interações e a indicação da especificidade de cada horário, podendo comprometer a segurança dos pacientes.

Quais os erros mais encontrados na administração de medicamentos via sondas digestivas?

A incompatibilidade entre medicamentos e nutrientes pode resultar em redução da biodisponibilidade do fármaco ou obstrução da sonda, podendo interromper temporariamente o aporte nutricional, prejudicando a efetividade dos cuidados, causando desconforto ao paciente, demandando maior tempo da equipe e elevando os custos assistenciais (BECKWITH et al., 2004; FERREIRA NETO et al., 2017).

Como por exemplo, fármacos cuja absorção dependa do esvaziamento gástrico, quando administrados em sondas gástricas, deve-se interromper a dieta por 30 a 60 minutos antes e iniciar 30 minutos após a administração do medicamento. Já para medicamentos cuja absorção se dá no intestino, recomenda-se pausa de 15 minutos antes e após a administração (WILLIAMS, 2008).

A fenitoína por exemplo, apresenta redução de até 75 % em sua biodisponibilidade, chegando a doses subterapêuticas, sendo necessária a interrupção da nutrição enteral por duas horas antes e duas horas depois da sua administração. Além disso, o referido medicamento possui um estreito índice terapêutico e é um indutor enzimático potente, podendo acarretar outras interações medicamentosas (MOULY, 2009).

O omeprazol, amplamente utilizado para prevenção de úlcera por estresse é gastrorresistente, e sua absorção se dá no intestino, mas quando triturado pode perder suas propriedades farmacológicas e causar obstrução da sonda. Embora haja algumas apresentações no comércio que permitem sua dispersão em água, é recomendada a pausa na dieta, ou, quando possível, optar por outra forma farmacêutica, como a de administração parenteral (SANTOS, 2013).

Pacientes que utilizam medicamentos de uso crônico domiciliar necessitam dar continuidade ao tratamento em seu período de internação hospitalar. Um exemplo é a levotiroxina, cujas formulações à base de soja
provocam o aumento da sua excreção fecal. Nesses casos, a atuação preventiva do nutricionista para evitar essas formulações é essencial, juntamente com a monitorização da função tireoidiana do paciente pela equipe, minimizando o risco de hipotireoidismo (MICROMEDEX, 2019).

Os antimicrobianos por sua vez, são as principais drogas utilizadas em UTI. Dentre elas, as fluorquinolonas, como o ciprofloxacino, quando administrado junto à nutrição enteral, sofre quelação entre os cátions multivalentes (cálcio, ferro, magnésio, alumínio) presentes na dieta, tendo seus níveis séricos reduzidos. Dessa forma, recomenda-se a pausa na dieta 1 hora antes e 2 horas após a sua administração, ou preferindo-se sua administração endovenosa (WOHLT et al., 2009; SANTOS, 2013).

Quando identificados os riscos, diante das necessidades de pausa na dieta e mudanças no aprazamento, a terapia nutricional, como o tipo de fórmula e volume ofertado ao paciente, poderá ser alterada.

Comunicação entre equipe multiprofissional para efetividade das intervenções

A atuação do farmacêutico clínico na atenção às prescrições de pacientes em uso de sonda envolve a verificação da forma farmacêutica mais adequada, adaptação dos fármacos para administração e identificação de interações fármaco-nutriente, que intervém através de estratégias nutricionais ofertadas
ao paciente, considerando a necessidade do mesmo, tais como ajuste de fórmulas normocalóricas ou hipercalóricas e volume prescrito.

Como a literatura sobre interações fármaco-nutrição enteral é escassa e os medicamentos não são adaptados para administração por sondas, diversas recomendações seguidas ainda são baseadas no empirismo.

A interação, discussão e conhecimento compartilhados entre a equipe multiprofissional (enfermeiros, técnicos de enfermagem, nutricionistas, fisioterapeutas, farmacêuticos e médicos) são fundamentais para garantir a segurança e qualidade da assistência e efetividade no tratamento, que impacta na redução do tempo e custos de internação hospitalar.

