Ansiedade na adolescência: uma perspectiva gestáltica | Colunista

De maneira geral, mais do que em qualquer outro período das nossas vidas, é na adolescência que a ansiedade aparece com mais intensidade (PINTO, 2006).

Contudo, quando falamos sobre ansiedade – não necessariamente nos reportamos a problemas de saúde, pois a exemplo do medo, que nos prepara para lidar com situações de perigo, a ansiedade também exerce um importante papel no que tange ao nosso processo de autorregulação organísmica – princípio natural que rege o funcionamento do organismo (LIMA, 2014)

O que é ansiedade?

Embora seja recorrente associarmos a ansiedade a algo ruim é preciso compreender que sentir-se ansioso em determinados momentos do nosso cotidiano, além de normal, é um processo necessário, pois trata-se de um mecanismo de proteção do nosso organismo diante de algum estímulo novo, desconhecido e imprevisto. 

Por outro lado, esse fenômeno, quando se apresenta de forma frequente e excessiva pode assumir um caráter patológico, transformando-se assim em um transtorno de ansiedade.

No mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) 264 milhões de pessoas sofrem com transtornos de ansiedade, uma média de 3,6% da população (SINDJUSTIÇA, 2020).

O Brasil com 18,6 milhões de pessoas acometidas, 9,3% da população, é considerado, pela OMS, o recordista mundial em prevalência de transtorno de ansiedade.

Como diferenciar a ansiedade normal de um transtorno de ansiedade?

A ansiedade é considerada normal quando tem uma causa aparente, dura pouco tempo e não exige um esforço muito intenso para que possamos lidar com ela. Geralmente, encontra-se associada a demandas oriundas de alguma situação surpresa ou uma expectativa de futuro, devido ao medo daquilo que para nós ainda é desconhecido (SILVA, 2021).

Já os transtornos de ansiedade, segundo o Manual Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos Mentais (APA, 2014), incluem transtornos que compartilham características de medo e ansiedade excessivos e perturbações comportamentais relacionados.

Os sintomas podem ser divididos em subjetivos e físicos. Os subjetivos referem-se à percepção de sensações desconfortáveis como angústia, inquietação, preocupações excessivas, medo ou pavor. Já os físicos referem-se às sensações corporais como palpitação, falta de ar, náusea, cólica abdominal, transpiração excessiva, tontura, tremores, calafrios ou formigamentos (APA, 2014).

Dentre os principais transtornos de ansiedade, destacam-se: o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), Transtorno de Ansiedade Social (Fobia social), Agorafobia e Transtorno de Pânico.

Como a Gestalt-terapia compreende a ansiedade?

Para a Gestalt-terapia o sujeito com comportamento ansioso não consegue se concentrar no “aqui-agora” e, dessa maneira, o contato com o meio fica comprometido devido ao aumento da ansiedade em diversas situações (LACERDA; MACEDO, 2019)

Ao considerar que uma pessoa com ansiedade se encontra em constante estado de vigilância, de preparação para o perigo futuro, através de comportamentos de cautela ou esquiva, essa pessoa acaba se distanciando do aqui-agora, evitando, assim, o contato com sua experiência concreta naquele momento. 

Para a Gestalt-terapia, viver o aqui-agora tem a ver com uma postura frente à vida no sentido de trazer nossa atenção para o que acontece no momento presente – o que se contrapõe à ansiedade que sempre advém de nossa capacidade de projetar o futuro. 

Por adotar uma perspectiva que visa à compreensão da pessoa em sua totalidade, a Gestalt-terapia considera que a ansiedade não deve ser compreendida como algo a ser extraído do sujeito, mas sim como esse indivíduo a experiencia no momento em que ela aparece.

Tal perspectiva é importante porque nos ajuda na compreensão de que o ser humano “experiencia” a ansiedade, porém, há sujeitos que “vivenciam” sintomas de ansiedade que causam sofrimento (LACERDA; MACEDO, 2019).

Conforme Pinto (2006), a ansiedade pode ser saudável ou patológica a depender sobretudo de como lidamos com nossas fantasias acerca do futuro. Para o autor, se a ansiedade gerar cuidado, é saudável; se gerar evitação repetida, é patológica, pois a previsão como hipótese gera cuidado enquanto a previsão como certeza gera controle, impasse, evitação. 

Com efeito, se há ocorrência de ansiedade com vistas ao cuidado, há crescimento; por outro lado, se há prevalência de uma ansiedade que resulta em evitação e repetição, esse crescimento é prejudicado, pois irá impactar diretamente na qualidade do contato que o sujeito estabelece no campo organismo/meio.

