Hoje, já é de conhecimento geral que Setembro é o mês destinado a falar sobre o suicídio. Com eventos que ocorrem em todos os cantos do país, o Setembro Amarelo tem a finalidade de desmistificar, descortinar e conscientizar a sociedade acerca de um assunto que tem sido silenciado por centenas de anos, devido aos tabus e crenças incorporados a ele ao longo da história.
Mais do que a própria sociedade geral, os profissionais da saúde também precisam refletir e discutir sobre o assunto, a fim de fornecer um atendimento mais humano e saudável a um paciente que tentou ou pensa no suicídio. Você já se questionou a respeito disso?
O suicídio sempre esteve presente na história da humanidade. Na atualidade, entretanto, ele vem ganhando proporções alarmantes, com taxas que chegam a um milhão de mortes/ano no mundo, representando, segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS, uma média de um suicídio a cada 40 segundos, e se constituindo em uma das maiores causas de mortalidade no mundo, especialmente entre os jovens (MCGIRR et al., 2007).
Setembro Amarelo
A IASP (International Association for Suicide Prevention) juntamente com a OMS (Organização Mundial da Saúde), no ano de 2003, instituíram o dia 10 de setembro como o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. O Brasil não se contentou em ter apenas um dia para conscientizar a população acerca do fenômeno do suicídio e dedica um mês inteiro ao assunto. Para isso, o CVV (Centro de Valorização da Vida), o CREMEB (Conselho Federal de Medicina) e a ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) criaram, em 2014, a Campanha do Setembro Amarelo. A mesma vem se expandindo a cada ano e obtendo o apoio de outras instituições, a exemplo da ABEPS – Associação Brasileira de Estudo e Prevenção do Suicídio e da sociedade como um todo.
Muitos perguntam a razão da escolha da cor amarela. Amarelo é a cor da Campanha em alusão a um suicídio ocorrido em 1994 nos EUA. O ato foi cometido por Michael Emme, um jovem de 17 anos que era apaixonado por seu carro, um Mustang amarelo. Em memória dele, seus pais criaram uma organização de prevenção do suicídio, a Yellow Ribbon. Por ser amarelo a cor favorita de Michael, eles criaram um laço de fita com essa cor, que passou a representar a instituição e a luta pela prevenção do suicídio em todo o mundo.
Suicídio como um Tabu
Através da história, sabemos que até o séc. V o suicídio era relativamente bem tolerado. Porém, a partir da Idade Média, a Igreja Católica, nas figuras de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, fez do suicídio o pior dos pecados, enquanto que o Estado tornou o suicídio um crime, a ponto de confiscar os bens da família daqueles que tiravam a própria vida ou de condenarem à prisão, os que não conseguissem consumar o ato. Vale salientar que esta lei era destinada quase que exclusivamente aos servos e escravos e funcionavam como uma forma de coibir a morte autoprovocada e, consequentemente, perder mão-de-obra barata ou escrava.
Examinando esses aspectos históricos e culturais, podemos nos perguntar como valores medievais ainda podem influenciar tão fortemente o olhar contemporâneo sobre os indivíduos marcados pelo sofrimento e que terminam por ceifar a própria vida.
O suicídio não deve ser reduzido a interpretações simplistas e preconceituosas, por se tratar de um fenômeno multicausal, isto é, o resultado da interação de múltiplos fatores: os precipitantes ou atuais e os predisponentes, que incluem os culturais, os transtornos mentais, as características de personalidade e, principalmente, as marcas deixadas ao longo da história de vida de cada um, verdadeiras feridas abertas, que resistem ao tempo e parecem jamais cicatrizar.
De maneira geral, os mitos, as crenças e os tabus fazem parte das culturas dos povos, como explicam os antropólogos. Essas histórias são criadas para elucidar o que parece inexplicável para um determinado grupo social, podendo gerar, como consequência, tabus a eles relacionados. Desta forma, é possível concluir que muitos mitos e crenças são fruto da escassez de conhecimento ou de informações sobre determinados fenômenos. Dito isto, deduz-se que os mitos, tabus e crenças relacionadas ao suicídio, devam ter a mesma origem, ou seja, a falta de conhecimento sobre este tema tão complexo.