Este trabalho foi desenvolvido durante a Residência Multiprofissional de Urgência e Emergência a partir de vivências diárias em equipe nas UTI´s, obtendo parecer final deferido pela Comissão de Pesquisa da Instituição de Ensino Superior Santa Casa de Misericórdia de Sobral, protocolo nº 97/2018.

REFERÊNCIAS

AMORIM, F. D. B. et al. O aprazamento de medicamentos pautado na segurança do paciente: um alerta para prática de enfermagem. Revista de Enfermagem UFPE, Recife, v. 8, n. 1, p. 224-228, 2014.

BARBOSA, D. L. et al. Interações fármaco-nutrição enteral em unidade de terapia intensiva: determinação de prevalência e significância clínica. BRASPEN, Minas Gerais. v. 33, n. 1, p. 49-53, 2018.

BECKWITH, M. C. et al. A guide to drug therapy in patients with enteral feeding tubes: dosage form selection and administration methods. Hosp Pharm. v. 39, n. 3, p. 225-37, 2004.

FERREIRA NETO et al. Intervenções farmacêuticas em medicamentos prescritos para administração via sondas enterais em hospital universitário. Revista Latino Americana de Enfermagem, Ponta Grossa – Paraná, v. 2, 2016.

HELDT, T.; LOSS, S. H. Interação fármaco-nutriente em unidade de terapia intensiva: revisão da literatura e recomendações atuais. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, v. 25, n. 2, p. 1162-167, 2013.

HOEFLER, R.; VIDAL, J. S. Administração de medicamentos por sonda. Boletim Farmacoterapêutico, Brasília, ano XIV, n. 3 e 4, 2009.

LIMA, G.; NEGRINI, N. M. M. Assistência farmacêutica na administração de medicamentos via sonda: escolha da forma farmacêutica adequada. Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 9-17, 2009.

LOPES, D. M. A. et al. Revisão sobre o uso de fármacos através de sondas digestivas: Um estudo de base hospitalar. Revista Brasileira de Farmácia Hospitalar, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 6-13, 2013.

MICROMEDEX® DISEASEDEX – General Medicine [Internet]. Interações medicamentosas. Disponível em:
http://www.micromedexsolutions.com/micromedex2/librarian/PFDefaultActionId evidencexpert. ShowDrugInteractionsResults. Acesso em 10 de maio de 2019.

MOULY, S.; MEUNE, C.; BERGMANN, J. F. Mini-series: I. Basic science. Uncertainty and inaccuracy of predicting CYP-mediated in vivo drug interactions in the ICU from in vitro models: focus on CYP3A4. Intensive Care Med. v. 35, n. 3, p. 417-29, 2009.

RENOVATO, R. D.; CARVALHO, P. D.; ROCHA, R. S. A. Investigação da técnica de administração de medicamentos por sondas enterais em hospital geral. Revista de Enfermagem UERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 173-178, 2010.

SANTOS, L.; TORRIANI, M. S.; BARROS, E. Medicamentos na prática da farmácia clínica. Artmed, 2013.

SILVA, C. D. R.; JÚNIOR, M. S. Estratégias para uso adequado de antibioticoterapia em unidade de terapia intensiva. Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, v. 13, n. 3, p. 448-453, 2015.

SILVA, L. D. et al. Interação fármaco – nutrição enteral: uma revisão para fundamentar o cuidado prestado pelo enfermeiro. Revista de Enfermagem UERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 304-310, 2010.

WILLIAMS, N. T. Medication administration through enteral feeding tubes. Am J Health Syst Pharm. v. 65, n. 24, p. 2347-57, 2008.

WOHLT, P. D et al. Recommendations for the use of medications with continuous enteral nutrition. Am J Health Syst Pharm. v. 66, n. 16, p. 1458-1467, 2009.