As neoplasias de cabeça e pescoço representam um sério problema de saúde pública. Isso se deve a sua alta incidência, prevalência e mortalidade 1 . Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), estima se que em 2020 sejam diagnosticados 15.190 novos casos de cânceres de boca e orofaringe, em que esses se enquadram como os tumores mais frequentes na região de cabeça e pescoço. O prognóstico desses tumores está relacionado diretamente com o seu diagnóstico, que quando realizado de forma tardia pode comprometer tanto o tratamento, como o prognóstico e a sobrevida do paciente. Conforme Al Dubai et al. (2012), mesmo com avanços no diagnóstico e tratamento, o percentual dos casos de câncer oral diagnosticados em estágios iniciais ainda é menor do que 5% em alguns países.
Então, é nesse momento que o cirurgião-dentista entra como profissional fundamental nos cuidados aos pacientes oncológicos. Para facilitar o entendimento, ao decorrer do texto a atuação do cirurgião dentista em relação aos cuidados com os pacientes oncológicos foram divididas em quatro etapas/atuações.
Primeira etapa/atuação
A primeira etapa/atuação e a uma das mais importante a ser realizado pelo cirurgião-dentista nesse cuidado, é a prevenção e, consequentemente junto a ela, o diagnóstico precoce. A correta conduta quanto ao exame clínico minucioso e completo do paciente e indicação de biópsia precisa, são os principais passos para esse diagnóstico ser efetivo e precoce. Além disso, a cavidade oral pode apresentar se como sitio secundário para outros tipos de tumores, assim, sendo esse profissional também importante no processo de diagnóstico de casos mais avançados.
Afinal, quando deve se desconfiar de uma malignidade?
- Lesões de úlcera que não regridem em 2 ou 3 semanas;
- Lesões leucoplásicas;
- Lesões eritroplásicas;
- Lesões de bordas indefinidas e de crescimento rápido.
Especialmente se localizadas nas zonas de alto risco:
- Assoalho de boca;
- Porção ventrolateral e base de língua;
- Palato mole;
- Úvula;
- Pilares anterior e posterior;
- Espaço retromolar.
O tratamento para uma grande variedade de neoplasias de cabeça e pescoço podem variar e tem a radioterapia como uma das modalidades de tratamento mais eficaz. Infelizmente, essa modalidade acaba por acarretar condições desfavoráveis para o paciente 3 .
Segunda etapa/atuação
Antes da realização do tratamento radioterápico, cabe ao cirurgião dentista realizar uma avaliação das condições de saúde bucal do paciente. Essa avaliação pré tratamento radioterápico, visa identificar e eliminar os focos orais de infecção para prevenir possíveis problemas orais durante e pós-radiação. Dentre as complicações pós radioterapia, uma das mais temidas é a osteorradionecrose 4 .
O plano de tratamento a ser realizado antes do tratamento radioterápico, deve ter como base uma avaliação periodontal e radiográfica completa. Esse plano de tratamento deve ser realizado de forma multidisciplinar, ou seja, em conjunto com o oncologista, pois a depender da área abrangida e/ou da dose irradiada, o plano pode e dever ser alterado 5 .
Existem várias filosofias sobre os critérios para extrações pré-radiação. Algumas práticas usam uma abordagem conservadora, mantendo o maior número de dentes, quando possível, enquanto outros exercem uma postura mais agressiva.
Situações que justificam a extração de dentes antes do início do tratamento com radiação:
- Dentes com cáries extensas e não restauráveis ou que não podem ser restaurados por outros motivos;
- Dentes com sintomatologia que requerem endodontia, em que o tempo ou outros fatores não permitem a terapia endodôntica a ser completado antes da radiação;
- Doença periodontal moderada a avançada em pacientes com higiene abaixo do ideal e/ou outros fatores sistêmicos contribuintes;
- Lesões periapicais extensas agudas/ sintomáticas que não podem ser restauradas antes da radioterapia 5 .
Terceira etapa/atuação
O tratamento radioterápico pode acarretar algumas condições desaforáveis para o paciente e as mais comuns são xerostomia, osteorradionecrose, mucosite e candidose 6 .
Você sabe como proceder frente ao um paciente em tratamento quimioterápico com necessidade de intervenção odontológica?
Bom, agora que já foram citados os possíveis efeitos do tratamento radioterápico e o que deve ser realizado pré-radiação, a partir desse momento vamos compreender os cuidados que podem vir a ser necessários durante o tratamento radioterápico.
Como já dito anteriormente, existem algumas condições desfavoráveis resultantes da radiação. Esses efeitos ocorrem, pois durante a radiação, quando realizada em região de cabeça e pescoço, as glândulas salivares são afetadas, tanto as maiores quanto as menores. O efeito dessa radiação nas glândulas são diversos, dentre eles, a
xerostomia, que é por onde vamos começar.
- Xerostomia
A xerostomia pode ser observado tanto em tratamentos radioterápicos quanto quimioterápicos. Em quadros de xerostomia, o exame do paciente tipicamente demonstra uma redução na secreção salivar e a saliva residual apresenta se de forma espumosa ou espessa, chegando a formar fios. Além disso, a saliva também sofre alterações qualitativas, como a diminuição da atividade das amilases, da capacidade tampão e do pH, com consequente acidificação. Essas alterações, ocasionadas pela xerostomia na saliva, podem postergar após o fim do tratamento radioterápico e, possivelmente, vir a acarretar as conhecidas cáries de radiação. Atualmente, o tratamento é puramente paliativo e consiste em alivio do desconforto que vão desde o uso de salivas artificiais ao consumo significativo de água durante o dia 6 .
