Anticoagulantes: tudo que você precisa saber

Os anticoagulantes são uma classe de fármacos empregados no tratamento de disfunções da homeostasia, assim como os inibidores plaquetários, trombolíticos e anti-hemorrágicos. Neste artigo vamos abordar a farmacologia dos anticoagulantes, tratando sobre seu mecanismo de ação, sua farmacocinética, seus efeitos adversos e suas interações medicamentosas.

Os anticoagulantes são fundamentais na prevenção de acontecimentos tromboembólicos relacionados a condições clínicas como a fibrilação atrial, tromboembolismo venoso e pulmonar, próteses valvares, associadas a cardiopatias estruturais ou secundárias a complicações de um infarto, entre outras circunstâncias clínicas (IZAR et al., 2017).

Anticoagulantes tem o papel de impedir a ocorrência de trombose patológica e limitar a lesão por reperfusão, porém deve propiciar uma resposta normal à lesão vascular e limitar o sangramento (KATZUNG et al., 2014).

A dose ideal para uma anticoagulação eficaz e segura deve ser individualizada e é verificada através do exame chamado TP (tempo de protrombina), que irá fornecer o valor do RNI (Relação Normalizada Internacional).

A ação dos anticoagulantes pode ser dividida em: ação direta e ação indireta. Os de ação direta são aqueles capazes de inibir a cascata de coagulação, já os de ação indireta são os que agem através da interação com outras proteínas ou vias metabólicas alterando o funcionamento da cascata de coagulação (TREJO, 2004).

Para manter a fluidez sanguínea devem ocorrer quatro fases interrelacionadas: as fases vascular, plaquetária, da coagulação e fibrinolítica (SILVA, 2010).

Mas antes de nos aprofundarmos em como funcionam os anticoagulantes vamos relembrar a fisiologia da coagulação.

O sistema de coagulação consiste em uma cascata de reações enzimática composta por uma série de etapas sequenciais, na qual a ativação de um fator de coagulação ativa o próximo, para favorecer a geração da enzima ativa trombina, que converte uma proteína solúvel em plasma (o fibrinogênio) em uma proteína insolúvel (fibrina), um componente estrutural do coágulo.

Os fatores de coagulação são sintetizados principalmente no fígado sob a forma de proenzimas. Ocorrem dois processos diferentes: o extrínseco (iniciado pelo complexo fator tecidual / fator VII) e o intrínseco (iniciado pelo fator XII), onde todos os fatores necessários estão presentes no sangue circulante, que convergem em uma via comum, a partir da ativação do fator X (Xa), que favorece a geração de formação de fibrina. Na via intrínseca, a coagulação leva vários segundos para formar o coágulo, enquanto na via extrínseca, em que as reações iniciais são transpostas, o coágulo se forma em segundos (teste de Quick) (SILVA, 2010; MARTÍ-FÀBREGAS et al., 2012).


 

FARMACOTERAPIA

As vias de administração dos anticoagulantes são oral, com efeito mais lento e pela via parenteral, subcutânea ou endovenosa, tendo efeito rápido.

A principal complicação da anticoagulação é o sangramento, mas esse risco não deve ser avaliado isoladamente na decisão do tratamento, sendo importante considerar o potencial benefício da terapia anticoagulante (TERRA-FILHO et al., 2010).

Agentes anti-inflamatórios e analgésicos como o ácido acetilsalisílico podem aumentar bastante o efeito dos anticoagulantes.

ANTICOAGULAÇÃO VIA PARENTERAL
 

  • Heparina

A heparina  pode ser não fracionada (HNF) e de baixo peso molecular (HBPM).

Segundo Trejo (2004) atua ligando-se à antitrombina III (ATIII), produzindo uma mudança conformacional que aumenta a capacidade inibitória desta enzima nos fatores de coagulação: trombina, Xa e IXa. Para que a inativação da trombina seja acelerada, um complexo terciário de ATIII + heparina + trombina deve ser formado. O fator Xa requer apenas mudança conformacional, a diferença entre elas é que as HBPM inibe o fator Xa mais do que a trombina.

Não é bem absorvida pelo trato gastrointestinal, devendo ser administrada pela via parenteral, sendo a via intravenosa  preferível devido ao seu efeito imediato. A via intramuscular não deve ser usada porque provoca formação de hematomas. Ela é metabolizada principalmente no fígado pela heparinase e sua eliminação é feita pelos rins (SILVA, 2010).

As heparinas tem como principais efeitos colaterais o sangramento, a trombocitopenia e a osteoporose (sobretudo HNF em doses superiores a 20.000 UI/dia por mais de 30 dias), sendo os dois últimos menos frequentes com as HBPM (MARTÍ-FÀBREGAS, 2012).

