Na prática clínica de rotina, a ventilação não invasiva (VNI) é comumente utilizada em pacientes que não são candidatos à intubação orotraqueal (FRASER, 2020).
Comumente, estes pacientes são acometidos por patologias que apresentam altas taxas de sucesso quando manejados de maneira não invasiva como, por exemplo, pacientes internados por uma exacerbação da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) ou por edema agudo de pulmão (EAP) quando a causa é de origem cardíaca.
A duração da VNI, nestes casos, é breve e a não resolução do quadro dentro de algumas horas, mesmo com a modificação dos parâmetros, indica um mau prognóstico. Custa lembrar que a VNI é uma terapia de suporte e necessita ser utilizada de maneira adjuvante a algum tratamento farmacológico eficaz, por exemplo (FRASER, 2020).
O uso da VNI em pacientes acometidos por pneumonias sempre foi objeto de estudo, contudo, os resultados quanto a sua eficácia ainda permanecem controversos (FERRER, COSENTINI, NAVA, 2012).
Atualmente, muito se discute em relação ao uso da VNI como forma de evitar a intubação orotraqueal em pacientes acometidos pela COVID-19. No entanto, esta tentativa de se evitar a intubação não é exclusiva dos tempos atuais. Anteriormente, nas pandemias causadas por SARS-CoV-1; H1N1 e MERS, as mesmas estratégias foram adotadas, contudo não trouxeram unanimidade em seus desfechos.
Em um estudo espanhol composto por 685 pacientes com diagnóstico de pneumonia por H1N1, a VNI foi usada em 177 pacientes (25,8%), com uma taxa de sucesso de 40,7%. No entanto, os pacientes que apresentaram sucesso no uso da VNI também eram aqueles que apresentavam menor gravidade indicado pelos índices, como o APACHE, por exemplo, e ausência de falência de múltiplos órgãos (MASCLANS, et al. 2014).
Em outro estudo, conduzido por Rodríguez e colaboradores (2017), 806 pacientes diagnosticados com pneumonia por H1N1 foram tratados com VNI, havendo falha em 458 indivíduos (56,8%). Novamente, a falha da VNI foi maior naqueles pacientes que apresentavam maior gravidade.
Durante a epidemia da Síndrome respiratória no Oriente Médio (MERS), a eficácia da VNI também foi estudada.
No trabalho de Alraddadi e colaboradores (2019) de 302 pacientes diagnosticados com MERS, a VNI foi a primeira estratégia ventilatória em 105 pacientes (35%); tais pacientes tiveram inicialmente um escore SOFA basal mais baixo e infiltrados menos extensos na radiografia de tórax do que os pacientes intubados. Contudo, a vasta maioria dos pacientes submetidos a VNI foi intubada (92,4%). Assim, o uso da VNI não foi associado com melhora clínica nem com um desfecho melhor do que os pacientes prontamente intubados.
Assim, a seleção apropriada do paciente é a chave para a aplicação bem-sucedida da VNI. O processo de seleção deve levar em consideração vários fatores, como, por exemplo, o escore de gravidade e a extensão do acometimento pulmonar. Mesmo assim, estes pacientes devem receber monitoração cuidadosa para detectar sinais precoces de falha da VNI (RODRÍGUEZ, et al.; 2017).
Um estudo multicêntrico confirma esta hipótese de que a gravidade do estado do paciente é fundamental para o sucesso ou falha da VNI (HE, et al. 2009).
Durante a pandemia de COVID-19, o uso da VNI é constante como forma de evitar a intubação orotraqueal. Um estudo observacional retrospectivo, metade dos pacientes avaliados que foram tratados com VNI obtiveram um desfecho positivo e não necessitaram de intubação orotraqueal (IOT).
Ressalta-se, porém, que a VNI não atrasou a IOT caso ela fosse necessária e que o grupo que não respondeu ao tratamento com VNI possui idade mais avançada (> 70 anos) e apresentava mais comorbidades do que o grupo de pacientes que respondiam a terapia (MENZELLA, et al. 2021).
