Cirurgião-dentista no hospital pode? Deve!

A odontologia atual vive um período onde a atenção não é voltada somente à estrutura dental de um paciente, mas sim, a pessoa como um todo, buscando avaliar não só as condições da cavidade bucal, mas também o estado de saúde geral do indivíduo. Neste aspecto, a Odontologia Hospitalar surge como uma área de importância na composição de uma equipe multidisciplinar nos ambulatórios, sendo conferida como mais uma área de atuação do Cirurgião-Dentista (SOUZA; PEREIRA; SILVA,2014).

Mas e você, conhece a Odontologia Hospitalar? Vamos juntos entender melhor!

Infelizmente, muitos profissionais ou ainda graduandos em odontologia não possuem o pleno conhecimento do que se trata mais essa área de atuação, em meio a tantas outras; mas vamos por partes, primeiro, da onde surgiu a Odontologia Hospitalar?

Conforme Aranega et al. (2012), em meados do século XIX os doutores Simon Hullihen (1810 – 1857) – considerado o primeiro cirurgião oral dos Estados Unidos – juntamente com James Garrestson (1828 – 1895) – tido como o pai da cirurgia oral – desenvolveram a atuação da Odontologia Hospitalar na América, tendo sido necessário um esforço oneroso para que a mesma fosse reconhecida e apoiada pela Associação Dental Americana. Já no Brasil, a legitimação da Odontologia Hospitalar ocorreu somente em 2004 com a fundação da Associação Brasileira de Odontologia Hospitalar (ABRAOH), e, mais tarde, no ano de 2008, foi criada a lei de número 2776/2008 que obrigava a presença de um Cirurgião-Dentista nas equipes multiprofissionais hospitalares e nas Unidades de Terapia Intensiva, com o intuito de abordar a saúde bucal de pacientes que se encontrassem debilitados em virtude da hospitalização. 

Acompanhou o contexto histórico que tange esta atuação? Sim? Mas você ainda deve estar se questionando, o que é a Odontologia Hospitalar? Eu te respondo!

 

A expressão Odontologia Hospitalar remete a atividades de cunho odontológico realizados sobre uma estrutura hospitalar, proporcionando cuidados preventivos, educativos, curativos e também reabilitadores (COSTA et al., 2016).
A 1ª edição do Manual de Odontologia Hospitalar lançado pela Secretaria de Saúde do estado de São Paulo em 2012, a define como um conjunto de ações profiláticas, diagnósticas, terapêuticas e ainda paliativas na saúde bucal praticadas no ambiente de um hospital, compondo sua equipe multidisciplinar, com enfoque maior na saúde ao paciente em nível terciário.

Em consonância, Souza, Pereira e Silva (2014) trazem a Odontologia Hospitalar como uma técnica que busca os cuidados inerentes ás modificações da cavidade bucal executando procedimentos de baixa, média e alta complexidade, que sejam concretizados em ambiente hospitalar, melhorando acima de tudo, a qualidade de vida do paciente hospitalizado; ainda, relatam o cuidado absoluto do paciente, não se atentando somente à cavidade bucal, possuindo o profissional aqui atuante uma boa relação com o restante da equipe multidisciplinar que executam o tratamento do mesmo paciente. 

Também se tratando da atuação do Cirurgião-Dentista dentro do hospital, não se pode deixar de lado a cirurgia e traumatologia buco-maxilo-facial, que pode ser colocada como referência no que diz respeito a inserção destes profissionais no ambiente hospitalar, formando o elo de ligação destes para fora do local de trabalho rotineiro como os consultórios. E, ainda que ambas as áreas de atuação sejam executas por Cirurgiões-Dentistas no mesmo ambiente de trabalho, as atividades destes profissionais não se justapõe, uma vez que a cirurgia e traumatologia buco-maxilo-facial é uma especialidade cirúrgica, atuando em traumas ou patologias que atinjam a face, a odontologia hospitalar é encarregada do acompanhamento e corroboração para a melhora da qualidade de vida do paciente admitido à internação, sobretudo nas UTI´s (ARANEGA et al., 2012).

Deu pra entender um pouco do que é Odontologia Hospitalar não é mesmo? 