Esse fármaco interage com alguns medicamentos como: cefalosporinas, penicilinas e outros antibióticos, que  podem aumentar o risco de sangramento e hemorragia. Os anti-histamínicos aumentam o efeito da heparina, assim como tetraciclina, quinina, nicotina e digoxina, já a nitroglicerina em altas doses pode reduzir o efeito da heparina. O efeito da HNF é neutralizado com sulfato de protamina, na dose de 1 mg para cada 100 UI de HNF, não existe um método definido para a neutralização do efeito da HBPM (TERRA-FILHO, 2010).

De acordo com Katzung (2014) o uso da heparina é contra-indicado para pacientes hemofílicos, com púrpura,  hipertensão grave, endocardite infecciosa, pacientes recentemente submetidos a cirurgia cerebral, doença hepática ou renal avançada, entre outras.
 

  • Argatrobana

Atua inibindo diretamente a trombina.

A argatrobana é biotransformada no fígado e tem meia-vida de 39 a 51 minutos, e assim como com os outros anticoagulantes, o principal efeito adverso é a hemorragia (WHALEN et al., 2016).

ANTICOAGULANTES ORAIS

Os anticoagulantes orais são drogas ácidas, solúveis em gordura, derivadas da 4-hidroxicumarina (compostos cumarínicos) ou da indan- 1,3-diona (compostos indandiônicos), os fármacos orais mais comuns são a varfarina sódica, dicumarol e o acenocumarol (SILVA, 2010).

Atuam inibindo o ciclo de interconversão da vitamina K de sua forma oxidada para a reduzida. A vitamina K reduzida é o cofactor essencial para a síntese hepática das chamadas proteínas dependentes da vitamina K que incluem fatores de coagulação (protrombina, VII, IX, X) e também proteínas anticoagulantes (proteína C, proteína S e ATIII) (TREJO, 2004).

Ambos são rapidamente absorvidos pelo trato gastrointestinal, atingindo concentrações máximas no sangue 90 minutos após a administração, contudo o efeito farmacológico não é obtido até 72-96 horas após o início do tratamento, tempo necessário para o desaparecimento de grande parte dos fatores carboxilados previamente sintetizados (MARTÍ-FÀBREGAS, 2012).
 

  • Varfarina

A varfarina inibe a  vitamina K epóxido redutase, resultando na produção de fatores de coagulação menos ativos (de 10 a 40% do normal), pois lhes faltam suficientes cadeias laterais γ-carboxiglutamil (WHALEN et al., 2016).

Alguns de seus efeitos colaterais mais comuns são: Hemorragia, dermatite, necrose da mama, da parede abdominal, pênis e pele nas extremidades inferiores; irritação gastrointestinal, urticária, elevação das transaminases; (SILVA, 2010).

É rapidamente absorvida (100% de biodisponibilidade com pouca variação individual), é largamente ligada à albumina plasmática, o que evita sua difusão para o líquido cerebrospinal, para a urina e para o leite materno (WHALEN et al., 2016).

A varfarina tem um índice terapêutico estreito. Por isso, é importante que a INR seja mantida dentro da faixa ideal o máximo possível, podendo ser necessário monitorar com frequência.

 

  • Rivaroxabana

É um inibidor direto oral do fator Xa e que tem posologia única diária se liga ao centro ativo do fator Xa, prevenindo, assim, sua habilidade de converter protrombina em trombina (GRILLO; MIRANDA, 2014).

A rivaroxabana é rapidamente absorvida por via oral, com uma biodisponibilidade próxima dos 80-100%. Mais de 90% do fármaco permanece no plasma, ligado às proteínas, órgãos ou tecidos. Cerca de dois terços do composto é metabolizado pelo fígado, por mecanismos independentes e dependentes do citocromo P450 (CYP3A4 e CYP2J2) (SILVA, 2012).

Tem um baixo risco de interações medicamentosas e não ostenta quaisquer interações com os alimentos (ou variações farmacológicas do pH gástrico) (SILVA, 2012).

Alguns medicamentos interagem com os anticoagulantes orais, potencializando ou inibindo seu efeito tais como eritromicina, ciprofloxacino, citalopram, fluconazol, omeprazol, sertralina (aumenta efeito), barbituratos, carbamazepina, mesalazina (diminuem efeito). Deverá haver maior controle da anticoagulação quando medicamentos fitoterápicos, ou não, e alimentos ricos em vitamina K (fígado, vegetais crus e alguns cereais) (TERRA-FILHO et al., 2010).

A hemorragia é a principal reação adversa encontrada durante a terapêutica anticoagulante. Se a hemorragia é pequena, pode ser tratada com a suspensão do anticoagulante e a administração de vitamina K intravenosa, que necessita de várias horas para que o tempo de protrombina volte aos níveis normais. Nos casos de hemorragia grave, há necessidade de administração de plasma ou concentrados de plasma que encerrem fatores de coagulação dependentes da vitamina K.

