SURGIMENTO DA TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL
A Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) é uma forma de psicoterapia criada no início da década de 1960 por Aaron T. Beck que originalmente denominou a TCC como “terapia cognitiva”. Beck era professor assistente de psiquiatria na Universidade da Pensilvânia, atuante em psicanálise.
1. DESCOBERTAS
Durante o seu trabalho, Aaron Beck dedicou-se a realizar experimentos para comprovar a validação empírica da psicanálise com pacientes deprimidos. Alguns desses experimentos eram voltados para a investigação dos sonhos, esperava-se que neles seriam manifestados com mais frequência temas de hostilidade comparado com sonhos dos controles normais (J. S. BECK, 2013). Mas será que Aaron Beck obteve sucesso nessa validação?
Para a sua surpresa, os sonhos dos pacientes deprimidos continham pensamentos que se repetiam quando os pacientes estavam acordados, eles relatavam fluxos de pensamentos negativos que surgiam espontaneamente com temas relacionados a fracasso, privação e perda (HOFMANN, 2014).
Com base em outros experimentos também realizados, a ideia psicanalítica de que os pacientes deprimidos têm necessidade de sofrer poderia estar incorreta, assim o entendimento da depressão precisaria mudar (BECK,1967).
2. CONCEITOS
Os fluxos de pensamentos negativos foram nomeados como pensamentos “automáticos” negativos, dessa forma surgiu um dos primeiros objetivos da terapia cognitiva: identificar, avaliar e responder esses pensamentos disfuncionais. Através desses objetivos, os pacientes começaram a responder bem ao tratamento para a depressão e para demonstrar tal eficácia, foi conduzido o primeiro ensaio clínico randomizado (ECR). O estudo foi considerado surpreendente, a eficácia da TCC foi comparada a uma medicação que na época era considerado um antidepressivo comum, a imipramina (BECK, 1967).
Com o passar das décadas as teorias e os métodos desenvolvidos por Beck e seus colegas pesquisadores tiveram o enfoque de testar tratamentos com a TCC para pacientes com grande variedade de quadro clínicos como depressão, bipolar, transtornos alimentares, ansiedade, esquizofrenia, dor crônica e abuso de substâncias (Beck; Knapp, 2008).
MODELO COGNITIVO
A Terapia Cognitivo Comportamental está baseada no modelo cognitivo, o qual parte da premissa de que as emoções, os comportamentos e a fisiologia de uma pessoa são influenciados pelas percepções que ela tem dos eventos, não é uma situação apenas que determina o que as pessoas sentem e sim como elas interpretam essa situação (Beck, 1964; Ellis, 1962). Dessa forma, o objetivo da TCC é reestruturar e corrigir os pensamentos distorcidos e desenvolver soluções para modificar e melhorar os transtornos emocionais (Beck 2008; Knapp, 2008).
Modelo Cognitivo (FIGURA 1)
Como retratado na figura 1, não é a situação da apresentação em público isolada que vai determinar diretamente como a pessoa se sentiu ou o que fez; a sua resposta emocional será mediada pela sua percepção da situação. Imaginemos que esse modelo cognitivo corresponda a uma pessoa tímida, que já passou por uma situação em que precisou falar em público e na hora de subir para o auditório tropeçou e caiu. O fato de precisar novamente se apresentar em público remete para essa pessoa o momento que foi vivenciado de forma negativa, onde ela já tem essa experiência e percepção distorcida da situação de apresentar em público.
A TCC postula que existem pensamentos na consciência que ocorrem de forma espontânea e rápida que são interpretações diante de situações — os pensamentos automáticos. Esses pensamentos surgem sem que o indivíduo consiga controlar, geralmente são aceitos como verdadeiros, plausíveis. Na maior parte do tempo, não temos consciência sobre eles, a não ser que sejamos treinados para trazê-los à consciência com monitoração e verificação.
As interpretações automáticas distorcidas, são geradas por pensamentos mais profundos chamados de esquemas — crenças nucleares. As crenças nucleares são desenvolvidas desde a idade precoce, são moldadas por experiências pessoais e são as ideias mais centrais que o indivíduo tem sobre si. As crenças nucleares negativas são categorizadas pelas crenças relacionadas ao desamparo e associadas a desamor (Beck,1999), por fim foram descritas também crenças relacionadas a desvalor (J. S. Beck, 2005).
As crenças nucleares influenciam o desenvolvimento de uma classe intermediária de crenças que são classificadas por atitudes, regras e pressupostos, as crenças intermediárias. Embora não sejam tão passíveis de modificação, elas são mais maleáveis do que as crenças nucleares e a sua ativação interferem diretamente na capacidade que o indivíduo tem para avaliar os eventos externos. Se apresentam no formato de “se alguma coisa, então tal coisa”, assim o paciente deixa de realizar suas atividades, se expor a riscos, pois consideram que esse pressuposto deve ser seguido de maneira rígida.
Exemplo de hierarquia cognitiva (FIGURA 2)
A figura 2 retrata um exemplo de hierarquia cognitiva de um paciente, através dela o psicoterapeuta e paciente trabalham em colaboração para identificar os pensamentos automáticos, as crenças intermediárias e as crenças nucleares. É possível identificar como as crenças influenciam os pensamentos automáticos, que por sua vez, influenciam sua reação, emoção e comportamento (figura 1).
Com o movimento da Psicologia Baseada em Evidências, a terapia cognitiva se tornou a abordagem psicoterápica com a melhor validação científica. Novas indicações da TCC são desenvolvidas para uma ampla gama de condições médicas e psicológicas, embora as bases teóricas do modelo cognitivo permaneçam inalteradas (Beck 2008; Knapp, 2008).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BECK, A. T. (1964). Thinking and depression: II. Theory and Therapy. Archives of General Psychiatry, 10, 561-571.
BECK, A. T. (1967). Depression. Causes and Treatment. Philadelphia University of Pennsylvania Press.
BECK, A. T. (1999). Cognitive aspects of personality disorders and their relation to syndromal disorders: a psychoevolutionary approach. In C.R.Cloninger (Ed.), personality and psychopathology (pp.411-429). Washigton, DC: American Psychiatric Press.
BECK, Aaron T; KNAPP, Paulo. (2008). Fundamentos, modelos conceituais, aplicações e pesquisa da terapia cognitiva. Brazilian Journal of Psychiatry, nv. 1, n. 1, p. 4-10, jun./2021.
BECK, Judith S. Terapia Cognitivo Comportamental: Teoria e Prática. 2. ed. [S.l.]: Artmed, 2013. p. 22-36.
BECK, J. S. 2005. Cognitive Therapy for Challenging problems: what to do When the basics don’t work. New York: Guilford Press.
Ellis, A. (1962). Reason and Emotion in Psychotherapy. New York; Lyle Stuart
HOFMANN, Stefan G. INTRODUÇÃO A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL CONTEMPORÂNEA: Introdução a terapia cognitivo comportamental contemporânea. 1. ed. São Paulo: Artmed, 2014. p. 10-20.