Transtorno do desenvolvimento intelectual em foco | Colunista

Para início de conversa, é necessário revisitarmos o significado de “Transtorno”, e mais precisamente, o “Transtorno do Neurodesenvolvimento”.  

De acordo com o dicionário Aurélio a palavra “transtorno” define a ato de transtornar, desorganizar, desnortear. Quando se trata da saúde de maneira geral, nem sempre as alterações estão relacionadas a doenças, mas poderão causar desequilíbrios no funcionamento psicológico e mental. 

A partir daqui, convido o leitor a fazer um mergulho no principal documento norteador deste artigo, O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM V). De acordo com esse manual, os transtornos do Neurodesenvolvimento podem ser definidos como: 

… um grupo de condições com início no período do desenvolvimento. Os transtornos tipicamente se manifestam cedo no desenvolvimento, em geral antes de a criança ingressar na escola, sendo caracterizados por déficit no desenvolvimento que acarretam prejuízos no funcionamento pessoal, social, acadêmico ou profissional” (American Psychiatric Association, 2014, p. 31).

Não é incomum a ocorrência de mais de um transtorno do neurodesenvolvimento,  que se manifesta tanto em excessos quanto em deficiências e atrasos no alcance dos marcos esperados no desenvolvimento. 

De acordo com o DSM V, os transtornos do neurodesenvolvimento são: 

  • Transtornos do Desenvolvimento Intelectual;
  • Transtornos da Comunicação; 
  • Transtorno do Espectro Autista; 
  • Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade; 
  • Transtornos Específicos da Aprendizagem; 
  • Transtornos Motores; 

Esse artigo faz parte de uma série de textos que abordarão os transtornos do neurodesenvolvimento. Hoje avançaremos no conhecimento a respeito do Transtorno do Desenvolvimento Intelectual. Serão abordadas as principais características desse transtorno, bem como o processo diagnóstico e possíveis intervenções na perspectiva da Psicologia. 

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O que são Transtornos do Desenvolvimento Intelectual

As manifestações do transtorno do desenvolvimento intelectual são caracterizadas por déficits de maior ou menor grau em capacidades mentais e nas funções executivas do indivíduo.

Dificuldades ligadas ao raciocínio, pensamento abstrato, a capacidade de planejamento e solução de problemas podem ser percebidas em pacientes com essa condição clínica. De acordo com o DSM V, a prevalência da Deficiência Intelectual na população é cerca de 1%, podendo apresentar variações em decorrência da idade. O Transtorno do Desenvolvimento Intelectual pode trazer prejuízos no funcionamento adaptativo do paciente, levando a dificuldades de atingir a independência pessoal e social nos desafios da vida diária. 

Critérios e Processos Diagnósticos

De acordo com DSM V, três critérios diagnósticos precisam ser preenchidos em uma avaliação adequada do paciente. Tais critérios podem se manifestar em diversos graus como leve, moderado, grave ou profundo: 

  • Déficits nas funções intelectuais: relacionados a processos cognitivos como raciocínio perceptivo e quantitativo, a capacidade de resolução de problemas, dificuldades de desenvolver o pensamento abstrato,  compreensão verbal e prática, a memória de trabalho, eficiência cognitiva, entre outros. 
  • Déficits em funções adaptativas e socioculturais em relação a independência pessoal e responsabilidade social. 
  • Início dos déficits intelectuais e adaptativos durante o período do desenvolvimento.

No que tange o funcionamento adaptativo, o profissional deve estar atento a três principais domínios: 

  • Conceitual/Acadêmico: relaciona-se a leitura, linguagem, memórias, habilidades de escrita, matemática, bem como também a habilidade de resolver problemas e julgar  situações novas do cotidiano.  
  • Social: relaciona-se a habilidade de perceber os pensamentos e sentimentos alheios, se colocar no lugar do outro para compreendê-lo, se relacionar socialmente e construir amizades.
  • Prático: relaciona-se a capacidade de se autogerir, desde atividades “simples” do dia a dia como os cuidados pessoais, até atividades complexas nas esferas profissionais, financeiras, organização de tarefas acadêmicas, entre outros. 

O profissional de Psicologia, ao receber um paciente com quadro suspeito para Transtorno do Desenvolvimento Intelectual precisa, primeiramente, ter a consciência de que o processo diagnóstico deve ser realizado a várias mãos. 

De acordo com os autores Salles, Haase, Malloy-Diniz (2016), o Quociente Intelectual dos pacientes com Transtorno do Desenvolvimento Intelectual se encontra igual ou abaixo de 70. Entretanto, o DSM V reforça que os escores de QI proporcionam avaliação mais aproximada das características relacionadas ao domínio conceitual e podem não ser suficientes para avaliação de outros critérios como social e prático.  

