No exercício da profissão, o pensar analítico, reflexivo, é o que mais recebe atenção, pautando as práticas cotidianas. Mas e quanto ao pensamento intuitivo? Podemos considerá-lo nas condutas?
As condutas conhecidas e comprovadas, tornam-se automáticas com o decorrer do tempo, até que, em algum momento a intuição pode servir como um advento no que tange, geralmente, novos cenários e novos caminhos.
Descartes e Henri Bergson, filósofos, consideraram o papel da intuição, assim como o psiquiatra Carl Gustav Jung, por exemplo, no exercício profissional.
Bergson por exemplo, defendia que a criação de algo novo está associado à evolução da inteligência, em intuição criadora. Já em sua obra, Jung observou que os processos mentais, são diferenciados, variando de indivíduo para indivíduo, sendo que nos têm serventia para nos guiarmos e nos orientarmos, seja ao nos relacionarmos conosco ou com o meio ambiente. No relacionamento com o exterior, a consciência opera fazendo uso das funções de pensamento, sensação, sentimento e intuição. De acordo com Jung, pessoas do tipo intuição têm a tendência a observar o todo e não as partes.
Casado (1993) em sua obra “Tipos Psicológicos e estilos de comportamento motivacional” descreveu que “A intuição é o que complementa a visão do mundo pois aventa sobre suas possibilidades.” Casado (1993).
Mas, afinal, a intuição pode alcançar a prática profissional, a melhorando?
TOMA (2012), em seu artigo científico de revisão descritiva, intitulado “Da intuição às políticas públicas: a jornada para incorporação do Método Canguru no cuidado ao recém-nascido de baixo peso” considerou que as evidências científicas devem ser consideradas no contexto de se empregar a técnica pela possibilidade de impactar sobre a mortalidade neonatal. O Método Canguru, originário da Colômbia, em 1979 foi destinado como promoção de alta hospitalar precoce de recém-nascidos de baixo peso, bem como pré-termos ou pequenos de idade gestacional. Os idealizadores do método foram os médicos Gómez e Rey Sanabria. Em 2000 no Brasil, diretrizes do Método Canguru foram implantadas pelo Ministério da Saúde
Na nutrição, a intuição recebe atenção através da prática conhecida como Comer Intuitivo, criado em 1995, por nutricionistas norte-americanas, pautada na observação das sensações fisiológicas, dos sinais de fome e de saciedade (TRIBOLE; ELYSE, 2012). O Comer Intuitivo se baseia em 10 (dez) pilares; em linhas gerais é a reconexão com a sinalização interna, processo no qual o paciente se utiliza desta intuição/sinalização inata saindo do ciclo de dietas.
No caso da Nutrição, seu uso se dá pela Nutrição Comportamental, em que técnicas como o Comer Intuitivo são exploradas, não sendo pautadas nas dietas, mas sim nas percepções orgânicas. A razão do foco nas percepções e não nas dietas, se dá pela possibilidade de que restrições alimentares podem enrijecer a relação com os alimentos, desencadeando aversão e compulsões por exemplo.
No Comer Intuitivo visa-se a relação saudável com os alimentos, possibilitando a autonomia dos pacientes após desenvolverem a relação equilibrada, em que os alimentos podem ser vistos como prazerosos e que há sinais orgânicos que funcionam como parâmetros, na questão de quantidade de consumo. Eis o motivo da não rotulação dos alimentos, nesta relação com a comida, em que aspectos como o comer emocional são considerados. Nutricionistas devem se atentar que a alimentação envolve emoções, e às vezes excesso de preocupação com a imagem corporal, devendo intervir nesta relação (BARBOSA et al, 2020). Na Nutrição Comportamental, temos incluiu aspectos fisiológicos, sociais e emocionais da alimentação envolvidos na prática.
Palco de alguns estudos científicos, como o intitulado “Alimentação intuitiva na juventude: sua relação com o estado nutricional” (BILICI et al, 2018) conclui a eficácia do uso à longo prazo.