Continuando, qualquer Dentista pode atuar em ambiente hospitalar?

Desde que seja habilitado para isso, sim!  Conforme o Conselho Federal de Odontologia (CFO) em suas resoluções 162 de três de novembro, e 163 de nove de novembro de 2015, a Odontologia Hospitalar não é tida como uma especialidade, mas sim, uma área de atuação que requer a realização de uma habilitação por parte do profissional que tenha interesse na área. Deste modo, não é necessário que se tenha uma especialização, e sim uma capacitação/habilitação; mas atenção! É necessário que esta capacitação atenda as exigências destas resoluções, que deixa claro a necessidade de pelo menos 350 horas aulas divididos em teorias e práticas. Também, devem contemplar uma ementa que possua disciplinas como gestão, bioética, prática clínica, urgência e emergência, suporte básico de vida, dentre outras (PINHEIRO, 2017).

Adicionalmente, o capítulo X do Código de Ética Odontológico de 2012 em seu artigo 26, trata da odontologia hospitalar, exigindo do profissional aqui atuante conhecimentos específicos acerca da saúde geral do paciente, além da relação com as demais áreas da saúde (COSTA et al., 2016).

Assim, fica fácil entender que a Odontologia Hospitalar somente deverá ser exercida por Cirurgiões-Dentistas graduados em odontologia, desde que possuam a habilitação na área e realizada em instituição de ensino reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC) e também pelo CFO, e apresentem ainda a capacidade no atendimento ao paciente hospitalizado.

Mas afinal, o que faz um Cirurgião-Dentista habilitado em Odontologia Hospitalar?

Buscando respostas a essa pergunta na literatura disposta sobre o assunto, encontra-se algumas atribuições a este profissional, como as listadas por Blum et al. (2018), também comentada no capítulo X do Código de Ética Odontológico de 2012 e nas resoluções162/15 e 163/15:  

  • É competência do Cirurgião-Dentista internar e assessorar pacientes em hospitais públicos e também privados, com ou sem caráter filantrópico, desde que respeitadas as normas técnico-administrativas da instituição;
  • Prestar assistência odontológica aos pacientes em regime de internação hospitalar, ambulatorial, domiciliar, urgência ou emergência inclusive com suporte básico de vida;
  • Prestar cuidados ao paciente portador de doenças sistêmicas que possam ser fatores de risco ou de agravamento para a instalação de patologias bucais, ou vice e versa;
  • Controle do índice de placa bacteriana dos pacientes hospitalizados sobretudo aqueles mantidos sobre ventilação mecânica;
  • Avaliar a real necessidade da remoção de aparelhos ortodônticos, próteses, ou implantes, que possam vir a ser fatores retentivos de placa bacteriana;
  • Instrução e realização de higiene oral diária com Digluconato de Clorexidina a 0,12%;
  • Diagnóstico e tratamento de infecções bucais de origem odontogênica ou não;
  • Elaborar projetos de cunho científico e técnico, realizando pesquisas e estimulando ações que permitam o uso de novas tecnologias, métodos e fármacos no âmbito da Odontologia Hospitalar;
  • Atuar ativamente em programas de promoção, manutenção, prevenção, proteção e recuperação da saúde no ambiente hospitalar;
  • E ainda, a identificação da doença, bem como do estado de saúde geral e bucal do indivíduo no momento da internação;

Bastante coisa não é mesmo? Mas não para por aí, o profissional habilitado em Odontologia Hospitalar pode também ter participação ativa na equipe multiprofissional auxiliando em suas decisões no que diz respeito a internação, diagnóstico, intervenção odontológica, acompanhamento e alta hospitalar, tendo acesso também ao prontuário médico do paciente.

Viu só como é interessante esse campo de atuação? Por fim, cabe aqui falar da importância que tem este profissional atuando no ambiente hospitalar, veja só!

Para Costa et al. (2016), um hospital tem como missão conceder à população uma assistência médico-sanitarista integral, de forma a abordar aspectos preventivos e curativos, além de formar recursos humanos em saúde; deste modo, a presença de um Cirurgião-Dentista ajuda a conquistar tal objetivo, já que o mesmo contribui para o sucesso da equipe multiprofissional.  

