A assincronia paciente-ventilador (APV) é um desacoplamento entre o paciente, em relação a demandas de tempo, fluxo, volume e/ou pressão de seu sistema respiratório, e o ventilador, que as oferta durante a ventilação mecânica (VM). É um fenômeno comum, com taxas de incidência entre 10% e 85%. A APV pode ser devida a fatores relacionados ao paciente, ao ventilador ou a ambos.
A entrega de gás no ventilador deverá combinar perfeitamente com a demanda do paciente, porém esta interação paciente e ventilação mecânica dependem de como o ventilador responde ao esforço respiratório do paciente e, por sua vez, de como o paciente responde à respiração realizada pelo ventilador. Caso ocorra falha nesta coordenação paciente-ventilador se instala a assincronia.
TIPOS DE ASSINCRONIAS
- Assincronias de disparo
- Assincronias de fluxo
- Assincronias de ciclagem
ASSINCRONIAS DE DISPARO
Disparo Ineficaz
Acontece quando o esforço do paciente não é reconhecido pelo ventilador. Pode ocorrer por um esforço fraco ou por configuração inadequada da sensibilidade, ou seja, por fraqueza da musculatura respiratória, por presença de hiperinsuflação dinâmica (auto-PEEP), tempo inspiratório mecânico maior que o tempo neural do paciente, ou depressão do comando neural. Podendo ocorrer que durante a inspiração ou expiração.
Duplo disparo
Acontece quando 2 ciclos consecutivos da respiração desencadeada pelo paciente ocorrem com um intervalo de menos de metade da média do tempo inspiratório (TI) e está associado com tempo inspiratório mecânico curto em relação ao tempo neural do paciente.
Auto disparo
Acontece quando o ventilador é acionado sem que haja esforço do paciente. Pode estar associada com tempo expiratório prolongado na ausência de PEEP, oscilação cardiogênica, soluço, baixo limiar de disparo, água no circuito ou vazamento de circuito.
ASSINCRONIAS DE FLUXO
Acontece sempre que o fluxo do ventilador não coincide com o fluxo do paciente. É um problema comum, e o fluxo do paciente pode ser o parâmetro ventilatório programado incorretamente com maior frequência.
Fluxo Inspiratório Insuficiente
Ocorre quando o fluxo ajustado não pode ser elevado pelos esforços do paciente, como na modalidade volume-controlada (VCV). Nas modalidades pressão-controlada (PCV) e pressão de suporte (PSV), ocorre quando os ajustes de pressão são insuficientes, em relação ao equilíbrio entre demanda e capacidade ventilatória do paciente.
Fluxo Inspiratório Excessivo
Acontece em VCV, quando o fluxo é superior ao almejado pelo paciente, ou em PCV ou PSV, por altas pressões ou um rise time mais rápido.
ASSINCRONIAS DE CICLAGEM
Ciclagem Prematura
O ciclo prematuro é simplesmente quando o ventilador termina a respiração enquanto o paciente necessita de um período inspiratório mais longo. Durante o ciclo prematuro, os músculos inspiratórios continuam a contrair, fazendo com que o ventilador mecânico detecte um segundo esforço, e possivelmente resultando em uma segunda respiração, comumente referida como “empilhamento de respirações” ou “dupla ativação”.
A consequência deste tipo de assincronia pode ser diminuição do volume corrente, aumento da carga inspiratória e respiração inexata da respiração da freqüência respiratória; Mais preocupante é um volume corrente muito maior que o que é definido, resultando assim em possível volume prejudicial.
Nos modo VCV e PCV, o tempo inspiratório é ajustado pelo profissional. Em PSV, ocorre por baixo nível de pressão e/ou alta porcentagem de ciclagem. Pode acontecer um esforço suficiente para deflagrar um novo ciclo (dupla-ciclagem).
Ciclagem Tardia
A assistência ótima de respirações espontâneas exigiria que o ciclo correspondesse ao final do esforço inspiratório neural do paciente. A presença de esforço expiratório ativo antes que o critério do ciclo seja atingido é chamado de “ciclo retardado” “ ciclagem tardia”.
O ciclo retardado é tipicamente descrito em pacientes com DPOC, nos quais a redução do fluxo inspiratório é menor, devido à hiperinsuflação dinâmica, resistência das vias aéreas e pulmão. Esse prolongamento anormal da inspiração reduz o tempo disponível para o fluxo expiratório, aumentando a hiperinsuflação dinâmica e o trabalho de respiração do paciente.
