A Psicologia Organizacional (por vezes, chamada também de empresarial) é um dos 12 campos da Psicologia. É também aquele que, no atual cenário de pandemia, ganha destaque e relevância inédita.
Em outros tempos, no ambiente corporativo a atividade do Psicólogo estava direta e quase que exclusivamente relacionada ao processo seletivo. Atualmente, em função de temas cada vez mais presentes no ambiente profissional, o mercado de trabalho passa a voltar a sua atenção à atividade profissional dos psicólogos no manejo de estresse, depressão, transtorno de pânico, dependência química, ansiedade e Síndrome de Bournout, entre outros males.
Neste artigo você verá de maneira clara no que consiste exatamente a Psicologia Organizacional; conhecerá sua história, de seu surgimento até os dias atuais, e quais seu principais focos de intervenção
O Surgimento
A Psicologia Organizacional surgiu em fins do século XIX. Com a Revolução Industrial, que resultou de uma grande transformação nos modelos de produção, o trabalho passa da manufatura para as maquinas; altera-se, assim, a lógica de organização do trabalho, com agrupamento de pessoas e horários fixos.
A Psicologia Organizacional aparece (primeiro com o nome de Psicologia Industrial) neste cenário para auxiliar a remodelar as organizações. Era direcionada para a produtividade, sem focar a qualidade de vida na empresa ou a interação entre grupos.
História da Psicologia do Trabalho
Segundo Sampaio (Cf.1995) a Psicologia do Trabalho apresenta três faces: A Psicologia Industrial, a Psicologia Organizacional e a Psicologia Organizacional e do Trabalho.
Como já vimos, a Revolução Industrial gerou a primeira fase. Surgida entre 1924 e 1970, seu propósito foi de aumentar a produtividade e a lucratividade utilizando os conhecimentos da Psicometria.
A Psicologia Organizacional, propriamente dita, foi a segunda fase. Surgiu entre 1970 e 1990 e seu foco de estudo é a qualidade de vida dos colaboradores e o clima organizacional. Por meio de estudos sobre a liderança, usa também dinâmicas de grupo promovendo um melhor desenvolvimento entre as equipes.
Já a Psicologia Organizacional e do trabalho representa a terceira fase, que vai de 1990 até atualmente. Se ocupa da saúde e bem-estar dos colaboradores, das dinâmicas de poder e conflito, bem como sobre a ergonomia que visa o desenvolvimento e aplicação de técnicas de adaptação do homem ao seu ambiente de trabalho.
A Psicologia Organizacional e do Trabalho está em amplo crescimento e atualmente, na realidade da pandemia que assola o planeta, se faz mais necessária que nunca. Sempre correlacionada a um conceito recente na literatura de nossa área: Qualidade de Vida no Trabalho (QVT). A promoção da QVT passa a ser o alicerce principal de toda a atuação do Psicólogo nas empresas, além de ampliar seus horizontes de ação.
O conceito de QVT, vindo do contexto científico e já inserido nas empresas, envolve diferentes áreas do conhecimento, como saúde, psicologia, administração e sociologia. Por ser um tema explorado multidisciplinarmente, a partir de diferentes e multifacetadas percepções, consequentemente envolve diferentes contextos éticos políticos, além das expectativas subjetivas, dos envolvidos (SAMPAIO, 1999).
Atualmente, as medidas de distanciamento e isolamento físico propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como forma de combate à COVID, acaba por impactar consideravelmente o mundo trazendo mais estresse.
É inevitável que esse estresse se reflita nos ambientes laborais. Ocasiona exaustão profissional, gera quadros de ansiedade e desencadeia graves casos de depressão bem como muito desgaste mental e emocional dentro das empresas.
Ao mesmo tempo, neste contexto pandêmico, vemos surgir novas modalidades de exercício profissional (home office, por exemplo), precarização das legislações trabalhistas e sobrecarga de afazeres (como no caso dos profissionais de saúde). E este cenário acaba se tornando solo fértil para o desenvolvimento da síndrome de Burnout, da qual falaremos a seguir.
Síndrome de Burnout
A Síndrome de Burnout (ou Síndrome do Esgotamento Profissional) compreende um estado mental, psicológico e físico de acentuada exaustão. Resumidamente, podemos dizer que esta síndrome é o resultado de um acúmulo excessivo de atividades no trabalho.
