Psicofarmacologia e psicoterapia: um diálogo necessário | Colunista

O que é psicofarmacologia?

A psicofarmacologia é um domínio científico que está preocupado em investigar os efeitos que uma droga pode ter sobre os aspectos neuroquímicos do sistema nervoso central (SNC) de um organismo vivo – sobretudo em seres humanos – e como isso pode promover alterações em suas funções psicológicas, como o humor, o pensamento, o comportamento e as habilidades psicomotoras (MEYER & QUENZER, 2019).

Os estudos em psicofarmacologia frequentemente estão associados a conhecimentos provenientes de outras disciplinas, como a própria psicologia, que fornece um subsídio teórico para os modelos cognitivos e comportamentais utilizados para nortear as pesquisas e a prática psicofarmacológica e a neurobiologia, que contribui com todo o substrato neural e bioquímico envolvido no funcionamento dos circuitos cerebrais subjacentes a sintomatologia de um transtorno neuropsiquiátrico específico e como esses circuitos são afetados pelas substâncias psicotrópicas administradas.

Em termos de efeito psicotrópico e uso clínico, as substâncias psicofarmacológicas podem ser distribuídas nas seguintes classes:

  • Antidepressivos
  • Ansiolíticos
  • Antipsicóticos
  • Estabilizadores de humor
  • Estimulantes

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A forma como as diferentes classes medicamentosas atuam no SNC é o objeto de estudo principal da psicofarmacologia, que produz conhecimentos sobre esse assunto em colaboração com as neurociências, principalmente a neuroquímica. Essa compreensão está diretamente relacionada a cadeia de eventos que definem a forma como o nosso sistema nervoso se comunica, compreender esses eventos exige um aprofundamento em alguns conhecimentos prévios, por exemplo (STAHL, 2014):

  • Compreender o que é a neurotransmissão química;
  • Conhecer alguns dos principais neurotransmissores alvos das substâncias psicotrópicas; e
  • Como os medicamentos conseguem produzir mudanças no quadro sintomatológico do sujeito acometido por um transtorno neuropsiquiátrico.

A proposta deste texto é apenas introduzir o leitor ao conceito de psicofarmacologia e articular os conhecimentos adquiridos com a prática psicoterápica, portanto, os pormenores envolvidos na comunicação neuronal e na forma como os medicamentos psicotrópicos afetam os mecanismos neurobiológicos são serão explorados.

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A integração entre a psicofarmacologia e a psicoterapia

A psicologia exige que o profissional esteja devidamente preparado para atuar a partir de modelos interdisciplinares, mantendo-se sempre atualizado sobre conhecimentos complementares a sua própria prática e dialogando com outros profissionais. Nesse sentido, a psicofarmacologia é um ramo da farmacologia bem estabelecido dentro da comunidade científica e tem mostrado significativa sinergia com a psicoterapia no tratamento de uma série de transtornos neuropsiquiátricos.

Esse tipo de tratamento, que combina a psicoterapia e a psicofarmacologia, tem como principal característica o caráter biopsicossocial com o qual enxerga o sujeito, entendendo que fatores sociais e psicológicos são tão importantes quanto o biológico no entendimento e no tratamento do quadro sintomatológico do paciente. Esse modelo multifatorial rompe com o modelo biomédico tradicional e representa uma importante quebra de paradigma, promovendo uma visão holística do sujeito em sofrimento (SHWARTZ & SACHDEVA, 2015).

Esse tipo de abordagem parte do pressuposto de que apesar da necessidade do uso de psicofármacos no tratamento dos aspectos neurobiológicos dos transtornos neuropsiquiátricos, há uma série de causas subjacentes a esses transtornos com as quais o mero tratamento medicamentoso não consegue lidar. Desse modo, a psicoterapia promoveria uma melhora na capacidade do indivíduo em adaptar-se às exigências da sua vida e aos contextos nos quais está inserido (SCHATZBERG, COLE & DEBATTISTA, 2009).

De fato, uma série de estudos (PORTO, GONÇALVES & VENTURA, 2011) utilizando neuroimagem já investigaram a relação entre a Terapia cognitivo-comportamental (TCC) e mudanças neurobiológicas para uma série de transtornos, como: fobia social, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Esses estudos apontam que a TCC tem se mostrado eficaz no tratamento de vários transtornos neuropsiquiátricos, apesar dos efeitos exatos ainda não terem sido totalmente explorados.

