Introdução
O sistema renina-angiotensina-aldosterona possui um importante papel na homeostase do sistema cardiovascular através da regulação da pressão arterial. Entretanto, em condições patológicas, como na hipertensão arterial, pode desencadear processos inflamatórios e remodelamento estrutural envolvido em danos cardíacos e vasculares.
Em outras situações como na insuficiência cardíaca, a concentração plasmática de renina e a concentração sanguínea de aldosterona são importantes fatores que contribuem para o desarranjo hemodinâmico e estrutural desta síndrome.
A supressão deste sistema é, portanto, uma estratégia fundamental para o tratamento de doenças cardiovasculares e doenças renais crônicas. Esta supressão pode ser alcançada através da administração de inibidores da enzima conversora de angiotensina I, bloqueadores dos receptores AT1 da angiotensina II e inibidores da renina. Inibidores de aldosterona, como a espironolactona, de certa forma também é um interferente do sistema renina-angiotensina-aldosterona, mas que é discutido comumente em tópicos relacionados à diurese.
Também é importante ressaltar que estes fármacos podem ser utilizados isoladamente ou combinados com outras classes farmacológicas a fim de contornar mecanismos compensatórios do sistema nervoso autônomo simpático.
Quanto mais se explora este sistema, mais complexo ele se torna, além de ser uma importante forma compensatória em casos de redundância terapêutica ou supressão equivocada de mecanismos adjacentes envolvidos na pressão arterial, que podem resultar na redução do benefício da supressão farmacológica do sistema. Por exemplo, a utilização isolada de diuréticos, supressão isolada do sistema nervoso autônomo simpático, que podem estimular o sistema, ou até mesmo os mecanismos compensatórios que elevam as concentrações de angiotensina II e aldosterona, apesar da supressão, que ainda não são esclarecidos.
A pesquisa contínua e a atualização profissional neste sistema complexo são necessárias para melhorar a farmacoterapia das doenças cardiovasculares e renais, permitindo modular os efeitos e permitindo um melhor resultado clínico.
Sistema renina-angiotensina-aldosterona
O sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) inicia-se com a liberação de renina, quando há diminuição da perfusão renal, pelas células justaglomerulares dos rins, que converte angiotensinogênio, secretado pelo fígado, em angiotensina I, retirando apenas 4 aminoácidos. Posteriormente, a angiotensina I é convertida pela enzima conversora de angiotensina (ECA) em angiotensina II, retirando apenas 2 aminoácidos.
A angiotensina II atua em dois receptores conhecidos até o momento. O AT1 presente em vasos, quando ativado, gera potente vasoconstrição, portanto, aumenta a resistência vascular periférica. Já o AT2 atua como receptor compensatório e, desta forma, promove vasodilatação.
AT1 também é encontrado no coração (elevando a frequência cardíaca), hipotálamo (aumentando a secreção do ADH, abreviação para hormônio antidiurético, ou também conhecido como vasopressina, que impacta na retenção de água e elevação da volemia), na medula adrenal (aumentando a secreção de adrenalina e, consequentemente, ativação simpática) e no córtex adrenal (aumentando a secreção de aldosterona, que age aumentando a retenção de sódio e, consequentemente, de água, agindo em sinergismo para aumento do volume plasmático).
Estudos recentes têm demonstrado que, além do controle da pressão arterial, os receptores AT possuem importante papel na sinalização intracelular.
O estímulo de AT1, por exemplo, ativa os genes responsáveis pelo crescimento e proliferação celular e também ativa a cascata do ácido araquidônico, resultando na produção de prostaglandinas E2 (PGE2). A ativação de AT2, por sua vez, demonstra desencadear cascatas que resultam em efeitos antiapoptóticos, antiproliferativos e estimulam a diferenciação celular, além de levar à produção de bradicinina, óxido nítrico e GMPc, que contribuem para a resposta vasodilatadora.
Outro peptídeo que pertence ao sistema renina-angiotensina e tem sido alvo de estudos, é a angiotensina 1-7, que não está envolvido no eixo da aldosterona, mas sim da ação da enzima conversora de angiotensina II (ECA2) e o receptor MAS. A angiotensina 1-7 (Ang1-7) pode ser produzida a partir da angiotensina I e da angiotensina II. A enzima Endopeptidase neutra converte a angiotensina I em angiotensina 1-7, ou que também pode ser produzida a partir da angiotensina II, catalisada pela ECA2.
O eixo ECA2/Ang1-7/MAS tem demonstrado efeitos aplicáveis na insuficiência cardíaca. Apesar de promover fraca vasodilatação, promove aumento da natriurese, o que é positivo tanto para a redução de edema, quanto para diminuição da volemia. Possui efeito antitrombótico, antiaterosclerótico e melhora a função endotelial, que é um mecanismo positivo, principalmente, quando a insuficiência cardíaca é em decorrência de um infarto agudo do miocárdio.
Também possui efeitos anti-inflamatórios e antiarrítmicos, que são importantes efeitos farmacológicos desejáveis na insuficiência cardíaca, por apresentar mecanismos compensatórios pró-inflamatórios (principalmente com alta atividade de fibroblastos) e pró-arrítmicos.
Inibidores do SRAA
O SRAA é um importante alvo para o controle da hipertensão arterial sistêmica. Os inibidores deste sistema, por exemplo, inibidores da ECA e bloqueadores do receptore de angiotensina II, são comumente prescritos em associação à fármacos diuréticos, como a hidroclorotiazida, pois agem através de mecanismos distintos, contribuindo para a redução da pressão arterial e poupam potássio pela inibição da aldosterona.
Entretanto, apesar de serem importantes fármacos, os inibidores do SRAA são contraindicados para gestantes por serem teratogênicos e causarem fenda palatina. Além disso, podem causar angioedema, um importante efeito adverso que deve ser contraindicado em caso de histórico ou risco elevado.
Os primeiros fármacos do SRAA foram os inibidores da ECA, como o captopril e o enalapril. Estes fármacos inibem a ECA e, consequentemente, diminuem a produção de angiotensina II.
Além de diminuírem a produção de angiotensina II, ao inibir a ECA, dispõe-se do acúmulo de bradicinina, um peptídeo vasodilatador, que também age estimulando a produção do peptídeo natriurético atrial, óxido nítrico e prostaciclinas, ou seja, potencializam o efeito anti-hipertensivo, por meio da diminuição da resistência vascular periférica e da volemia.
Posteriormente, surgiram os bloqueadores de receptor de angiotensina II (BRAII), como a losartana, valsartana, omelsartana. Estes fármacos surgiram com a premissa de serem tão efetivos quanto os inibidores da ECA, mas sem o principal efeito adverso: a tosse.
A tosse causada pelos inibidores da ECA se dá pelo acúmulo de bradicinina no pulmão, que estimula diretamente o centro da tosse, resultando em tosse seca e improdutiva. Sabendo disso, os BRAII ao bloquear os receptores AT1 impedem a ação da angiotensina II, sem comprometer a ação “secundária” da ECA, que é degradar a bradicinina. Portanto, não causam tosse.
Os BRAII têm ganhado notoriedade na insuficiência cardíaca congestiva, por inibir AT1 e não só promover ação anti-hipertensiva, mas também efeito anti-inflamatório e antiproliferativo.
Por fim, surgiram os inibidores de renina, como o alisquireno, que agem inibindo o SRAA desde o início, ao inibir a liberação da renina. Este fármaco não tem muita notoriedade na prática clínica, sendo utilizado apenas em último caso em hipertensão refratária. Mais investigações de seus efeitos secundários e estudos comparativos devem ser realizados.
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