O uso clínico do dicumarol é difícil, pois é incompletamente absorvido pelo trato gastrointestinal, frequentemente causando  flatulência, náuseas, dores abdominais e diarreia (SILVA, 2010).

NOVOS FÁRMACOS ANTICOAGULANTES
 

  • Dabigatrano

O dabigatrano é um inibidor peptidomimético da trombina, molécula que permite a conversão do fibrinogénio em fibrina, de modo que a sua inibição (ao ligar-se ao centro ativo da trombina) previne a formação de trombos. O dabigatrano inibe também a trombina livre, a trombina ligada à fibrina e a agregação plaquetária induzida pela trombina.

Sua administração é via oral, ingerida na forma de pró-droga, sem interação com a alimentação, é melhor absorvido num meio ácido e é predominantemente eliminado pelo rim. Seu início de ação ocorre 2 h após a administração, e sua meia-vida é de 12-17 h. Causa dispepsia clinicamente relevante em 5 10% dos casos, e o uso concomitante de inibidor de bomba de próton reduz a absorção do fármaco em 20-30% (FERNANDES et al., 2016; SILVA, 2012).

 

  • Bivalirudina

A bivalirudina é um anticoagulante parenteral inibidor bivalente da trombina, semi-sintético. Inibem reversivelmente o centro catalítico da trombina livre e da trombina ligada ao coágulo.

Esse fármaco é uma alternativa à heparina em pacientes que serão submetidos a Intervenção Coronária Percutânea (ICP), que têm ou poderão ter risco de desenvolver Trombocitopenia Induzida por Heparina (TIH), e também pacientes com angina instável a ser submetidos a angioplastia (WHALEN et al., 2016).

Uma parte menor da droga é excretada por via renal (OLIVEIRA; FRANCO, 2001).

Os inibidores diretos da trombina têm vantagens potenciais sobre as heparinas, porque podem inibir a trombina ligada à fibrina, e produzir uma resposta anticoagulante mais previsível que a HNF, pois não se ligam  proteínas plasmáticas e não são neutralizados pelo fator 4 plaquetário, uma proteína que se liga à heparina liberada durante a ativação plaquetária. As drogas que têm sido estudadas clinicamente são a hirudina (desirudina), bivalirudina, e os inibidores do sítio ativo de baixo peso molecular, como o argatroban (novastan), efegatran e inogatran (OLIVEIRA; FRANCO, 2001).

Importante: O uso desses medicamentos requer rigoroso controle laboratorial;

É necessária conscientização do paciente sobre as possíveis intercorrências por conta do seu uso;

É importante alertar o paciente para manter médicos e dentistas informados sobre o uso de anticoagulantes devido a possíveis riscos de machucados ou prescrição de medicamentos que interajam.

 
REFERÊNCIAS

FERNANDES et al., C. J. C.S.. Os novos anticoagulantes no tratamento do tromboembolismo venoso. J Bras Pneumol. v. 42, n. 2, p, 146-154, 2016.

GRILLO, T. A.; MIRANDA, R. C. Os novos anticoagulantes orais na prática clínica. Rev Med Minas Gerais, v. 24, p. 87-95, 2014

IZAR, M. C. et al. Situações especiais com relação a anticoagulantes orais. Revista da SOCESP, v. 27, n. 3, jul./set., 2017.

KATZUNG, B. G.; MASTERS, S. B.; TREVOR, A. J. Farmacologia Básica e Clínica. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014.

LORGA-FILHO, A. M. et al. Diretrizes Brasileiras de Antiagregantes Plaquetários e Anticoagulantes em Cardiologia. Sociedade Brasileira de  Cardiologia, v. 101, n. 3, Rio de Janeiro, 2013.

MARTÍ-FÀBREGAS, J.; DELGADO-MEDEROS, R.; MATEO, J. Limitaciones del tratamiento anticoagulante. Neurología, v. 27, p. 27-32, 2012.

OLIVEIRA, L. C. O.; FRANCO, R. F.  Novas Drogas Anticoagulantes. Medicina, Ribeirão Preto, v. 34, p. 276-281, jul./dez., 2001.

SILVA, P. Farmacologia. 8. ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010.

SILVA, P. M. Velhos e novos anticoagulantes orais. Perspetiva farmacológica. Rev Port Cardiol., v.31, p. 6-16, 2012.

TERRA-FILHO, M. et al. Recomendações para o manejo da tromboembolia pulmonar. J Bras Pneumol., v. 36, 2010.

TREJO, C. Anticoagulantes: Farmacología, mecanismos de acción y usos clínicos. Cuad. Cir., v. 18, p. 83-90, 2004.

WHALEN, K.; FINKEL, R.; PANAVELIL, T. A. Farmacologia ilustrada. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.