Tal situação acarreta profundo desgaste emocional, como ocorre atualmente, conforme já mencionado acima, principalmente entre os profissionais de saúde nesses tempos de pandemia, quando são aumentadas tanto as responsabilidades deste profissional quanto a pressão exercida em seu trabalho.
Ao analisar a palavra Burnout, traduzida do inglês, nota-se que “burn” significa queima (ou combustível), e “out” aponta para algo exterior. Já, o trabalhador, quando usa as suas energias demasiadamente, fica, ao final do dia, desgastado e sem energia. Ou seja, chega à exaustão, como um veículo ou avião sem combustível. Por isso adotou-se o termo para designar este transtorno laboral.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) a síndrome de Burnout entrará para a Classificação Internacional de Doenças a partir de janeiro de 2022. É caracterizada a partir de três dados; sensação de esgotamento, negativismo ou cinismo no serviço e energia profissional limitada.
Como se não bastasse, a síndrome de Burnout pode gerar nos profissionais um estado de depressão profunda, onde a pessoa não sente mais vontade em fazer as atividades que fazia, não querendo sair da cama, porque não tem energia e nem motivação para trabalhar.
Como se vê, apenas exigir que o trabalhador trabalhe “porque é pago para isso”, como se fazia antigamente, não resolve contra um mal que age à revelia da vontade do trabalhador. É onde entra a figura do Psicólogo Organizacional que, por meio de estratégias de abordagens inseridas no ambiente laboral cria condições favoráveis à promoção de uma maior Qualidade de Vida no Trabalho.
Na sequência falaremos mais dessas estratégias, a começar pelo estudo exploratório.
Primeiro Passo: O Estudo Exploratório
Para resolver a situação de estresse que, entre outros problemas, gera casos de Burnout em uma organização, há algumas ações efetivas que podem e devem ser tomadas.
Neste capítulo separamos um dos mais importantes, o estudo exploratório. Em geral, a realização de um estudo exploratório, descritivo, de abordagem qualitativa e quantitativa se divide em duas etapas:
Primeira etapa: concentração da identificação de padrões de respostas comuns que possam aparecer nos colaboradores durante a pandemia. Procurar também compreender como características individuais se relacionam e interagem com características organizacionais, articulando a ação do profissional nesse momento de trabalho.
Segunda etapa: utilizar entrevistas e questionários com o intuito de examinar questões importantes que não foram analisadas durante as observações. Com estes dados, compara-se as observações, entrevistas e questionários utilizados durante o processo baseado nas percepções dos profissionais.
Este estudo exploratório baseia-se, portanto, em dois tipos de instrumentos: observações qualitativas e entrevistas e questionários quantitativos. Essas técnicas permitiram observar o andamento do trabalho na organização e como os colaboradores reagem ao longo do tempo em suas atividades na empresa durante a pandemia.
A seguir nos aprofundaremos mais nas possibilidades de intervenção do Psicólogo numa organização.
Intervenção nas Organizações: Métodos e Instrumentos
A seguir, elencamos outras possibilidades de intervenção do Psicólogo em uma empresa, numa ordem não rigorosamente cronológica:
PREPARO: o primeiro aspecto a observar referente a intervenção psicológica nas organizações é algo com o que as gerações anteriores de psicólogos não precisaram se preocupar: cautela. A primeira coisa a fazer é sermos nós o exemplo nesses tempos de guerra. Sim, trata-se de tempo de guerra. E não é por estarmos intervindo para minorar os efeitos negativos gerados pela COVID que devemos nos descuidar dos nossos cuidados básicos: máscara, gel e distanciamento físico. Aí, sim, o Psicólogo pode iniciar seu trabalho.
FASE INICIAL: poderá ser utilizada as pesquisas qualitativas, usando técnicas de observações na organização, observando assim o comportamento dos colaboradores em meio a pandemia, como já especificado no capítulo anterior, acima.
PESQUISAS DE CLIMA: podemos usar, por exemplo, o modelo de Litwin e Stringer (1968), que são questionários capazes de identificar pontos fortes e fracos da equipe. Ou entrevistas, que são menos invasivas, para conseguirmos identificar a cultura organizacional da empresa e melhorar o clima organizacional.
De acordo com Ferreira (cf. 2017:66) Clima e cultura são conceitos diferentes, ainda que haja uma grande influência da cultura sobre o clima. Mas Clima e Cultura Organizacional são temas tão vastos e relevantes que faremos um artigo só para eles em breve.
