Recentemente o eixo intestino-cérebro vem sendo elencado como uma via importante da fisiopatologia de diversos transtornos mentais.
Desde os primeiros relatos sobre o eixo, quando o intestino passou a ser denominado pela comunidade em geral como ‘o segundo cérebro’ diversos são os avanços nesta área. Estes avanços passaram a ser importantes fontes de modulação de comportamentos, sendo importantes para o conhecimento dos profissionais da Psicologia. Esta é uma das áreas que mais se beneficiam e podem se apropriar dos conceitos e aplicabilidades dos conhecimentos sobre o eixo intestino cérebro.
Confira abaixo algumas informações importantes sobre a temática e entenda por que isso tem tudo a ver com a Psicologia.
O que é o eixo intestino-cérebro?
Corresponde a uma comunicação bidirecional entre o cérebro e o intestino. As vias de comunicação já relatadas incluem o sistema nervoso central, sistema nervoso autônomo, sistema nervoso entérico, sistema endócrino e o sistema imune.
O eixo é composto por uma comunicação em via de mão dupla entre estes sistemas. O eixo intestino-cérebro envolve uma via de sinalização bioquímica entre o trato gastrointestinal (TGI) e o sistema nervoso central (SNC). Quando a estrutura TGI está comprometida, a funcionalidade da barreira protetora é prejudicada, levando ao aumento da permeabilidade intestinal e, consequentemente, à penetração de substâncias que podem alterar as funções fisiológicas.
Eixo Intestino-Cérebro e o Comportamento
A microbiota intestinal influencia o cérebro e pode estar envolvida em distúrbios neuropsiquiátricos, parcialmente modulando a disponibilidade de triptofano, serotonina, quinurenina e ácidos graxos de cadeia curtacirculantes, bem como a permeabilidade e ativação da barreira hematoencefálica de células imunes periféricas e células gliais cerebrais.
Alterações na microbiota intestinal são capazes de modular a plasticidade cerebral, disponibilidade serotoninérgica e a sinalização gabaérgica. Todas estas funções cerebrais estão relacionadas a comportamentos diferentes e alterações de humor e comportamento.
A plasticidade por exemplo está relacionada com a capacidade do paciente adquirir novas habilidades comportamentais e sociais. Quando a microbiota está alterada (disbiose, por exemplo) a capacidade de plasticidade torna-se diminuída, o que faz com que o repertório comportamental do paciente esteja prejudicado.
As disponibilidades serotoninérgicas e gabaérgicas relacionam-se na literatura com desordens de humor. Sabemos que os transtornos mentais tem etiologia multifatorial, mas a literatura já destaca Isso acontece pois estas vias são importantes na fisiopatologia destes transtornos. Alterações na microbiota alteram a disponibilidade e transmissão destas citocinas.
Evidências pré-clínicas (estudos com animais) e clínicas já sugerem que alterações na composição da microbiota intestinal são envolvidas não somente em desordens gastrointestinais como também em danos neurológicos.
Alguns estudos realizados em animais investigaram o papel da infecção na alteração da microbiota. Estes estudos destacaram que com a alteração da microbiota também houve redução da expressão de BDNF no hipocampo, o que foi associado com o aumento de comportamentos ansiosos.
Alterações emocionais podem gerar alterações na microbiota e vice-versa. Isso acontece, pois, a microbiota representa um bom perfil da história ambiental deste paciente, e contribui diretamente para alterações no curso, apresentação e prognóstico de diversas patologias.
Os efeitos das alterações de microbiota são reportados como relacionados à fisiopatologia de comportamentos ansiosos e depressivos, resposta nociceptiva, estresse, afeto, preferências e consequências metabólicas.
Como a Psicologia pode atuar sobre o Eixo Intestino-Cérebro?
A Psicologia tem papel fundamental na modulação de comportamentos e compreensão das emoções. Por este motivo pode atuar sobre a modulação do eixo.
Por exemplo, pacientes que apresentam um grande nível de ansiedade podem realizar a psicoterapia para lidar com essa emoção, desenvolvendo habilidades sociais. A ansiedade também pode apresentar sintomas gastrointestinais, geralmente com padrões de constipação ou diarreia. É importante que o paciente aprenda seus padrões, reconhecendo seus limites e suas emoções e assim tomando cuidado com sua ingesta hídrica ou alimentar que ajudam a minimizar as disfunções gastrointestinais.
Também é importante mencionar que pacientes com queixas intestinais geralmente são apegados a dor física como queixa principal, deixando em segundo plano aspectos emocionais. O papel do psicólogo aqui é ressignificar e registrar estas emoções, que podem piorar ou melhorar a queixa álgica.
A psicologia pode atuar também modulando aspectos ambientais, fundamentais no tratamento de desordens do sistema gastrointestinal. Um exemplo disso é quando o paciente precisa lidar com as restrições impostas para tratar a disbiose, onde diversos alimentos não podem ser ingeridos, o que pode alterar sua rotina e trazer sofrimento.
Cada vez mais é necessário que a Psicologia se aproxime das bases biológicas do comportamento, tendo em vista que esta ciência é uma ferramenta de mudança de comportamento em diversos aspectos.
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Referências
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