O uso de experimentos na clínica gestáltica com adolescentes | Colunista

“A Gestalt-terapia é, na verdade, uma permissão para ser criativo” (ZINKER, 2007, p. 30).

Falar sobre o uso de experimentos na clínica gestáltica remete, em última análise, falar sobre a importância da criatividade como recurso indispensável à construção de uma relação terapêutica sustentada pela crença no potencial do cliente de reinventar-se e ajustar-se criativamente na sua maneira de ser-no-mundo com vistas a alcançar um novo patamar de funcionamento frente às suas questões.

Nessa perspectiva, o terapeuta enxerga o cliente em sua totalidade: maleável e rígido, brilhante e embotado, fluido e estático, detalhista e apaixonado. Ao mesmo tempo, o terapeuta se comporta como coreógrafo, fenomenólogo, estudioso do corpo, pensador, teólogo, visionário (ZINKER, 2007).

Para o terapeuta que atua na clínica com adolescentes – o processo criativo – advindo do trabalho com experimentos, é considerado um recurso importante não apenas para identificar e trabalhar mais criativamente as resistências desses clientes durante os atendimentos, mas, também, para melhor compreender suas especificidades e necessidades no contexto terapêutico, sobretudo porque “faz parte desse período do desenvolvimento [a adolescência] exercer seu ajustamento criativo às mudanças que se apresentam” (ZANELLA; ZANINI, 2013, p. 60).

Quando recorrer ao uso de experimentos nas sessões

Em Gestalt-terapia um bom experimento é aquele que surge naturalmente a partir do processo, sobretudo quando “um tema inexplorado emerge, um impasse persistente se revela ou o cliente parece ser incapaz de ver opções diferentes para um problema (JOYCE; SILLS, 2016, p. 133).

Nesse sentido, a opção pelo uso de uma determinada técnica (experimento) durante os atendimentos não advém de um planejamento prévio, de um momento anterior ao próprio processo, mas sim do que emerge da e na relação no momento em que ela acontece.

Para Zinker (2007) uma das qualidades da Gestalt-terapia é a ênfase na modificação do comportamento do sujeito, dentro do próprio contexto terapêutico. Dessa forma, o experimento se configura como uma modificação comportamental sistemática que brota da experiência do cliente.

De acordo com o autor o experimento é considerado a pedra angular do aprendizado experiencial ao transformar o falar em fazer, as recordações estéreis e teorizações em estar plenamente em contato, no aqui e agora, com a totalidade da imaginação, da energia e da excitação.

Com efeito, compete então ao terapeuta dispensar de sua criatividade, imaginação, sensibilidade e intuição para reconhecer o momento oportuno e que experimento utilizar quando a experiência do cliente fizer emergir o uso desse recurso no setting terapêutico.

Cabe ressaltar, que mesmo diante de uma demanda que sinalize para a possibilidade de utilização de um experimento – o psicoterapeuta precisa estar atento a alguns fatores que são decisivos para propô-lo ou não, a saber: observar a consistência do vínculo terapêutico; checar se o cliente dispõe de recursos suficientes para realizar aquela atividade, descartar a existência de transtornos que possam inviabilizar aquele procedimento.

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Etapas do experimento

De acordo com Joyce e Sills (2016) embora o trabalho com experimentos não se dê em uma lógica rígida, considerando que eles podem ser subdivididos em uma série de estágios sobrepostos que podem ocorrer em qualquer ordem, geralmente seguem a mesma sequência, a saber:

  • Identificar a figura emergente: consiste em identificar o tema ou figura que emerge, sobretudo como demanda inacabada, problemática, repetitiva.
  • Sugerir um experimento: pressupõe, além de propor o experimento, checar se o cliente está disposto a fazê-lo. É vital que o terapeuta deixe claro para o cliente que ele pode recusar a sugestão (experimento) caso não se sinta à vontade para realizá-la.
  • Classificar o experimento em termos de “risco” e desafio: esse passo envolve descobrir a quantidade de desafio que será mais produtiva, pois o que é difícil para um cliente pode ser fácil para outro. A tarefa, portanto, consiste em encontrar o nível de risco que irá criar a emergência segura, aquela em que o cliente se sente em seu limite máximo, mas ainda assim com competência suficiente.
  • Desenvolver o experimento: o experimento se inicia com a figura que emerge. À medida que ele vai se desenvolvendo vai tomando mais forma e estrutura. Aqui, a criatividade do terapeuta é fundamental para a condução dessa etapa no sentido de fazer sugestões, pausar, mudar a direção. O que não se pode perder de vista é que o experimento além de ser cocriado pelo terapeuta e cliente, não deve assumir uma forma predeterminada.
  • Completar o trabalho: pode ser resumida como a etapa em que o cliente mostra sinais de fechamento, ou seja, quando ele sai do papel e volta-se para refletir sobre o que ocorreu ou quando a mudança de sua energia mostra que ele se deslocou para um lugar diferente. Nesse sentido, o terapeuta precisa ser sensível e criativo para encontrar maneiras de ajudar o cliente a concluir o experimento e retornar para o relacionamento presente.
  • Assimilar e integrar o que foi aprendido: esse passo é o momento de assimilar e integrar o que foi vivenciado durante o experimento. É quando o cliente pode discutir e fazer sentido do significado daquilo que aconteceu tanto cognitivamente quanto em termos das implicações daquilo para sua vida como um todo. Esse momento também é útil para o terapeuta ajudar o cliente a introduzir esse novo aprendizado em sua vida.

