Amarrias & amarrias: “praticidade” e eficiência

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Na área da Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial a vivência com as práticas de emergência é algo muito comum, pacientes com fraturas dentárias ou dos ossos da face exigem do profissional uma intervenção rápida e a mais eficiente, de acordo com suas possibilidades e “ferramentas” disponíveis, visando à redução de danos ao paciente e o restabelecimento de sua saúde de modo integral.

Em ambos os contextos citados, traumas bucodentários e traumas faciais, o uso de odontossínteses, também denominada de amarrias com fios de aço flexíveis (FAF) por alguns autores (1) são excelentes opções de tratamento (inicial ou final) dos pacientes que buscam tal tipo de atendimento.

A odontossíntese é definida como uma manobra que se utiliza recursos (FAF ou outros dispositivos) para fazer a imobilização de elementos dentários e estruturas adjacentes após um trauma, podendo ou não ter envolvimento dos dentes da respectiva região (2). Dentro de um contexto histórico, segue-se o conceito Hipocrático para a  reaproximação e imobilização das fraturas. Hipócrates descreveu a reaproximação direta dos segmentos fraturados com o uso de fixação circundental, similar ao atual fio de aço de contenção. Ele defendeu a utilização das amarrias com fio de aço nos dentes adjacentes associada à bandagem externa para imobilizar uma fratura, neste caso no que diz respeito às fraturas de ossos faciais (2).

Além dessa conceituação hipocrática, estudos italianos que datam o ano de 1180 descrevem a importância de restabelecer a oclusão dentária adequada após o trauma (3), para assim, obter a redução das fraturas (reaproximação), ou seja, a oclusão será útil como guia para o tratamento de fraturas faciais.

Os tipos e as formas de odontossínteses são variadas. Atualmente, utilizam-se FAF isolados ou barras ou hastes fixas com FAF, tais como a Barra de Erich. No que diz respeito ao uso isolado de fios de aço, classificam-se em horizontal, vertical ou mistas.

Alguns exemplos de horizontais são: hipocrática, “escada”, Essig, em “oito”; as verticais são: Le Blanc, Cross-wise ou Gilmer, Risdon; e as mistas: anéis de Ivy, Eby, Olivier, Silverman, Boautroux. Esta nomenclatura segue o nome do profissional que a criou ou tipo de desenho geométrico gerado. Assim, de acordo com as necessidades clínicas do paciente, o profissional faz a opção da amarria que julgar mais adequada.

As indicações clássicas para o uso de odontossínteses ou amarrias são as fraturas faciais combinadas ou não com fraturas alvéolo-dentárias, nas quais a presença de dentes é necessária para este tipo de intervenção. Muitas vezes estes dispositivos servem como um guia inicial para restabelecer a oclusão do paciente no transcirúrgico e, em seguida, são utilizados materiais de osteossíntese, como placas e parafusos, promovendo a fixação dos cotos fraturados.

Outra forma de utilização é no tratamento emergencial, em fraturas mandibulares, por exemplo, devido à ação de músculos mastigatórios (masseter, temporal, pterigoideo medial e pterigoideo lateral) e/ou de músculos supra-hióides (digástrico, milo-hiódeo, gênio-hiódeo e estilo-hiódeo) ocorre o deslocamento dos ossos, as denominadas fraturas desfavoráveis ao tratamento (2). Neste caso, as amarrias com FAF irão promover a redução e estabilização das fraturas, o que irá tender a facilitar o planejamento cirúrgico em um próximo tempo cirúrgico, após a estabilização clínica do paciente.

No estudo de Lima et al. (2014) (4), descreve-se muito bem esta função da odontossíntese na redução das fraturas mandibulares. Os autores após realizarem o restabelecimento da oclusão e estabilização dos cotos fraturados com amarrias por FAF, deram seguimento à fixação das fraturas (placas e parafusos), obtendo-se um resultado favorável ao paciente citado no artigo.

Outras indicações para este tipo de intervenção são em casos de imobilização (contenção) de dentes reimplantados, como após traumas bucodentários por avulsão, podendo ser usado somente os FAF ou FAF com barras de aço ou ainda, estes mesmos fios em combinação com resinas compostas (2). No relato de caso de Silva Júnior et al. (2015) (5), demonstra-se de modo muito interessante e didático estas formas e tempos de utilização, no qual, mais uma vez, obteve-se um resultado satisfatório ao paciente tratado.

O bloqueio intermaxilar (impedimento da função mastigatória de modo total ou parcial) é uma forma interessante de tratamento em casos de fraturas faciais (envolvendo os ossos maxilar e mandibular) com excelentes resultados, pois a partir da oclusão obtêm-se uma imobilização favorável à neoformação óssea na respectiva região traumatizada. Porém, é importante salientar que este protocolo, na maior parte dos casos, é indicado apenas para fraturas favoráveis ao tratamento, ou seja, sem deslocamento ou com discreto deslocamento (2).

Um artigo que ilustra essa realidade é o de D’Andrea et al. (2017) (6), no qual os autores fizeram uso deste tipo de bloqueio em fraturas de côndilo mandibular. Um fator importante a ser avaliado e definido junto ao paciente é o tempo que ele irá permanecer com o bloqueio, pois dependendo da faixa etária dele, o prognóstico pode não ser favorável.

Dessa forma, é importante denotar que o profissional ao decidir fazer uso de algum tipo de odontossíntese, deve avaliar fatores clínicos (anamnese e exame físico) e imaginológicos do paciente, visando ao diagnóstico correto.

Após esta definição, o tratamento inicial pode ser feito com as amarrias ou, em alguns casos, pode ser o tratamento definitivo, tendo eficiência e uma maior praticidade se comparado com métodos de tratamento aberto, por exemplo. Em contrapartida, é importante salientar que há limitações desta técnica, em determinadas situações clínicas, como o paciente com quadro de hemorragias intraorais ativas ou edêntulos, que poderão dificultar ou até inviabilizar este protocolo.

Assim, acima de tudo, o profissional e o acadêmico (em formação) sempre devem basear suas condutas em evidências científicas mais atualizadas, prezando por um melhor prognóstico.

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Referências:

1. GAHHOS, F.; ARIYAN, S. Facial fractures: Hippocratic management. Head Neck Surg.; 6:1007, 1984.

2. FONSECA, R. J.; WALKER, R. V.; BARBER, H. D.; POWERS, M. P.; FROST, D. E. Oral & maxillofacial trauma. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. p.718- 805.

3. BROPHY, T. W. Oral surgery: A treatise on the diseases, injuries and malformations of the mouth and associated parts. York, Pa: Maple Press; 1915.

4. LIMA, L. B.; COSTA, D. S.; BATISTA, J. D.; FURTADO, L. M.; SILVA, M. C. P.; SILVA, C. J. Tratamento cirúrgico de fratura mandibular bilateral em paciente pediátrico. Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac; 14(4): 59-64, 2014.

5. SILVA JÚNIOR, E. Z.; SILVA, T. M. V.; ESTEVES, G. B.; ROLIM, H. S. F.; DOURADO, A. C. A. G. Prognóstico e tratamento da avulsão dentária: relato de caso. Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac.; 15(3): 39-42, 2015.

6. D´ANDREA, A. V.; MEDINA, A. C.; MARTÍNEZ, M. G.; SILVA, L. Conservative treatment of mandibular condyle fractures in children: Case series. Rev. odontopediatr. Latinoam.; 7(2): 128-143, 2017.