Um curto diálogo sobre a psicoterapia breve e seu espaço na contemporaneidade | Colunista

O período histórico em que vivemos leva o nome de contemporaneidade. E este período pode ser marcado por duas características distintas: excesso de informação e pouco tempo. Num primeiro momento, é possível se acreditar que não há uma relação entre estas duas coisas, porém elas podem estar mais interligadas do que podemos imaginar.

Hoje, graças ao advento da internet, o mundo passou a estar a um clique de distância de nós. Os aparelhos eletrônicos acabaram se tornando um portal pelo qual recebemos uma sobrecarga constante e infindável de informações. 

E meu ponto aqui não é fazer juízo de valores sobre a qualidade destas informações, afinal, já sabemos que na internet podemos encontrar de tudo, e a isso se incluem as coisas boas e as coisas ruins

O fato é que, os mesmos algoritmos que nos bombardeiam diariamente com milhares de conteúdos, são os que promovem a facilidade e a rapidez que a internet nos dá em buscar respostas. Minha opinião é a de que isto vem contribuído para nos deixar cada vez menos acostumados a esperar, estamos perdendo a capacidade de ter paciência. E é provável que isso esteja se refletido no nosso dia-a-dia e na forma como lidamos com a vida.

Uma publicação da revista Veja (2017), apresentou dado que comprovam que os jovens nascidos entre 1978 e 1990, também conhecidos como geração Y, são muito mais ansiosos e impacientes do que os indivíduos de gerações anteriores. Lembrando que essa também é a geração reconhecida como a que nasceu submersa no mundo digital.

A diminuição do tempo (ou a sensação de diminuição)

Assim como eu, tenho certeza que você alguma vez já deve ter pensado que as horas dos dias parecem não ser o suficiente para fazer tudo que queremos, não é?

Sabemos que o tempo é algo abstrato e que depende da nossa percepção. Por isso crianças no período de vida até por volta dos onze anos de idade, acabam deixando os pais loucos quando é exigido delas que aguardem por alguma coisa. Isso se deve aincapacidade que elas têm em compreender conceitos abstratos. (COUTINHO, 1992 apud SOUZA & WECHSLER).

Apesar de o tempo continuar tendo as mesmas 24 horas que tinha desde a época dos nossos antepassados, algo mudou na percepção que temos a respeito deste tempo. O que por si só já é um belo paradoxo, pois se pensarmos que nossa expectativa de vida é quase o dobro do que era a dos nossos avós (IBGE, 2020), perceberemos que ter mais tempo de vida não necessariamente nos trouxe a sensação de que temos mais tempo livres.

E a sensação de falta de tempo já tem até nome; Estresse Temporal. De acordo com estudos publicados na revista internacionalJournalof Marketing Research (ETKINS et al., 2015), esse estresse pode ser simplesmente uma impressão que surge a partir da ansiedade, diante da grande quantidade de tarefas que temos nos dias de hoje. 

E foi justamente a junção docostumeem obter respostas de forma quase instantâneas, trazido pela tecnologia, aliado a sensação de termos pouco tempo, que me faz acreditar que o mundo foi empurrado para mudanças bastante significativas em diversas áreas. E com as terapias não foi diferente. 

A psicoterapia também encontrou uma forma para que pudesse se encaixar no dia a dia das pessoas, pois ficar por anos em um divã por longas sessões, que muitas vezes podiam dar a “impressão”, para o paciente, de que não houve mudança nenhuma em sua vida, começou a não fazer muito sentido para alguns. E dessa maneira a Psicoterapia Breve encontrou um solo fértil para poder crescer e prosperar.

Reelaborando a roda

Primeiro, temos que deixar uma coisa bastante clara. A Psicoterapia Breve, apesar de costumeiramente ser associada a linhas mais modernas, como a cognitivo-comportamental, já havia sido discutida há anos pelo psicanalista Sandor Ferenczi (1873-1933), que junto com Otto Rank (1884-1939) publicou um livro que propunha abreviar a cura psicanalítica. (LUSTOSA, 2010)

Segundo Lustosa (2010), esta “abreviação” no modelo psicanalíticopassou a ser vista como uma excelente alternativa paraatender uma população pós 2ª Guerra Mundial (1939-1945), em especial a européia, que além de ter vivido a perseguição nazista se encontrava pobre e devastada.

O número escasso de profissionais capacitados para atender esta população também era uma das adversidades naquele tempo, logo, se os terapeutas pretendessem ajudar o maior número possível de pessoas, precisariam desenvolver um método que tivesse um tempo de tratamento menor, mas que mantivesse a eficácia apresentada até então pela psicanálise.

Foi então que, diante de uma catástrofe histórica, que diversos teóricos começaram a ser impulsionados a dar continuidade ao que Ferenczi tinha idealizado, marcando então o nascimento da Psicoterapia Breve.

Então a psicoterapia breve é apenas uma terapia mais curta?

Não é tão simples assim. Apesar do número de sessões reduzidas serem uma das características principais quando pensamos nessa técnica de terapia, apenas issonão basta para classificar uma intervenção terapêutica como Terapia Breve. Há certos conceitos que devem ser seguidos .