Em Gestalt-terapia – considera-se que é a partir do contato que o indivíduo pode “dar-se-conta” do que acontece em seu entorno e dentro de si na sua fronteira de contato, aqui compreendida como o locus do contato onde organismo e ambiente interagem (SALOMÃO; FRAZÃO; FUKUMITSU, 2014).

Para a abordagem gestáltica, portanto, o crescimento é função da fronteira de contato, pois é nesse locus onde ocorrem os eventos psicológicos, onde se distancia o perigo, transpõem-se os obstáculos, seleciona-se e assimila-se o que se requer para satisfazer uma necessidade (D’ACRI, 2014), sendo necessário, para tanto, que haja fluidez, permeabilidade e flexibilidade nessa fronteira.

Nessa perspectiva, para a Gestalt-terapia, o campo organismo/meio é uma unidade inseparável para a compreensão de todo e qualquer comportamento, personalidade ou distúrbio psicológico (ANTHONY, 2009). Logo, reside aí uma fronteira que diferencia o organismo do ambiente, e é onde a ansiedade tem seu prelúdio (ROCHA et al. 2018).

Desse modo, as pessoas com incidência de sintomas de ansiedade apresentam uso disfuncional de suas potencialidades e recursos, demonstrando dificuldades de contato com o meio e, consequentemente, baixo nível de fluidez e permeabilidade na sua fronteira de contato.

Relação entre ansiedade (normal e patológica) e adolescência 

Ao partirmos do pressuposto de que a ansiedade é um processo inerente ao ser humano, já demarcamos que esse fenômeno exerce uma função importante em nossas vidas – o que nos leva a questionar quando essa ansiedade passa a se configurar como problema.

Pensar sobre essa questão demanda voltar nossa atenção para nossas experiências diárias e para os modos como nos relacionamos com o mundo frente às situações adversas e contextos de mudanças bruscas. 

Nessa perspectiva, o período da adolescência configura bem um exemplo de contexto de mudanças significativas, pois trata-se de um período da vida humana em que o sujeito se vê diante de um cenário de transformações não só de ordem biológica (mudanças oriundas da puberdade), mas, também, de paradoxos e da necessidade de (re)construir sua identidade e valores e lidar com as perdas e lutos da infância.

Além disso, frente ao cenário contemporâneo, os(as) adolescentes também precisam lidar com um turbilhão de escolhas que advêm não só de suas próprias expectativas, mas, principalmente, de uma sociedade que impõe, especialmente aos(às) jovens, padrões de beleza, relacionamentos e status inalcançáveis que podem resultar em frustações, inseguranças, vazio existencial e sentimento de impotência – o que muitas vezes acaba contribuindo para a ocorrência de ansiedade patológica nesses sujeitos.

Segundo Pinto (2006), enquanto a ansiedade normal, se configura como necessária, por exemplo para nos proteger ao atravessar uma rua, para explorar os nossos valores existenciais, a ansiedade patológica pode ser definida como aquela ansiedade desproporcional à ameaça presente, manifestando-se, sobretudo, de duas formas: na impossibilidade das escolhas e na impulsividade das escolhas. 

Para esse autor – a ansiedade que identificamos em muitos(as) dos(as) jovens de hoje tem, dentre outros, um fundamento bastante claro: grande parte dos valores que lhes são ensinados não tem ressonância em seu íntimo. 

Em outras palavras, muito dos valores ensinados na atualidade, sobretudo por meio do exemplo, acabam não fazendo sentido para os(as) adolescentes devido tais valores não coincidirem com os reais anseios e necessidades desses sujeitos.

A ansiedade patológica nesse sentido acaba funcionando como uma das maneiras de se baixar o volume da consciência moral, impossibilitando o(a) adolescente de questionar-se acerca do que considera um bem ou um mal. Ou seja, não questiona as regras que lhe são impostas (principalmente pela mídia e publicidade) e a coerência e congruência de seus pais, pares e sociedade. Também não se dá conta de quais valores orientam sua vida e suas escolhas. Escolhe compulsivamente, mais apoiado(a) em desejos aprendidos que em desejos sentidos (PINTO, 2006).