- Mucosite
A mucosite oral é a forma mais comum de complicação oral decorrente de terapia antineoplásica não-cirúrgica. Seus sinais e sintomas mais comuns são eritema, edema, ulceração, dificuldade de deglutição e sensação de ardência. A mucosite resulta em uma comorbidade muita grande e prejudicial para o paciente, necessitando de uma intervenção imediata. Atualmente, o uso da laser tem sido muito efetivo tanto para prevenção dessa mucosite como para o tratamento. Além disso, alguns autores citam o uso de anestésicos tópicos para auxílio da dor 6,7 .
- Candidose
A candidose oral tem como principal agente etiológico a Candida albicans. Sua manifestação clínica se caracteriza pela presença de placas brancas removíveis a raspagem, podendo apresentar-se na forma pseudomembranosa ou eritematosa (Jham BC et al., 2006). E essa infecção, também, pode estar relacionada com a diminuição do fluxo salivar. O diagnóstico se dá por meio do exame clínico e seu tratamento consiste no emprego de antifúngicos tópicos ou sistêmicos, porém o acompanhamento desse paciente é a melhor forma de prevenção 6 .
Quarta etapa/atuação
A última etapa/atuação consiste no que vai ser feito e no que acontece após o tratamento radioterápico. O paciente que passou por tratamento quimioterápico em região de cabeça e pescoço necessita de um acompanhamento odontológico. A diminuição no fluxo salivar, geralmente, persiste após o tratamento, logo, ainda tem se a incidência de xerostomia, possíveis infecções oportunistas, com as fúngicas; e eventuais cáries de radiação. Além disso, é de suma importância realizar a prevenção desse paciente, para que, caso aconteça novamente, tenha se o diagnóstico o mais precoce possível.
- Osteorradionecrose
Além disso, após o tratamento de radiação o tecido sofre várias alterações se tornando hipóxico, hipovascular e hipocelular prejudicando a reconstituição do osso e favorecendo a ocorrência da osteorradionecrose. A osteorradionecrose pode apresentar como características clínicas: ulceração da mucosa com exposição óssea e presença de dor, sendo a mandíbula mais acometida que a maxila. O diagnóstico se dá por meio da avaliação clínica e radiográfica devido a presença de áreas de reabsorção e neoformação óssea 8 . Alterações ósseas podem ser observadas em casos de procedimentos durante o primeiro, segundo e quinto ano após radioterapia, mas há relatos de ocorrência de 3-7 meses e 38-45 anos após radioterapia. Logo, extrações devem ser bem pensadas e pesadas, e, quando possível, substituídas por tratamento endodôntico 8,6 .
Por fim, o tratamento oncológico deverá ser abordado multidisciplinarmente, para obtenção de resultados terapêuticos satisfatórios. As alterações bucais são esperadas para estes pacientes, cabendo ao profissional de Odontologia orientar e intervir para proporcionar uma maior qualidade de vida a estas pessoas. Tendo, assim, como o papel de cuidados aos pacientes oncológicos: a prevenção, o diagnóstico preciso e precoce, adequação do meio bucal para posterior radiação e o acompanhamento desse paciente durante e após o tratamento pelo resto da vida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1- Boing AF, Antunes JL. [Socioeconomic conditions and head and neck cancer: a systematic literature review]. Cien Saude Colet. 2011;16(2):615-22.
2- Al Dubai SAR, Ganasegeran K, Alabsi AM, Alshagga MA, Ali RS, Awareness and Knowledge of Oral Cancer among Malaysian Students. Asian Pacific J Cancer Prev. 2012;13(1):165-168.
3- Huang YF, Liu SP, Muo CH, Tsai CH, Chang CT. The association between dental therapy timelines and osteoradionecrosis: a nationwide population-based cohort study. Clinical Oral Investigations. 2019. Doi:10.1007/s00784-019- 02866-4.
4- Schuurhuis JM, Stokman MA,Witjes MJ,Dijkstra PU, Vissink A, Frederik K.L. Evidence supporting pre-radiation elimination of oral foci of infection in head and neck cancer patients to prevent oral sequelae. A systematic review. Oral Oncology 51 (2015) 212–220.
5- Mackie AM , Epstein JB, Wu JSY, Stevenson-Moore P. Nasopharyngeal carcinoma: the role of the dentist in assessment, early diagnosis and care before and after cancer therapy. Oral Oncology 36 (2000) 397–403.
6- Freitas DA, Caballero AD, Pereira MM, Oliveira SKM, Pinho e Silva G, Hernández CIV. Sequelas bucais da radioterapia de cabeça e pescoço. Rev. CEFAC. 2011 Nov-Dez; 13(6):1103-1108
7- Ps SK, Balan A, Sankar A, Bose T. Radiation induced oral mucositis. Indian J Palliat Care. 2009;15(2):95-102.
8- Jham BC , Freire ARS. Oral complications of radiotherapy in the head and neck. Rev Bras Otorrinolaringol 2006;72(5):704-8