Um dos receios de muitos profissionais da área da odontologia é o atendimento em casos de urgências endodônticas. Mas como identificar uma urgência?
Nessas situações o paciente acometido de tal problema tem sua rotina e atividades interrompidas, a dor o impede de se alimentar, dormir ou trabalhar normalmente. Em verdadeiras urgências, a enfermidade quase nunca excede o período do curso de uma resposta inflamatória aguda, de 2 ou 3 dias. A dor dificilmente cessa com medicação analgésica e ocorre normalmente durante a noite por conta da inclinação da cabeça que gera acúmulo de sangue na região.
Quando o paciente chega em consultório precisando de atendimento, o que deve ser feito?
O primeiro passo do atendimento é coletar informações acerca da dor e identificar a sua origem. Para isso o profissional deve fazer uma anamnese detalhada coletando informações acerca da história médica e dental do paciente, assim como realizar exame clinico-visual, testes de sensibilidade pulpar (térmico, elétrico, cavidade), testes perirradiculares (palpação e percussão) e sondagem periodontal. Além disso, exame radiográfico e, se necessário, complementar com tomografia computadorizada (cone-beam) (LOPES e SIQUEIRA, 2015).
Variadas alterações pulpares e perirradiculares podem levar à dor e/ou tumefação, e algumas dessas não necessitam de intervenção endodôntica. Dentre as urgências destacam- se: pulpite reversível, pulpite irreversível aguda, periodontite apical aguda e abcesso periapical agudo, flare-up e dor pós-operatória.
Pulpite Reversível
A dor observada é semelhante a da hipersensibilidade dentinária, aguda, localizada e provocada por alterações de temperatura (exacerbada pelo frio) e pH. Nos exames são observadas restaurações extensas, recentes ou fraturadas, lesões de cárie profundas e/ou recindivantes. Na pulpite reversível não ocorre exposição pulpar.
Para o tratamento é necessário que seja removido o agente causal. O cirurgião dentista pode se valer de tratamentos expectantes ou capeamento pulpar indireto como conduta.
Pulpite Aguda Irreversível
Caso a pulpite reversível não seja tratada, pode haver evolução para um quadro de pulpite aguda irreversível. Nesses casos, o profissional observa clinicamente a presença de inflamação pulpar causada pela exposição da mesma.
O paciente relata presença de dor severa, espontânea, difusa e contínua agravadas pelo calor e amenizadas pelo frio, quando em período avançado. Frequentemente o uso de analgésicos pode ou não ser eficaz, dependendo do estágio da inflamação. Em alguns casos raros, pode haver dor à percussão que influencia na necessidade de aplicação de medicação intracanal.
Quando não há dor a percussão a indicação é de inflamação restrita a polpa e, portanto, a remoção da polpa é suficiente para resolução do problema.
O modo de proceder vai depender do tempo e habilidade do profissional dentista. Caso haja habilidade e tempo, remover a lesão de cárie, realizar pulpectomia e a depender da existência da dor à percussão, aplicar medicação intracanal ou obturar o(s) conduto(s) e selar a câmara coronária.
A segunda opção de tratamento varia dependendo da quantidade de condutos radiculares, habilidade e tempo. Em dentes unirradiculares proceder com pulpectomia e medicação com corticosteroide.
Em dentes multirradiculares, pulpectomia do canal mais amplo ou apenas pulpotomia e aplicação de medicação com corticosteroide. Caso não haja tempo ou habilidade para proceder com o tratamento endodontico, remover a cárie, realizar selamento coronário com cimento temporário e prescrever analgésico/anti-inflamatório (LOPES e SIQUEIRA, 2015).
Periodontite Apical Aguda
Caracteriza-se pela dor intensa contínua e pulsátil, pelo resultado positivo ao teste de percussão e, às vezes, de palpação. O paciente relata dor ao toque com sensação de “dente crescido” por causa da ligeira extrusão do dente, no alvéolo, em decorrência do edema no ligamento periodontal apical. O exame radiográfico pode indicar espessamento do espaço do ligamento periodontal (LOPES e SIQUEIRA, 2015).
O tratamento consiste na limpeza dos canais, aplicação de medicação intracanal, selamento coronário temporário, prescrição medicamentosa e alívio oclusal. Caso haja limitação da técnica ou de tempo, proceder com instrumentação dos terços cervical e médio e colocar uma mecha de algodão embebido com hipoclorito de sódio na câmara pulpar para minimizar contaminação bacteriana pela saliva. Selar a câmara coronária temporariamente, prescrever medicação analgésica/anti-inflamatória e realizar alívio oclusal.
Abscesso Periapical Agudo
Em casos de abscesso periapical agudo, a dor sentida pelo paciente é espontânea, pulsátil e gerada pela mastigação. Mediante os exames o cirurgião dentista observa resultado positivo para os testes de percussão e palpação, podendo haver mobilidade dental e envolvimento sistêmico como febre.
O tratamento varia conforme o estágio de evolução do abscesso.
Em estágio inicial, pela ausência de tumefação, o diagnóstico clínico é muitas vezes confundido com a periodontite apical aguda. E somente confirmado quando, após abertura coronária, há drenagem de coleção purulenta pelo canal. Após a saída de todo o exsudato, proceder com limpeza dos canais, aplicação de medicação intracanal, realmente coronária provisório e prescrição medicamentosa.
Quando em evolução, o abscesso periapical agudo se assemelha ao estágio inicial, porém apresenta tumefação consiste. O tratamento é o mesmo do estágio inicial. Se a tumefação for intraoral é recomendado que a incisão seja feita em mucosa. Caso extraoral, não é indicada a incisão, deve ser prescrito bochechos com solução aquecida e aplicação de frio externamente sobre a área de tumefação.
Essa conduta visa estimular a exteriorização intraoral do abscesso, facilitando a incisão e drenagem em consulta posterior (12 a 36 horas depois), sem que haja sequelas para o paciente. Após a drenagem de toda secreção purulenta devem ser prescritos medicamentos, analisando a necessidade de antibióticos. Sob a condição de não haver drenagem, aplicar medicação intracanal e selar a câmara coronária.
O abscesso periapical agudo evoluído apresenta quadro clínico semelhante às fases anteriores, no entanto, apresenta tumefação flutuante.
O tratamento consiste em incisar a área flutuante intra ou extraoral. Deve ser feito um acesso para drenagem do conteúdo purulento pelo dente, instrumentação, medicação intracanal e selamento coronário temporário. No caso de incisões extraorais, faz-se necessário o uso de um dreno. Prescrição de bochechos com solução aquecida e de analgésico/anti-inflamatório, além de pensar sobre a necessidade do emprego de antibióticos (LOPES e SIQUEIRA, 2015).
Flare-up
O flare-up é uma complicação que se desenvolve entre as sessões de tratamento endodôntico, num período de horas ou dias, acarretando dor e/ou tumefação. A etiologia desta intercorrência é o desenvolvimento de uma resposta inflamatória aguda nos tecidos perirradiculares, caracterizada pelo estabelecimento de uma periodontite apical aguda ou de um abscesso perirradicular agudo secundários à intervenção endodôntica, que por sua vez, são causados pela presença de microrganismos e seus produtos ou iatrogenia.
A abordagem a ser seguida depende de qual lesão se estabeleceu. Para periodontite apical aguda secundária o tratamento endodôntico precisa ser revisto, uma nova aplicação de medicação intracanal e prescrição analgésica devem ser feitas. No caso de abscesso perirradicular secundário, o abscesso já está instalado e como tal deve ser tratado.
Dor Pós-obturação
Desconfortos leves pós-obturações são comuns, tratados com analgésicos e não devem ser considerados urgências. Quando a dor for severa e persistente, o tratamento depende da causa. Sendo a obturação adequada, a prescrição de um analgésico/anti-inflamatório. Em caso de obturação inadequada, a solução é o retratamento do canal.
Quando o problema for a sobreobturação, prescrição de analgésico/anti-inflamatório deve resolver, caso não, é indicada a remoção da obturação, drenagem e tratamento e em último caso a cirurgia perirradicular para curetagem do material extravasado. A cirurgia perirradicular também é a conduta utilizada nos casos de obturações incorrigíveis (LOPES e SIQUEIRA, 2015).
As urgências endodônticas tratam -se de atendimentos realizados para aliviar a dor e/ou tumefação e necessitam de diagnóstico e tratamento imediatos. O êxito das emergências são atreladas a melhora dos sintomas e devolvem ao paciente o bem estar e a normalidade de suas atividades.
Matérias relacionadas:
- Burnout e odontologia: conhecer para prevenir
- A escolha de tratamento para a disfunção temporomandibular
- Flúor: benéfico até que ponto?
Referências
LOPES, Hélio; SIQUEIRA Jr. José Freitas. Endodontia: biologia e técnica. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.