GESTÃO DE CONFLITOS: com os dados da(s) pesquisa(s), usaremos métodos da gestão em situações conflituosas, dialogando entre líderes hierárquicos, colaboradores e RH, formas de resolução de problemas com o objetivo de integração e compromisso da equipe. Mesmo após as pesquisas quantitativas usadas por meio das entrevistas e questionários, também pode-se fazer uso de pesquisas qualitativas para observações em campo. Assim, observa-se o comportamento interacional dos colaboradores em meio a pandemia.
Cabe destacar o quanto é imprescindível a GESTÃO DE CONFLITOS para um bom clima organizacional e para a construção de uma cultura organizacional positiva (Cf. SANTOS; ABELLA, 2017).
COMUNICAÇÃO: para aprimorar a comunicação interna pode-se promover rodas de conversa com a equipe e organizar palestras informativas sobre o autocuidado dos colaboradores, tanto físico quanto emocional. Devido a pandemia, é possível fazer essa roda de conversa por meio de lives e disponibilizar os conteúdos sobre autocuidado e outros temas relevantes nas plataformas online, respeitando, assim, o distanciamento.
Aliás, a comunicação é a tônica do ofício de Psicólogo Organizacional. Vivemos em tempos surdos para os dramas subjetivos dos indivíduos. Todos precisam falar, mas, na prática, poucos parecem querer escutar. Muitos males e adoecimentos são consequência disso.
A luta do Psicólogo Organizacional para promover a QVT passa obrigatoriamente por dar voz a quem não consegue ser ouvido (o trabalhador) no ambiente em que ele passa a maior parte de seu tempo útil (a empresa).
Aprendemos nos bancos da faculdade que este é um preceito básico de nossa profissão: saber ouvir e traduzir o que se ouve em informação em prol de quem fala.
As organizações laborais da atualidade são espaço privilegiado para que o bom Psicólogo possa exercitar este saber e, assim, contribuir para que a espécie humana ultrapasse em segurança esse trágico momento
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A trajetória da Psicologia Organizacional, tal qual a Psicologia como um todo, sofreu alterações em sua evolução. Essas alterações visaram adequar seu objeto de estudo aos anseios da sociedade em que estava inserido. Assim, nos seus primórdios, a Psicologia estava a serviço do proprietário da indústria na tentativa de aumentar ao máximo possível sua lucratividade em detrimento, muitas vezes, do bem estar humano.
A sociedade, porém, evoluiu. O patrão ainda quer o mesmo lucro, no entanto, hoje ele sabe que se espremer até o suco seus colaboradores o efeito é contraproducente. Alia-se a esta percepção o momento único que vivemos, em que o medo da morte transmissível está presente no nosso entorno.
Evidencia-se, portanto, a premência e a relevância de um Psicólogo capaz de manejar ferramentas e estratégias com o objetivo de conciliar as pesquisas qualitativas e quantitativas, pesquisas de clima e de cultura, a comunicação interna e a gestão de conflitos, num todo que torne o ambiente de trabalho um lugar saldável e capaz de edificar projetos de vida.
Nunca foi tão valorizado o trabalho de um Psicólogo Organizacional verdadeiramente vocacionado. Por outro lado, nunca se precisou tanto de profissionais da Psicologia devidamente capacitados e inteirados das ferramentas e experiências que o tempo todo a Psicologia produz no mundo atual.
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Referencias
BISPO, C. A. F. Um novo modelo de pesquisa de clima organizacional. Production, v. 16, n. 2, p. 258-273, 2006.
BOYADJIAN, Beatriz. OMS Forbes Brasil. Disponível em: <https://forbes.com.br/colunas/2019/05/oms-inclui a síndrome de burnout na lista de doenças. inclui-a-sindrome-de-burnout-na-lista-de-doencas/>. Acesso em: 11 Apr. 2021.
FERREIRA, Patrícia Itala. Clima Organizacional e Qualidade de vida no trabalho. Rio de Janeiro: Ltc, 2017. 199 p. (3).
Sampaio, J.R. (1995). As três faces da Psicologia do Trabalho. Psique, Belo Horizonte, 5(1), 60-66.
SAMPAIO, J. R. Qualidade de vida, saúde mental x psicologia social. Estudos Contemporâneos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999
SANTOS, L. C. dos; ABELLA, N. T. T. Gestão de conflito organizacional. Multidebates, v. 1, n. 2, p. 219-225, 2017.