A TB é, sobretudo,uma técnica focal, ou seja, é orientada a objetivos específicos. Objetivos estes que deverão ser elencados pelo terapeuta a partir de uma compreensão diagnóstica do paciente. É importante que os objetivos estejam claros tanto para paciente quanto para o terapeuta, e que sejam alcançáveis em um espaço de tempo limitado. (OLIVEIRA, 1999).

E é esse um dos principais motivos que faz com que a PB pareça ter tanta similaridade com a Terapia Cognitivo-Comportamental, quetambém é orientada por metas e direcionada a resolver problemas atuais do indivíduo. Diferenteda psicanálise ortodoxa, onde o paciente muitas vezes precisa passarvários anos em análise. 

Breve, mas quanto?

O tempo de terapia vai depender de caso a caso, podendo sofrer alterações ao longo do processo – para mais ou para menos. Porém, é esperado que o tempo de terapia não ultrapasse um ano e que as sessões tenham em torno de 50 minutos.

Devido ao prazo limitado de sessões em PB, não é esperado que haja uma mudança na estrutura da personalidade do paciente, apesar de ainda poder produzir intensas modificações dinâmicas.(LUSTOSA, 2010)

O principal ponto de diferenciação: a atuação do terapeuta

O que mais diferencia a TB das outras formas de psicoterapias é a atuação que o terapeuta tem dentro do setting terapêutico. Diferente da postura de um psicanalista ortodoxo, o terapeuta que opta pela TB deve desempenhar um papel bastante ativo durante as sessões. O terapeuta em TB se expressa mais e busca estimular o paciente à ação.

Esta postura mais ativa por parte do terapeuta contribui para localizar a TB no extremo oposto da Psicanálise ao mesmo tempo em que a aproxima das terapias cognitivo-comportamentais.

O terapeuta continuamente estará fazendo ajustes à medida que o tratamento avança, assim como um comandante de uma embarcação que vai ajustando o leme do navio para garantir que ele está indo em direção aos objetivos estabelecidos anteriormente. Esses ajustem buscam não só manter o tratamento na direção certa, mas também aumentar sua eficiência. (FIORINI, 2004).

E para quem é recomendado a Terapia Breve?

O foco principal da terapia breve é na redução de sintomas disfuncionais que o paciente apresenta, podendo gerar assim uma melhora a curto prazo, impactando positivamente sua qualidade de vida 

Recomenda-se então a utilização da terapia breve para tratamentos mais agudos, como de estresse, transtorno depressivo leve e fobias. Ela também pode se mostrar muitoeficaz em distúrbios de ajustamento ocasionados por luto não resolvido, depressão pós-parto, dificuldades com o término de um relacionamento, separação conflituosa, etc.

É também uma excelente recomendação para quem busca ser submetido a testes para avaliar algum constructo, quem tem dúvidas a respeito de mudança de profissão, e orientação vocacional. 

O Espírito do Tempo da Psicoterapia

A TB nasce da urgência de um mundo pobre e arrasado por uma grande guerra e encontra espaço para se estabelecer, consolidar e crescer em um mundo sensivelmente mais seguro, tecnológico e rico, porém menos propenso a saber lidar com o tempo. 

Por fim, a consolidação da TB pode ser encarada como o Zeitgeist (o espírito do tempo) da psicoterapia contemporânea. Não como um ajuste vaidoso no modo de se fazer terapia, que busca poder aumentar o número de pacientes e a rentabilidade do terapeuta, mas sim como uma resposta, uma adaptação da psicoterapia aos tempos contemporâneos. 

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Referências Bibliográficas

COUTINHO, Maria. Psicologia da educação: um estudo dos processos psicológicos de desenvolvimento e aprendizagem humanos, voltado para a educação. Belo Horizonte: Lê, 1992.

SOUZA, N. M. de; WECHSLER, A. M. (2014) Reflexões sobre a teoria piagetiana: o estágio operatório concreto. Cadernos de educação: ensino e sociedade, V. a, n. 1, p. 134- 150.

AGÊNCIA IBGE NOTÍCIAS.Editoriais Sociais. nov. 2020. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/29502-em-2019-expectativa-de-vida-era-de-76-6-anos#:~:text=Uma%20pessoa%20nascida%20no%20Brasil,9%20para%2080%2C1%20anos. Acesso em: 21 de jul. 2021.

LUSTOSA, M. A. (2010). A Psicoterapia Breve no Hospital Geral. Revista da SBPH, 13(2), 259- 269.

OLIVEIRA, I. T. 1999. Psicoterapia Psicodinâmica Breve: dos Precursores aos Modelos Atuais. Psicologia: Teoria e Prática. 1(2), 9-19.

AUGUSTO, Thaís. Ansiedade da geração Y é problema para 69% das empresas. Veja. jul. 2017. Disponível em: https://veja.abril.com.br/economia/ansiedade-da-geracao-y-e-problema-para-69-das-empresas. Acesso em: 20 de jul. 2021.

J. ETKIN, I; EVANGELIDIS, J. A.Pressed for time? Goal conflict shapes how time is perceived, spent, and valued. J. Mark. Res. 52, 394–406 (2015).

FIORINI, H. J. 2004. Teoria e Técnicas de Psicoterapias. São Paulo: Martins Fontes.

Por Sanar

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