Outros estudos científicos se debruçaram na análise da intuição, observando sua aplicabilidade. Com o artigo “Intuição, pensamento e ação na clínica” (Guimarães, 2005; CUSTERS, 2013) tem-se um cenário de estudo teórico-conceitual, sobre a intuição na prática clínica e sua manifestação em terapeutas e pacientes.
Acredita-se que na tomada de decisões, utilizamos tanto o pensamento analítico quanto o intuitivo, podendo ocorrer de modo simultâneo.
Em seu artigo de conclusão de graduação em Nutrição, Koller percorreu suas análises considerando o comer intuitivo e seus efeitos na saúde, a partir de 10 (dez) artigos sobre o comer intuitivo e seus efeitos na saúde. De acordo com a autora o emprego da ferramenta tem favorável associação com a saúde fisiológica, mental e de hábitos alimentares dos pacientes. Para auxiliar nutricionistas, a Universidade Federal de Santa Catarina elaborou uma apostila de curso, detalhada, disponível para download na internet, intitulada “Atenção Plena Aplicada à Nutrição”, endereço disponível na referência bibliográfica.
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Referências:
JUNG, C.G. Tipos Psicológicos.7 ed. Editora Vozes Vol. 6 – Col. Obra Completa – 4ª Ed. Vozes, 2011.
WORMS. Frédéric. Bergson ou os dois sentidos da vida. Trad. Aristóteles Angheben Predebon. – São Paulo: Editora Unifesp, 2010.
CASADO, T. Tipos Psicológicos e estilos de comportamento motivacional: O diálogo entre Jung e Fromm. Dissertação de mestrado, Faculdade de Economia e Administração da USP, São Paulo, 1993.
TOMA, Tereza Setsuko. Da intuição às políticas públicas: a jornada para incorporação do Método Canguru no cuidado ao recém-nascido de baixo peso. BIS, Bol. Inst. Saúde (Impr.), São Paulo, v. 13, n. 3, jul. 2012. Disponível em <http://periodicos.ses.sp.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-18122012000300006&lng=pt&nrm=iso>. acesso em 16 abr. 202.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº. 693, de 5 de julho de 2000. Norma de atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso. Diário Oficial da União 2000. Brasília, 2000.
GÓMEZ, HM; REY, Sanabria E; MARQUETTE, CM. The Mother Kangaroo Programme. International Child Health. 1992;3(1):55-67.
TRIBOLE, E.; ELYSE, R. Intuitive Eatings: A revolutionary program that works. Ed. St. Martin’s Griffin. New York, 2003.terceira edição.
BARBOSA, Marina Rodrigues; PENAFORTE, Fernanda Rodrigues de Oliveira; SILVA, Ana Flavia de Sousa. Mindfulness, mindful eating e comer intuitivo na abordagem da obesidade e transtornos alimentares. SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.), Ribeirão Preto, v. 16, n. 3, p. 118-135, set. 2020. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-69762020000300013&lng=pt&nrm=iso>. Acessado em 11 mai, 2021. http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2020.165262.
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GUIMARAES, Maria Beatriz Lisboa. Intuição, pensamento e ação na clínica. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 9, n. 17, p. 317-332, Aug. 2005. Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832005000200008&lng=en&nrm=iso>. Accessado em 20 Apr. 2021. https://doi.org/10.1590/S1414-32832005000200008.
CUSTERS, EJ. Medical Education and Cognitive Continuum Theory: An Alternative Perspective on Medical Problem Solving and Clinical Reasoning. Academic Medicine 2013;88(8):1074-1080.
KOLLER, Olívia G. Qual é a sua fome? : Uma revisão narrativa sobre o “comer intuitivo” e seus efeitos na saúde. Trabalho de conclusão de graduação (TCC) – Curso de Nutrição, UNIVERSIDADE Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, RS, 2019.
RODRIGUES, Fernanda Rech. Atenção plena aplicada à nutrição. Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências daSaúde. Núcleo Telessaúde Santa Catarina. Florianópolis: CCS/UFSC, 2019. Disponível em: https://ares.unasus.gov.br/acervo/html/ARES/14888/1/Apostila_Aten%C3%A7%C3%A3oPlenaNutri%C3%A7%C3%A3o_N%C3%BAcleo%20Telessa%C3%BAde%20SC%20UFSC.pdf