Em termos de sinergia, rigorosos estudos têm corroborado a eficácia do tratamento psicofarmacológico em conformidade com acompanhamento psicoterápico. Keller et al. (2000), por exemplo, observaram que a combinação das duas formas de tratamento – psicoterapia de análise cognitiva e comportamental e o uso do antidepressivo nefazodona – era mais eficiente que o uso dos tratamentos de forma isolada para sujeitos acometidos por transtorno depressivo maior.

Outro estudo, conduzido por Safren et al. (2005), comparou o tratamento psicofarmacológico de sintomas residuais de transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) em adultos com e sem o uso da TCC. Os resultados mostraram uma melhora significativa dos pacientes que receberam acompanhamento com a TCC em comparação com o grupo que recebeu apenas o tratamento medicamentoso.

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Considerações finais

As possibilidades de tratamento proporcionadas pela colaboração entre a psicofarmacologia e a psicoterapia denunciam a importância que o trabalho interdisciplinar tem sobre o tratamento de uma série de transtornos neuropsiquiátricos, nesse sentido, é importante ressaltar a importância que uma compreensão holística do paciente exerce sobre o seu próprio bem estar e como deve servir para guiar a busca por tratamentos cada vez mais abrangentes e eficazes.

Em síntese, as evidências sugerem que apesar do tratamento medicamentoso ser eficaz contra as disfunções neuroquímicas próprias dos transtornos neuropsiquiátricos, ainda há a necessidade de uma intervenção psicoterápica para complementar e consolidar o progresso do paciente frente ao quadro sintomatológico apresentado. A partir dessa lógica, também é necessário compreender que os transtornos neuropsiquiátricos têm suas raízes em mudanças a nível biológico e apenas a intervenção do psicólogo pode não ser o suficiente.

Alertamos ainda que o diagnóstico de transtornos mentais é função cabível apenas a psicólogos e psiquiatras,  salientamos também que a prescrição de medicamentos é uma responsabilidade médica, não recomendamos o autodiagnóstico e a automedicação. As informações aqui contidas são puramente didáticas e não devem ser utilizadas em detrimento de instruções profissionais ou recomendações médicas.

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Referências

KELLER, Martin B. et al. A comparison of nefazodone, the cognitive behavioral-analysis system of psychotherapy, and their combination for the treatment of chronic depression. New England Journal of Medicine, v. 342, n. 20, p. 1462-1470, 2000.

MEYER, Jerrold S.; QUENZER, Linda F. Principles of Pharmacology. In: MEYER, Jerrold S. et al. Psychopharmacology: Drugs, the brain, and behavior. Sunderland, MA: Sinauer Associates is an imprint of Oxford university press, 2019.

PORTO, Patrícia; GONÇALVES, Raquel M.; VENTURA, Paula. Neurociências e terapia cognitivo-comportamental. In: RANGÉ, Bernard et al. Psicoterapias cognitivo-comportamentais: Um diálogo com a psiquiatria. Artmed Editora, 2011.

SAFREN, Steven A. et al. Cognitive-behavioral therapy for ADHD in medication-treated adults with continued symptoms. Behaviour research and therapy, v. 43, n. 7, p. 831-842, 2005.

SCHATZBERG, Alan F.; COLE, Jonathan O.; DEBATTISTA, Charles. Princípios gerais do tratamento psicofarmacológico. In: SCHATZBERG, Alan F.; COLE, Jonathan O.; DEBATTISTA, Charles. Manual de psicofarmacologia clínica. Artmed Editora, 2009.

SCHWARTZ, Thomas L.; SACHDEVA, Shilpa. Integrando psicoterapia e psicofarmacologia: Desfechos, endofenótipos e os fundamentos teóricos sobre eficácia. In: DE OLIVEIRA, Irismar Reis; SCHWARTZ, Thomas; STAHL, Stephen M. Integrando psicoterapia e psicofarmacologia: manual para clínicos. Artmed Editora, 2015.

STAHL, Stephen M. Neurotransmissão química. in: STAHL, Stephen M. Psicofarmacologia: Bases Neurocientíficas e Aplicações Práticas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.

Por Sanar

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