O profissional deve considerar em seu processo diagnóstico o caráter heterogêneo da DI, sendo observada com maior frequência em contextos de desnutrição, precariedade na saúde e privações culturais, por isso a importância de se considerar o ambiente no processo diagnóstico. Ainda sobre fatores ambientais, é necessário também avaliar as “doenças infecciosas (como infecções por citomegalovírus durante a gestação e a meningite pós-natal), a prematuridade, a hipoxia perinatal e a síndrome fetal alcoólica” (SALLES, HAASE, MALLOY-DINIZ,2016, p. 96). Outros aspectos relevantes considerados no processo diagnóstico das DIs são citados no DSM V:

  • Dificuldades relacionadas ao juizo social;
  • Dificuldades relacionadas à avaliação dos riscos; 
  • Dificuldades em manter o autocontrole de comportamentos e emoções; 
  • Comportamentos agressivos e disruptivos;
  • Ingenuidade em situações sociais, sendo facilmente conduzido pelos outros. Devido a essa característica, os pacientes com DIs infelizmente se tornam mais suscetíveis ao risco de sofrerem abusos físicos e sexuais, participação não intencional em crimes, vítimas de golpes, fraudes, entre outros;   

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Dessa forma, podemos inferir que o diagnóstico deve abarcar a análise não apenas de um único critério ou domínio, mas deve abranger ferramentas padronizadas e com embasamento científico que avaliem os domínios sociais e adaptativos. 

Alguns caminhos possíveis para um diagnóstico adequado perpassam pela realização adequada e aprofundada da Anamnese, escuta ativa de pais, cuidadores e professores, uso de testes padronizados para avaliar as funções adaptativas, intelectuais e, como já citado anteriormente, o encaminhamento a uma equipe multidisciplinar que poderá ser composta por médico, fonoaudiólogo, psicopedagogo e demais profissionais que se façam necessários ao suporte do paciente. 

Intervenções Possíveis na Perspectiva da Psicologia

Como já visto, o tratamento para as DIs deve ser realizado por uma equipe multidisciplinar que pode ser composta por médico, psicólogo, fonoaudiólogo, psicopedagogo, entre outros. O papel exercido pelo psicólogo no acompanhamento das DIs é de extrema relevância, Caetano e Mendes (2013) citam inúmeras intervenções possíveis ao profissional de psicologia, algumas citadas abaixo: 

  • Orientar e acolher os familiares e cuidadores. O momento do diagnóstico de uma DI é extremamente delicado para as famílias. Já nos primeiros momentos, as famílias podem vivenciar um processo de luto pelo filho(a) idealizado além de inseguranças e preocupações voltadas a como exercer o cuidado adequado para a criança e como será seu desenvolvimento. Dessa forma, o apoio e a psicoeducação à família e cuidadores são intervenções possíveis ao psicólogo que poderá exercê-las em consultório ou em programas específicos de suporte familiar e social (ROOKE; ALMEIDA; MEJÍA; 2017).
  • Desenvolver ações de estimulação cognitiva; 
  • Implementar terapias comportamentais, treinando habilidades sociais, práticas, conceituais, entre outros; 
  • Orientar professores; 
  •  Realizar atendimentos e suporte domiciliar; 

O diagnóstico precoce e diretrizes de tratamento adequadas são cruciais para pacientes com Transtornos do Neurodesenvolvimento. Em suas análises, o profissional deve considerar não apenas a investigação clínica dos sintomas, mas ampliar sua avaliação para os fatores ambientais, sociais e culturais. 

Outro fator importante é o impacto positivo na vida do paciente com Transtorno do Neurodesenvolvimento quando este é acompanhado por equipe multidisciplinar, quando sua família e escola recebem orientações adequadas e se tornam agentes ativos em seu processo de desenvolvimento. 

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-V. Porto Alegre: Artmed, 2014.

CAETANO; Nadja Carolina De Sousa Pinheiro; MENDES, Enicéia Gonçalves. A atuação do psicólogo com pessoas com Deficiência Intelectual. In: VIII Encontro da Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial, 8, 2013, Londrina. Anais eletrônicos, londrina: 2013. p. 2577 – 2586. Disponível em <http://www.uel.br/eventos/congressomultidisciplinar/pages/arquivos/anais/2013/AT08-2013/AT08-017.pdf>. Acesso em 09 jun. 2021.

ROOKE, M. I.; ALMEIDA, B. R.; MEJÍA, C. F. Intervenção com famílias de pessoas com deficiência intelectual: análise da produção científica. Revista de Psicologia, v. 8, n. 2, p. 92-100, 24 out. 2017. Disponível em <http://www.periodicos.ufc.br/psicologiaufc/article/view/11878>.Acesso em 09 jun. 2021
SALLES, Jerusa Fumagalli de; HAASE, Vitor Geraldi; Malloy-Diniz, Leandro F. Neuropsicologia do desenvolvimento : infância e adolescência. Porto Alegre: Artmed, 2016.

Por Sanar

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