Examinando por esta vertente, seria possível inferir que os médicos e a equipe de Saúde como um todo, teriam conhecimento suficiente sobre o suicídio, não se deixando por esta razão, se contaminar pelos tabus em torno deste tema. Contrariamente, a maioria dos médicos e das equipes de Saúde, adotam atitudes inadequadas e posturas eticamente duvidosas diante da pessoa que tenta o suicídio. São muitas as hipóteses que poderiam ser utilizadas para explicar tal comportamento. Em linhas gerais, resume-se na seguinte: “o suicida subverte a ordem médica” (CARVALHO, 2013). Esse tema será discutido com maior profundidade no E-book que será lançado ao final deste mês de setembro.
Suicídio na Contemporaneidade
Segundo dados divulgados pela OMS em 2014, o Brasil registra quase 12 mil mortes por ano, razão pela qual, em números absolutos, o país ocupa o 8º lugar no ranking mundial. O suicídio é a 3ª causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos, só perdendo para os homicídios e acidentes de trânsito. Em estudo realizado pela Universidade Federal de São Paulo, publicado em 2019, entre 2006 e 2015, observou-se um crescimento de 24% nos casos de suicídios entre jovens de 10 a 19 anos nas capitais brasileiras.
Trazer à tona o tema do suicídio, levando a sociedade a pensar, refletir e falar a respeito, é um importante efeito produzido pela Campanha do Setembro Amarelo. Entretanto, segundo a ABEPS, já refletimos e discutimos bastante, agora está na hora de partirmos para a ação. Hora da ação é o tema do próximo Congresso da ABEPS que ocorrerá de 28 a 30 de agosto de 2020 em São Paulo.
Nesta mesma linha, na Bahia, o Núcleo de Estudo e Prevenção do Suicídio – NEPS está propondo um evento diferente, voltado aos usuários e a comunidade, para a Campanha de 2019: SUICÍDIO NA CONTEMPORANEIDADE: MÍDIAS SOCIAIS, RELAÇÕES LÍQUIDAS E DIREITOS HUMANOS que acontecerá no dia 10 de setembro, Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, com o objetivo estabelecer um debate interativo acerca da temática do suicídio na contemporaneidade, especialmente entre os usuários e os representantes de diversas instituições.
Considerando o crescimento acelerado dos índices de suicídio e tentativas de suicídio nas mais diferentes faixas etárias, sobretudo entre os mais jovens, a Bahia, segundo Relatório da OMS, em 10 anos, foi o 2º estado da União em crescimento nos casos de suicídio, um aumento de 104%. Esta elevação, todavia, pode também estar relacionada ao fato de que, nos últimos anos, a notificação dos casos de suicídio tenha passado a ser obrigatória nesse estado. Por isso, a sociedade baiana se vê com a necessidade de mobilização em torno de ações e políticas públicas que visem reduzir este agravo.
Além de um documentário sobre o tema que será exibido como disparador do debate inicial, o evento proporcionará o momento intitulado “Papo franco sobre os direitos humanos no contexto suicida”, entre o público e representantes do MPF, MP, INSS, Defensoria Pública, INSS, Comissão de Direitos Humanos e Justiça e Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da ALBA, CVV e Corpo de Bombeiros. Esta será uma oportunidade para os usuários e as Instituições que lhes representam, de poderem estabelecer um diálogo franco, direto e esclarecedor reduzindo, com isso, a distância entre eles. As ações dos órgãos representantes ou defensores dos direitos humanos devem ser pautadas nas demandas dos usuários que, por sua vez, só podem ser expressas pelos próprios usuários, daí a necessidade de ouvi-los.
Ao final do evento ocorrerá o lançamento do livro de poesia dos usuários do NEPS desenvolvido na Oficina de Produção Literária: A Vida em Quatro Estações, seguida de uma apresentação artística dos próprios usuários.
Soraya Carvalho, Idealizadora e Coordenadora do NEPS – Núcleo de Estudo e Prevenção do Suicídio, para SANAR. Contato: (71) 99989-5570.