O que são os transtornos de ansiedade?
Os transtornos de ansiedade são um conjunto de transtornos mentais relacionados ao medo ou a ansiedade excessiva e persistente, o medo é compreendido aqui como uma resposta emocional no momento presente defronte ameaças reais ou percebidas. A ansiedade, por outro lado, está relacionada a antecipação de ameaças futuras em potencial (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
De acordo com o recém lançado CID-11, os transtornos relacionados ao medo ou a ansiedade são:
- Transtorno do pânico;
- Transtorno de ansiedade generalizada;
- Agorafobia;
- Fobia especifica;
- Transtorno de ansiedade social;
- Transtorno de ansiedade de separação e;
- Mutismo seletivo.
É importante diferenciar os transtornos de ansiedade das sensações adaptativas relacionadas ao medo ou a ansiedade. Enquanto o medo e a ansiedade provisórias são respostas comuns a determinados estímulos em situações especificas e tem objetivos estritamente adaptativos, a patologia se caracteriza por sensações excessivas e persistentes, de acordo com a American Psychiatric Association (APA, 2014).
Apesar dos vários transtornos listados dentro dos transtornos de ansiedade, o presente texto tem possui tem como objetivo fazer uma descrição geral acerca do Transtorno do pânico (TP), discorrer sobre suas principais caracteristicas e apresentar possíveis tratamentos a partir das evidências disponíveis.
Características gerais do Transtorno do pânico
As principais características do TP são a presença recorrente e inesperada de ataques de pânico e a preocupação persistente com a recorrência desses ataques. Os ataques são recorrentes à medida que acontecem com uma frequência significativa, mas também variável, enquanto o termo inesperado se refere a falta de indício ou estímulo desencadeante explicito para um determinado ataque (APA, 2014).
Ataques de pânico são episódios de medo, apreensão e desconforto intensos acompanhados de ansiedade extrema que podem ocorrer a partir de um estado calmo ou ansioso e estão associados a uma série de sensações, por exemplo:
- Taquicardia;
- Sudorese;
- Tremores;
- Sensação de falta de ar ou sufocamento;
- Dor ou desconforto torácico;
- Sensação de tontura e;
- Calafrios ou ondas de calor.
O quadro sintomatológico do TP leva o indivíduo a mudar parte do seu repertório comportamental e evitar situações nas quais há um aumento da possibilidade de ocorrer um ataque de pânico, o que acaba afetando significativamente seu cotidiano e aspectos importantes da sua vida, como sua carreira profissional e os relacionamentos interpessoais.
Essas mudanças desadaptativas no comportamento acabam levando a uma reorganização completa da vida do indivíduo e a preocupações pessoais com o próprio funcionamento mental, com o medo de perder o controle e no julgamento social diante da manifestação de sintomas visíveis durante um ataque de pânico.
A prevalência do TP na população global aponta que 2,5% das pessoas ao redor do mundo sofrerão com o transtorno em algum momento das suas vidas (CRASKE & STEIN, 2016). Pesquisas de prevalência no Brasil são mais escassas, mas uma revisão da literatura realizada por Mangolini, Andrade e Wang (2019) apontou uma prevalência de 1,7% ao longo da vida na região metropolitana de São Paulo.
Tratamentos
A Terapia cognitiva-comportamental (TCC) é frequentemente mencionada na literatura como a forma de tratamento mais eficaz para o TP ao lado do tratamento farmacológico. Metanálises realizadas por Mitte (2005) e Sánchez-Meca et al. (2010) investigaram a literatura disponível e concluíram que a terapia cognitivo comportamental foi mais eficaz do que um grupo controle sem tratamento e um controle placebo.
A metanálise conduzida por Mitte (2005) apontou ainda que a combinação da TCC com o tratamento farmacológico foi significativamente mais eficaz do que a utilização da TCC isoladamente, nos estudos incluídos foram investigados 25 medicamentos diferentes e as classes medicamentosas mais estudadas foram Benzodiazepina, antidepressivos tricíclicos e inibidores seletivos de recaptação de serotonina.
O tratamento com TCC envolve vários componentes, como psicoeducação, treinamento respiratório, automonitoramento, relaxamento aplicado, reestruturação cognitiva e exposição. A exposição é dividida em exposição in vivo e exposição interoceptiva, a exposição in vivo é aquela que ocorre de forma repetida e sistemática em contextos da vida real, enquanto a exposição interoceptiva é realizada com o objetivo de induzir sensações físicas temidas pelo paciente a fim de contestar e refutar as interpretações que este tem sobre essas sensações (BARLOW, 2016).
Descobertas recentes sobre o papel da aceitação durante a exposição e como fator crucial no tratamento da TP de forma geral vem ganhando forças e evidenciando abordagens mais recentes que exploram a aceitação e a desfusão cognitiva, como a Terapia de aceitação e compromisso (ACT). Essas ideias partem da premissa de que a aceitação aumenta a vontade de experimentar e diminui o estresse emocional diante de novas experiências (HAYES, STROSAHL & WILSON, 2021).
A tecnologia também tem se provado uma poderosa ferramenta rumo ao desenvolvimento de novas formas de tratamento para transtornos de ansiedade, estudos recentes têm investigado o uso de realidade virtual para a terapia de exposição com algum sucesso, embora mais estudos sejam necessários para garantir sua eficácia e segurança (CARL et al., 2019).
Conclusão
É parte da responsabilidade dos profissionais de psicologia ter um conhecimento básico sobre os principais transtornos e as formas de intervenção mais eficazes disponíveis para cada problema ou sintoma apresentado. Apesar dos transtornos de ansiedade apresentarem caracteristicas em comum, a forma e intensidade como cada um se manifesta, bem como as caracteristicas particulares de cada paciente devem ser levadas em consideração na hora do manejo clinico e do planejamento.
O impacto que o TP tem sobre a vida cotidiana do sujeito por ele acometido faz com que o profissional precise ajudar o paciente a lidar com consequências em vários níveis, e não raramente enfrentar a possibilidade de comorbidades associadas como agorafobia e até mesmo depressão.
O psicólogo norte-americano Steven C. Hayes, cofundador da terapia de aceitação e compromisso, descreveu sua experiencia pessoal durante um ataque de pânico para explorar o conceito de flexibilidade psicológica. No video ele descreve suas sensações corporais e o medo de uma ameaça iminente a sua vida, é um ótimo recurso para quem busca compreender como se sentem aqueles que experienciam um ataque de pânico na narrativa de um especialista na área.
Ressalto que este texto foi produzido com propósitos puramente didáticos, as informações contidas nele são devem ser tomadas como base para a realização de um autodiagnóstico ou automedicação. Se você suspeita que tem transtorno do pânico, procure um profissional para receber uma avaliação e um tratamento adequados.
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Referências
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION et al. DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Artmed Editora, 2014.
BARLOW, David H. Manual clínico dos transtornos psicológicos: tratamento passo a passo. Artmed Editora, 2016.
CARL, Emily et al. Virtual reality exposure therapy for anxiety and related disorders: A meta-analysis of randomized controlled trials. Journal of anxiety disorders, v. 61, p. 27-36, 2019.
CRASKE, Michelle G.; STEIN, Murray B. Anxiety. Lancet, v. 388, p. 3048-3059, 2016.
HAYES, Steven C.; STROSAHL, Kirk D.; WILSON, Kelly G. Terapia de Aceitação e Compromisso-: O Processo e a Prática da Mudança Consciente. Artmed Editora, 2021.
MANGOLINI, Vitor Iglesias; ANDRADE, Laura Helena; WANG, Yuan-Pang. Epidemiologia dos transtornos de ansiedade em regiões do Brasil: uma revisão de literatura. Revista de Medicina, v. 98, n. 6, p. 415-422, 2019.
MITTE, Kristin. A meta-analysis of the efficacy of psycho-and pharmacotherapy in panic disorder with and without agoraphobia. Journal of affective disorders, v. 88, n. 1, p. 27-45, 2005.
SÁNCHEZ-MECA, Julio et al. Psychological treatment of panic disorder with or without agoraphobia: a meta-analysis. Clinical psychology review, v. 30, n. 1, p. 37-50, 2010.