Acontece quando o tempo inspiratório mecânico é maior do que o tempo inspiratório neural do paciente. Em PCV, ocorre se o tempo inspiratório for ajustado além do desejado pelo paciente.
Na modalidade VCV, acontece quando se prolonga o tempo inspiratório pelo ajuste de volume corrente alto, fluxo inspiratório baixo, e/ou uso de pausa inspiratória de forma inadequada. Em PSV, particularmente nas doenças obstrutivas, levam à desaceleração do fluxo inspiratório de forma lenta, prolongando o tempo inspiratório.
ESTRATÉGIAS TERAPÊUTICAS PARA CORREÇÃO DE ASSINCRONIAS
Disparo Ineficaz – Ventilador
Mau ajuste ou problemas no mecanismo de sensibilidade: Ajuste/correção de problemas da sensibilidade (fluxo mais sensível que pressão). Tempo inspiratório prolongado: Reduzir tempo inspiratório por ajustes em cada modo (VCV, PCV e PSV).
Disparo Ineficaz – Paciente
Fraqueza muscular respiratória e/ou depressão do comando neural: reduzir ou suspender drogas depressoras do comando neural, sedação ou bloqueador neuromuscular (BNM). Hiperinsuflação dinâmica (auto-PEEP): minimizar a hiperinsuflação e titular PEEP externa (valores inferiores a auto-PEEP), reduzir níveis de PS (modo PSV).
Duplo disparo – Ventilador
Tempo inspiratório muito curto em relação ao tempo neural: aumentar o tempo inspiratório (VCV ou PCV) ou reduzir o limiar de percentual de fluxo para ciclagem (PSV). Volume corrente baixo em modo VCV: sedação profunda e/ou BNM na fase precoce de SDRA grave Modos com possibilidade de variação do volume corrente, como PCV.
Disparo Reverso
Esforço muscular decorrente de insuflação mecânica: reduzir sedação, BNM na fase precoce de SDRA grave.
Auto Disparo – Ventilador
Sensibilidade “excessiva”: otimização do ajuste de sensibilidade. Vazamento no sistema: correção de vazamentos. Condensado no circuito do ventilador: remoção de condensados.
Auto Disparo – Paciente
Transmissão de oscilações de pressão e/ou fluxo por batimentos cardíacos: otimização do ajuste de sensibilidade.
Ciclagem prematura – Ventilador
Tempo inspiratório muito curto em relação ao do paciente: em VCV, diminuir o fluxo inspiratório e/ou aumentar o volume corrente: em PCV, aumentar o tempo inspiratório.
Ciclagem prematura – Paciente
Mecânica respiratória de padrão restritivo no modo PSV, como na fibrose pulmonar: em PSV, reduzir o percentual do critério de ciclagem e/ ou aumentar a PS.
Ciclagem tardia – Ventilador
Tempo inspiratório muito longo em relação ao do paciente: em VCV, aumentar o fluxo inspiratório; em PCV, reduzir o tempo inspiratório.
Ciclagem tardia – Paciente
Mecânica respiratória obstrutiva no modo PSV, como na DPOC: em PSV, aumentar o percentual do critério de ciclagem e/ou reduzir a PS e/ou aumentar o tempo de subida (rise time).
Fluxo Insuficiente – Ventilador
Em VCV, ajuste de fluxo muito baixo: em VCV, aumentar o fluxo inspiratório ou mudar para modos PCV ou PSV (fluxo livre). Em PCV e PSV, pressão aplicada muito baixa, tempo de subida longo.
Fluxo Insuficiente – Paciente
Excesso de demanda ventilatória, comando neural elevado: reduzir estímulo do comando neural e demanda metabólica: controlar febre, dor, acidose metabólica e ansiedade.
Fluxo Excessivo – Ventilador
Em VCV, ajuste de fluxo muito alto: em VCV, reduzir o fluxo inspiratório. Em PCV e PSV, pressão aplicada muito alta, tempo de subida muito curto (overshoot): em PCV e PSV, reduzir a pressão aplicada, aumentar o tempo de subida (rise time).
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REFERÊNCIAS
https://doi.org/10.1590/S1806-37562017000000185
III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica