Atuação do farmacêutico na equipe multidisciplinar frente a idosos com depressão | Colunista

Introdução

O envelhecimento é caracterizado como uma etapa inevitável da vida, na qual ocorrem inúmeros processos fisiológicos, sociais e mentais. Desta forma, este processo pode vir acompanhado de vulnerabilidades amplas e multideterminadas, tais como biológicas, espirituais, culturais, sociais e ambientais, e psicológicas.

A vulnerabilidade biológica se refere ao desequilíbrio das funções biológicas, que do ponto de vista neurológico, também pode ser um agravante para o acometimento mental, por exemplo, em doenças neurodegenerativas com demência.

A vulnerabilidade espiritual são recursos simbólicos que servem para enfrentar as limitações da realidade. As vulnerabilidades cultural, social e ambiental são produzidas pelo entorno sociocultural, sustentadas pela desigualdade social, econômica e política. Por fim, a vulnerabilidade psicológica se refere às manifestações psíquicas que se apoiam nas emoções e afetividades.

A depressão é englobada nos transtornos afetivos de humor, que são atrelados à situação mental dos indivíduos, manifestando-se por alterações do humor. A depressão pode ser subdividida em unipolar e bipolar. A primeira é comumente associada a casos estressantes e é acompanhada de agitação e ansiedade. Já a segunda é mais incidente no início da vida adulta e resulta na variação do estado melancólico e maníaco.

Um indivíduo que apresenta sintomas iniciais de depressão após os 65 anos apresenta menor interferência do fator genético e maior envolvimento de fenômenos neurobiológicos. Além isso, os fatores da natureza psíquica são acumulados ao longo da vida.

A fisiopatologia da depressão ainda não é totalmente esclarecida e ao longo dos anos as hipóteses que a justificam foram sendo aprimoradas. A Hipótese das monoaminas (Serotonina, Dopamina e Noradrenalina) descreve-a como sendo uma depleção destes neurotransmissores e que a administração de antidepressivos que aumentem suas concentrações, promoveria a cura.

Entretanto, como o tratamento antidepressivo apresenta uma latência entre o início da administração e o início da resposta farmacológica, foi criada a Hipótese com base nos receptores, em que o aumento das concentrações destes neurotransmissores estimularia a produção de mais receptores para a resposta clínica, justificando o tempo de latência. Além disso, esta hipótese esclarece que a depressão ocorre em decorrência da menor expressão destes receptores, má interação com ligante ou até mesmo a má transdução dos sinais.

Recentemente, surgiu a Hipótese neurotrófica, na qual uma exposição primária sensibiliza o indivíduo e o torna susceptível a eventos estressantes. Os eventos estressantes promovem aumento de glutamato e cortisol, que diminui a concentração, principalmente, do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), por meio da ação de radicais livres neurotóxicos.

O BDNF é importante para promoção da neurogênese, sinaptogênese e plasticidade neuronal, ou seja, está envolvido principalmente na capacidade cognitiva e de adaptação frente às mudanças no ambiente.

Por conta da depressão ser uma condição mental de longa duração, atrelada ao baixo estímulo de adesão ao tratamento, eventos adversos consideráveis e inúmeras interações medicamentosas, o farmacêutico desempenha papel importante para o manejo farmacoterapêutico na equipe multidisciplinar.

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Tratamento antidepressivo

O tratamento da depressão é multiprofissional, ou seja, devem ser levados em conta os aspectos biológicos e psicológicos da condição, com o uso de medicamentos. É importante ressaltar que pelo perfil multidimensional, não basta apenas tratar a depressão, mas deve-se também melhorar a qualidade de vida do indivíduo e torna-lo autônomo, contextualizado em seu meio social e cultural.

Para a prescrição do fármaco deve ser levada em consideração a gravidade da depressão e a presença de outras doenças e sintomas, tais como ansiedade e anorexia. O farmacêutico pode agregar valor à discussão da equipe interdisciplinar por dispor dos conhecimentos farmacológicos de efeitos adversos que podem potencializar o tratamento ou sinalizar a presença de interações relevantes.

O tratamento do idoso pode levar vários meses. O primeiro desafio é saber lidar com a ocorrência de efeitos adversos, sintomas de tristeza e a baixa resposta farmacológica. Este cenário é fator determinante para descontinuação do tratamento por vontade do usuário, resultando em baixa adesão. Quando há resposta, os usuários reconhecem que o medicamento restaura o bem-estar e costumam dar continuidade sem dificuldades.

Outro fator determinante é o tabu envolvendo a depressão e os antidepressivos. Até nas populações mais jovens, o diagnóstico de depressão causa estranhamento e resistência em aceitar que estão lidando com uma condição clínica persistente e biológica com desfechos negativos de extrema importância, sem contar no impacto das atividades da rotina ao longo da vida.

Em adição ao tabu, há mitos relacionados aos antidepressivos, tais como o desenvolvimento de dependência e disfunção sexual, que podem criar receio com relação a sua utilização.

O êxito no tratamento é explicado pela atenção do profissional da saúde aos problemas do indivíduo, por meio de uma relação de confiança e do fornecimento de informações, educação do processo com paciente e família, antecipação dos efeitos colaterais (quando cabível), diminuição do número de dose (quando possível), discussões envolvendo o indivíduo e monitoramento dos efeitos adversos.

O tratamento divide-se em fase aguda (3 a 8 semanas), terapia de continuação (6 a 12 meses) e tratamento de manutenção (2 anos). A fase aguda tem como objetivo a remissão total dos sintomas e melhorar o quadro clínico em 50%, considerando o controle de efeitos colaterais também. A fase de continuação tem por finalidade prevenir o retorno dos sintomas e estabilizar o usuário do tratamento para que retorne às atividades funcionais na sociedade. Por fim, o tratamento de manutenção procura preservar a recuperação, prevenindo episódios recorrentes de depressão ou até recaídas.

No idoso, é preferível a intervenção psicoterapêutica para buscar fatores que desencadearam o processo depressivo. Quando o uso de antidepressivos se faz necessário, sobretudo em casos onde a integridade à vida está em risco, prefere-se fármacos de segunda geração, como a fluoxetina, citalopram e sertralina, pertencentes ao grupo dos inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS), pois apesentarem maior tolerabilidade, segurança e eficácia para este grupo de indivíduos.

Os antidepressivos clássicos ou de primeira geração, como inibidores da monoamino-oxidase (IMAO) e antidepressivos tricíclicos, já não são mais utilizados com frequência na clínica, principalmente em idosos, pois incluem inúmeros efeitos adversos, por exemplo, efeitos anticolinérgicos, aumento no risco de queda e ocorrência de arritmias cardíacas.

A utilização de suplementos alimentares, que podem ser prescritos por farmacêuticos, por exemplo, vitamina D, ácido fólico, complexo B, S-adenosilmetionina e hidroxitriptofano, como coadjuvante também são ferramentas que podem possibilitar a potencialização do tratamento, porém ainda são necessários maiores investigações.

Quanto à fitoterapia, o principal utilizado é a Hypericum perforatum (Erva de São João), que apesar de apresentar efeitos adversos mais leves, interage com inúmeros medicamentos usuais, por exemplo, varfarina, sinvastatina, digoxina. É importante ressaltar que este fitoterápico é vendido somente sob prescrição médica.

Por fim, alguns manejos não farmacológicos, tais como acupuntura e fototerapia, apesar de não se sustentaram com evidências, ou seja, precisam de maiores investigações científicas, parecem demonstrar modestos benefícios, sobretudo na melhora do humor deprimido e no controle da ansiedade.

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Considerações finais

Portanto, como a depressão é uma condição multidimensional, quando incidente no idoso, que naturalmente apresenta desequilíbrio nas funções biológicas, faz-se necessária abordagem interdisciplinar, principalmente no que se refere ao farmacêutico, que tem capacidade de discutir sobre o tratamento, monitorar os efeitos adversos, suplementar ou atribuir medidas não farmacológicas a fim de melhorar a qualidade de vida deste indivíduo.

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