Os pacientes acamados muitas das vezes encontram-se incapazes de realizar a correta higienização da cavidade bucal, necessitando de auxílio da equipe de saúde, especialmente o Cirurgião-Dentista. Uma higiene oral deficiente pode acarretar em aumento do índice de biofilme bacteriano sobre a estrutura dental, o que constitui um fator de risco para o desenvolvimento de infecções sistêmicas como a pneumonia nosocomial, por exemplo, uma vez que patógenos presentes na saliva e no biofilme dental destes pacientes podem ser aspirados infectando os pulmões (SOUZA; PEREIRA; SILVA, 2014).

Os microrganismos que são gerados por condições bucais (como os presentes no biofilme bacteriano) contribuem de certa forma para um crescente aumento de agravos à saúde geral do paciente; de outra forma, doenças sistêmicas podem ter influência na cavidade bucal do indivíduo (RABELO; QUEIROZ, SANTOS, 2010).

Em meio a isso, cabe ao Cirurgião-Dentista se atentar as estruturas que estão relacionadas à atenção odontológica em ambiente hospitalar, devendo realizar o monitoramento do paciente por intermédio de exames apropriados, contribuindo para a diminuição do tempo de internação, e também dos índices de pneumonia associada a ventilação mecânica como mostra diversas pesquisas já realizadas, onde a presença deste profissional atuando no cuidado ao paciente diminuiu significativamente os índices deste agravo à saúde (ARANEGA et al., 2012; COSTA et al., 2016).

Autor: Eduardo Kailan. Graduando em Odontologia

Referências:

ARANEGA, A. M. et al. Qual a importância da odontologia hospitalar? Revista Brasileira de Odontologia., Rio de Janeiro – RJ, v. 69, n. 1, p. 90-3, jan/jun. 2012.

COSTA, J. R. S. et al. A odontologia hospitalar em conceitos. Revista da Academia Brasileiro de Odontologia. v. 25, n. 2, p. 211-218. 2016.

RABELO, G.D.; QUEIROZ, C. I.; SANTOS, P. S. S. Atendimento odontológico ao paciente em unidade de terapia intensiva. Arquivo Médico do Hospital de Ciências Médicas Santa Casa de São Paulo., São Paulo-SP, v. 55, n. 2, p. 67-70, 2012.

SOUZA, L.V.S.; PEREIRA, A. F. V.; SILVA, N. B. S. A atuação do Cirurgião-Dentista no atendimento hospitalar. Revista Ciências da Saúde., São Luís – MA, v. 16, n. 1, p. 39-45, jan/jun. 2014.

São Paulo, Secretaria de Saúde. Manual de Odontologia Hospitalar. – São Paulo: Grupo Técnico de Odontologia Hospitalar, 2012.

PINHEIRO, T. B. Odontologia hospitalar: a importância do Cirurgião-Dentista nas unidades de terapia intensiva e sua atuação no atendimento a pacientes portadores de necessidades especiais. Monografia (Graduação em Odontologia). Porto Velho – RO, 2017.

Brasil. Conselho Federal de Odontologia. Código de ética odontológico. Resolução CFO- 118 de 2012.

Brasil. Conselho Federal de Odontologia. Resolução nº 163, de 09 de novembro de 2015. Conceitua a Odontologia Hospitalar e define a atuação do cirurgião-dentista habilitado a exercê-la. 2015. Disponível em: https://www.legislaweb.com.br/legislação/?id=310456. Acesso em 22 de abril de 2020.

 Brasil. Conselho Federal de Odontologia. Resolução nº 162, de 03 de novembro de 2015. Conceitua a Odontologia Hospitalar e define a atuação do cirurgião-dentista habilitado a exercê-la. 2015. Disponível em:  http://www.normaslegais.com.br/legislacao/Resolucao-cfo-162-2015.htm. Acesso em 22 de abril de 2020.

BLUM, D. F.C. et al. A atuação da odontologia em unidades de terapia intensiva no Brasil. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. v. 30, n. 3, p. 327-332, 2018.