Frente a essas questões – o papel do psicoterapeuta é muito importante no sentido de ajudar os(as) adolescentes e jovens a ampliarem seus questionamentos no que tange a lida com seus valores e sua ansiedade. Para tanto, pode-se ajudá-los(as) a (PICCINO, apud PINTO, 2006):

  • Tomar consciência de quais regras norteiam sua postura diante da vida; 
  • Tomar consciência de como age no seu cotidiano; 
  • Questionar e assumir como seus, ou não, os critérios pelos quais se norteia;
  • Verificar o grau de proatividade nessas escolhas; 
  • Verificar a congruência e a coerência das atitudes e das escolhas.

Para além desses pontos – é necessário reconhecer o(a) adolescente com ansiedade não somente sob a perspectiva do adoecimento, mas principalmente como um ser na sua totalidade, capaz de ajustar-se criativamente de forma a acionar seus melhores recursos para atender suas necessidades.

Considera-se ainda importante – reconhecer cada adolescente a partir de sua experiência singular com a ansiedade e, também, a partir de seu contexto e suas relações, haja vista que, em Gestalt-terapia, a relação do indivíduo com seu meio é essencial, visto que é na interação que acontece o processo de equilíbrio (FARIA; SANTOS, 2006), ou seja, a autorregulação organísmica.

Em síntese, falar da relação entre ansiedade e adolescência implica reconhecer o(a) adolescente como ser no mundo, e por sê-lo, estar sujeito(a) não só a fazer escolhas, mas, também, a assumir a responsabilidade por elas. 

Escolhas estas que nem sempre refletem suas reais necessidades, mas, também, às tentativas de dar conta das demandas que advêm de uma sociedade que exige que esse(a) adolescente se adeque, se “encaixe” caso queira se sentir pertencente. E isso, por si só, já configura adoecimento, pois contribui para que se negue o que há de mais importante em uma pessoa, sua autenticidade.

Ajudar o(a) adolescente a fazer escolhas conscientes, é fundamental para que este escolha-se com autenticidade, reconhecendo-se como ser no mundo singular capaz de transformar a própria realidade, o que inclui lidar – criativamente – com sua ansiedade.

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Referências 

ANTHONY, S. M. R. A Criança com Transtorno de Ansiedade: seus ajustamentos criativos defensivos. Abordagem Gestáltica, 1(1), p.55-61, 2009.

ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA (APA). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM 5. 5 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2014.

D’ACRI, G. C. M. R. M. Contato: funções, fases e ciclo de contato. In: FRAZÃO, L. M.; FUKUMITSU, K. O. (Orgs.). Gestalt-terapia: fundamentos e práticas. São Paulo: Summus, 2014. p. 47-62.

FARIA, L. A. F.; SANTOS, L. P. Ansiedade e Gestalt-terapia. Revista da Abordagem Gestáltica: Phenomenological Studies, vol.12, n. 1, p. 267-277, jun. 2006.

LACERDA, R.; MACEDO, M. L. W. S. Ansiedade na abordagem da Gestalt-terapia: relato de um estudo de caso. Boletim Entre SIS, Santa Cruz do Sul, v. 4, n. 1, p. 45-57, jan./jun. 2019.

LIMA, P. V. A. Autorregulação organísmica e homeostase. In: FRAZÃO, L. M.; FUKUMITSU, K. O. (Orgs.). Gestalt-terapia: fundamentos e práticas. São Paulo: Summus, 2014. p. 88-103.

PINTO, E. B. Ansiedade na adolescência. Revista da Abordagem Gestáltica: Phenomenological Studies, v. XII, n. 2, p. 59 -66, dez., 2006.

ROCHA, L. V. et al. Ansiedade à luz da Gestalt-terapia. Psicologia.pt – O Portal dos Psicólogos. [Em linha]. 2018.

SALOMÃO, S.; FRAZÃO, L. M., FUKUMITSU, K. O. Fronteira de contato. In: FRAZÃO, L. M.; FUKUMITSU, K. O. (Orgs.). Gestalt-terapia: fundamentos e práticas. São Paulo: Summus, 2014, p. 47-62.

SINDJUSTIÇA. Brasil tem maior taxa de transtorno de ansiedade do mundo, diz OMS. 2020. Disponível em: < https://sindjustica.com/2020/05/27/brasil-tem-maior-taxa-de-transtorno-de-ansiedade-do-mundo-diz-oms/>. Acesso em: 17 de maio, 2021.

SILVA, S. S. C. Ansiedade normal vs patológica: saiba diferenciar uma da outra. Blog psicologia viva, 2021. Disponível em: <https://blog.psicologiaviva.com.br/ansiedade-normal-e-patologica/>. Acesso em: 17 de maio, 2021.

Por Sanar

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