No dia 08 de Março foi comemorado o Dia Internacional da Mulher. Porém, ao contrário do que muitos pensam, não é o dia de celebrar apenas a beleza feminina, a delicadeza da mulher, o amor e cuidado. É infinitamente mais do que isso.
A Médica Veterinária Rebeca Ribeiro criou o discurso que todas Médicas Veterinárias, Zootecnistas e mulheres em geral deveriam ler. Foi recitado na formatura da Universidade Federal da Bahia (UFBA) neste início do mês de Março.
Segue a reflexão sobre a luta feminina: (cedido pela autora)
“Senhoras e senhores, boa noite.
Peço licença para cumprimentar, de modo especial, os meus mais novos e queridos colegas de profissão e as suas famílias: parabéns por essa conquista que é, essencialmente, coletiva.
Quero também deixar aqui registrado a grande honra e felicidade de ser paraninfa dessa turma que tanto me orgulha. Tive o prazer de conviver e aprender com cada um de vocês no espaço da sala de aula (e algumas vezes, fora dele), trocando conhecimentos e experiências sobre a vida e, nos intervalos, sobre Ciência Animal, Agrostologia, Bovinocultura, Nutrição…
Mas hoje, não quero falar sobre a diferença entre um zebuíno e um taurino, nem tão pouco sobre braquiárias ou panicuns. Ufa, ainda bem, né?
Prometo também ser breve em minha fala – sei que a ansiedade da comemoração, e a vontade de dar um abraço apertado nos mais novos médicos veterinários, é sentimento que já se faz presente aqui nesse auditório. Hoje é dia de celebração: e, prometo, das boas.
Gostaria de convidar todos vocês a olharem para esse palco. Hoje, temos 20 formandos nessa cerimônia. Dezenove, mulheres.
– “Oi, Lucas!”
Sim, Lucas, você é o único, dentre elas. Quão enriquecedora é a experiência de graduar-se em uma turma composta por 95% de mulheres, heim?
Temos aqui algo pouco provável? Nem tanto, meus caros. Uma matéria publicada no jornal BBC, em setembro do ano passado, trazia consigo um título preocupante: “Mulheres são maioria nas universidades brasileiras, mas tem mais dificuldades em encontrar emprego”.
Alguns estudiosos destacam que o acesso das mulheres ao Ensino Superior, é uma das principais conquistas femininas no último século. Mas será mesmo que, nós mulheres, estamos conquistando nosso espaço no mercado da medicina veterinária – que será a principal fonte de sustento de vocês doravante?
É bom lembrar que, há uns 20 ou 30 anos atrás, a medicina veterinária era ainda considerada por muitos (e não por todos) uma profissão essencialmente masculina, sendo representada, muitas vezes, por um doutor barbudo cuidando de animais na fazenda.
Hoje, os tempos são outros, a medicina veterinária e a sociedade avançaram, mas não esqueçamos, minhas queridas e meu querido: o machismo é estrutural e, assim como uma poeirinha fina, vai se depositando, de-sa-per-ce-bi-da-men-te, em nossas relações, inclusive, nas profissionais.
Alguma de vocês já ouviu?
· “Ah… cuidar de boi? Isso é coisa de homem, por que exige força física, né?”
· “Nossa, a doutora fica tão linda com esse jaleco…”
· “Como você vai continuar viajando para atender
pacientes nas fazendas, depois que se casar?”
· “Você vai usar essa roupa nas suas consultas, Doutora?”
· “Não acha melhor escolher uma área da veterinária que
te permita ficar mais próxima de seus filhos? Por que assim,
né? Mulher tem que casar e ter filho para ser feliz e realizada”
Pois bem. Ficaria muito feliz em saber que nenhuma de vocês ouviu, ou ouvirá, algo parecido em sua trajetória profissional. Esse, infelizmente, não foi o meu caso.
Há exatos 10 anos atrás (sim, o tempo voa!), eu estava exatamente onde vocês estão hoje. Me formava em medicina veterinária e um mundo de possibilidades se abria para mim. Que profissão plural!
Segui carreira acadêmica e, dentre o período do mestrado e doutorado, ouvi não só uma frase, mas muitas desse tipo: ouvi que mulheres tinham mais dificuldade com cálculos, que nos atrapalhávamos na hora de formular uma ração (Prof. Stefanie que o diga!), que teríamos dificuldade em nos impor com funcionários de fazendas ou de clínicas. Será que homens escutam todas essas “observações” também?
Para além dessas questões comportamentais, que afetam nossa rotina de trabalho, trazendo a nós, mulheres, desgastes de cunho psicológico e emocional, ainda há o alarmante dado que afeta, de modo mais direto, nossa sobrevivência no mercado de trabalho.
A Agência Brasil publicou em março do ano passado uma matéria com a aterrorizante constatação de um estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE:
“Mulheres ganham menos do que homens em todas as ocupações
selecionadas na referida pesquisa. Mesmo com uma queda na
desigualdade salarial entre 2012 e 2018, as trabalhadoras ganham,
em média, 21% menos que os homens no país, em todos, eu
repito, TODOS os seguimentos.”
Este dado nos remete à necessária denúncia da invisibilidade do trabalho feminino, que se dá também no âmbito doméstico, e as desigualdades que caracterizam sua inserção produtiva – com rendimentos inferiores, direitos previdenciários negados e inúmeros obstáculos aos planos de ascensão a cargos e chefia.
Então, queridas e querido, acreditem: não quero lhes desanimar.
Hoje é dia de celebração, lembram? Mas quero usar um pouco da minha voz, nessa noite, para incentivá-los a serem catalizadores de mudança. Não é trabalho fácil, é de formiguinha mesmo. É trabalho de nunca se acomodar, de manter o espanto para o inaceitável e de manter a voz resistindo, denunciando e conquistando espaços.
Quero hoje sair daqui mentalizando uma inserção saudável e rentável no mercado de trabalho para as muitas Aianas, Iannes, Heloísas, Anandas, Gabrielas, Jacquelines, Ana Claras, Marianes, Marianas e Linces.
Quero sonhar e ver concreta a igualdade nas relações profissionais e sociais de Adrianas, Julianas, Biancas, Ana Paulas, Bias, Laissas, Lorenas, Brunas e Luanas.
Quero contar com os muitos Lucas, e com todos vocês, na defesa desse ideal. Para além do feminismo e seus inúmeros recortes, (e sobre alguns deles, eu não possuo lugar de fala), desejo profundamente que todos nós pensemos em uma sociedade mais justa e igualitária para todos os gêneros, cores, orientações e, por que não, espécies.
Desejo profundamente que essa seja uma luta de todos e que a Medicina Veterinária, ciência tão plural como somos todos, seja sempre um guia, fornecendo o sustento necessário à realização de sonhos e metas, e trazendo amor e felicidades ao coração de vocês.
Posso hoje, com orgulho, dizer que sou realizada na minha profissão.
Desejo que vocês sejam muito, mas muito!, felizes.”
E aí, o que achou do discurso? Você se identifica? Deixa aqui nos comentários para que possamos ver seu ponto de vista também!