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O trabalho com experimentos na clínica com adolescentes

A adolescência, para além de uma etapa do desenvolvimento humano geralmente definida como uma fase de transição da infância para a vida adulta, representa um período de experimentação em que o adolescente se sente “convocado” a rever e (re)construir sua autoidentidade frente às demandas advindas das transformações biológicas, sociais, psicológicas e cognitivas próprias desse período da sua existência.

Nesse período, o indivíduo se depara com uma série de conflitos e mudanças que o colocam em contato com a necessidade de experimentar o novo (uma nova autoimagem corporal, novas exigências e expectativas advindas do outro, novas perspectivas em relação aos pares) e com uma maior liberdade para fazer suas próprias escolhas.

A chegada à adolescência, portanto, implica um desejo de crescer, de liberdade, de experimentar. É um período de reencontro com o eu, de atualização corporal, de descobertas e escolhas, de frustrações e escolhas, de ousadia (ZANELLA; ZANINI, 2013).

Diante da concepção de pessoa e de mundo da Gestalt-terapia, a adolescência não é compreendida como um período fixo e determinado em formas universais, lineares e padronizantes, mas sim como uma maneira singular de ser com o mundo (LIMA, 2019).

Para o terapeuta que atua na clínica com adolescentes (re)conhecer as especificidades desse público é importante não apenas para diferenciar o cliente adolescente de outros públicos, mas, sobretudo, para melhor identificar suas necessidades singulares e, assim, construir estratégias criativas que possam ir de encontro aos seus anseios, dilemas, paradoxos e questionamentos no setting terapêutico.

Nessa perspectiva, o trabalho com experimentos – que tem como principal qualidade possibilitar que o cliente expresse alguma coisa comportamentalmente, em vez de apenas passar por uma experiência cognitiva interior (ZINKER, 2007) – é considerado um importante recurso para o manejo terapêutico com clientes adolescentes, sobretudo porque faz parte do processo de adolescer exercer seu ajustamento criativo às mudanças que se apresentam (ZANELLA; ZANINI, 2013).

“A Gestalt-terapia, como permissão para criar, encontra na possibilidade de experimentar uma de suas particulares riquezas metodológicas” (RIBEIRO, 2006, p. 109), principalmente por conceber a pessoa como ser criativo, espontâneo, autêntico, livre para escolher e responsável pelas consequências de suas escolhas (RIBEIRO, 2011).

Nesse sentido, os experimentos em Gestalt-terapia são considerados ações intencionais do psicoterapeuta para o cliente vivenciar. É um convite ao cliente para se experienciar à luz de uma postura fenomenológica e dialógica em um contexto de aceitação, respeito e confiança (LIMA, 2019).

Para Ribeiro (apud LIMA, 2019, p. 317-318), o “uso dos experimentos no setting terapêutico propicia ao cliente a arte de se experimentar, tornando-o um experimento vivo, ou seja, o cliente é um sujeito ativo e seu próprio instrumento de trabalho”.

Aqui, o trabalho do psicoterapeuta é fundamental no sentido de ser criativo e atento às necessidades do cliente durante as sessões com vistas a, de acordo com cada figura/tema, propor experimentos que facilitem a expressão das dificuldades, possibilidades e emoções desse cliente, bem como o contato com elas (ZANELLA; ANTONY, 2016).

Assim, identificado a demanda/figura oriunda da experiência do cliente, o terapeuta pode trabalhar com fotografias, desenhos, tintas, argila, telas, filmes, desenho do contorno do corpo, colagem, textos, frases a completar, cartas de tarô, enfim, tudo que possa facilitar o contato do adolescente com seus conflitos, dificuldades, potencialidades e características da personalidade. (ZANELLA; ANTONY, 2016).

Em síntese, o trabalho com experimentos na clínica gestáltica pode ser compreendida como um convite para terapeuta e cliente serem criativos, sendo a sessão de psicoterapia um experimento e o psicoterapeuta um facilitador desse processo (LIMA, 2019).

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Referências

JOYCE, P.; SILLS, C. As técnicas em Gestalt: Aconselhamento e Psicoterapia. Tradução Joscelyne, V. Petrópolis: Vozes, 2016.

LIMA, D. M. A. O self-box como experimento na atuação do gestalt-terapeuta com adolescentes. Rev. abordagem gestalt., Goiânia, v. 25, n. 3, p. 313-322, dez.  2019.   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672019000300010&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 08 nov. 2021.  http://dx.doi.org/10.18065/RAG.2019v25n3.10.

RIBEIRO, J. P. Vade-mécum de Gestalt-terapia: conceitos básicos. São Paulo: Summus, 2006.

________. O conceito de mundo e de pessoa em Gestalt-terapia: Revisitando o caminho. São Paulo: Summus, 2011.

ZANELLA, R.; ANTONY, S. Trabalhando com adolescentes: (re)construindo o contato com o novo eu emergente. In: Frazão, L.M.; Fukumistu, K.O. (Orgs). Modalidades de intervenção em clínica em Gestalt-terapia. (pp. 83-109). São Paulo: Summus, 2016.

ZANELLA, R.; ZANINI, M. E. B. Atendendo adolescentes na contemporaneidade. In: Zanella, R. (Org.). A Clínica Gestáltica com Adolescentes: caminhos clínicos e institucionais. (pp. 59-76). São Paulo: Summus, 2013.

ZINKER, J. Processo criativo em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2007.

Por Sanar

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