Na verdade, a presença de comorbidades é tão importante que um grupo chinês desenvolveu um score que visa estratificar o risco de piora da evolução da doença.
A letalidade da doença é determinada pela associação de características intrínsecas do paciente, como presença de comorbidades, resposta imune a infecção e idade (SPADARI, GARDENGHI, 2020).
Como dito anteriormente, a presença de comorbidades está associado com a gravidade da doença e, consequentemente, com desfechos piores. Visando a tentativa de estratificar o risco de uma evolução clínica pior, o CALL Score foi desenvolvido e leva em consideração a presença de comorbidades, a idade, os níveis de linfócitos e os níveis de LDH (lactato desidrogenase). Um score menor que 6 indica uma baixa probabilidade de progressão com piora, enquanto um score maior que 9, indica o oposto (SPADARI, GARDENGHI, 2020).
Através destes fatores seria possível definir quais pacientes poderiam se beneficiar ou não de uma terapia de suporte ventilatório não-invasivo. Desta forma, a seleção de possíveis pacientes candidatos a VNI seria realizada com maior segurança, evitando que pacientes com alta probabilidade de falha sejam expostos a uma terapia sem eficácia.
Similarmente, Liu e colaboradores (2021), desenvolveram um nomograma que leva em consideração a idade, o nível de consciência, as comorbidades, o uso de vasopressores, entre outros, para identificar o risco de falha ao utilizar suporte ventilatório não-invasivo.
Em virtude dessas considerações é possível introduzir as terapias de suporte ventilatório na modalidade não-invasiva em pacientes com COVID-19. No entanto, deve-se ressaltar a importância da escolha destes pacientes, pois, como visto, alguns não devem se beneficiar deste tipo de terapia de suporte, visto a possibilidade de deterioração clínica devido a comorbidades associadas.
Contudo, deve-se ter atenção ao utilizar a VNI mesmo em pacientes que apresentam risco baixo de deterioração. Logo, estes pacientes devem ser monitorados minuciosamente a fim de avaliar a eficácia da terapia na resolução de sinais e sintomas.
Deste modo, ao instituir a VNI o HACOR score deve ser usado para predizer o sucesso ou falha da terapia. Duan e colaboradores (2017), desenvolveram esta simples ferramenta capaz de indicar quais pacientes apresentam altas probabilidades de falharem durante o uso da VNI. Este score leva em consideração a frequência cardíaca, a presença de acidose, o nível de consciência, a oxigenação e a frequência respiratória. Quanto maior o score, maior a possibilidade de falha.
Em momentos onde as incertezas prevalecem, os desafios da prática clínica se fazem cada vez mais presentes. Cabe, portanto, ao fisioterapeuta utilizar não só de seu conhecimento prático, mas também da teoria. Somente assim, podemos, de fato, exercer uma fisioterapia baseada em evidências, com suporte bibliográfico preciso, relevante e, acima de tudo, capaz de ser implementado em qualquer ambiente.
A utilização destas ferramentas de triagem e de monitorização são cruciais para o sucesso da terapia e para não expor o paciente ao risco da intubação tardia e protelada.
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REFERÊNCIAS
ALRADDADI, B.M.; et al. Noninvasive ventilation in critically ill patients with the Middle East respiratory syndrome. Influenza Other Respir Viruses. V. 13, N. 4, p. 382-390. 2019.
FERRER, M.; COSENTINI, R; NAVA, S. The use of non-invasive ventilation during acute respiratory failure due to pneumonia. European Journal of Internal Medicine. V. 23, N. 5, p.420-428. 2012.
FRASER, K. Non-Invasive Ventilation (NIV) In Adult Acute Care during COVID-19 Pandemic. Alberta Health Services. Disponivel online em <https://www.departmentofmedicine.com/meoc/covid_noninvasive_ventilation.pdf> Acesso em 25/05/2020.
DUAN, J. et al. Assessment of heart rate, acidosis, consciousness, oxygenation, and respiratory rate to predict noninvasive ventilation failure in hypoxemic patients. Intensive Care Med. V. 43, N. 2, p. 192-199. 2017.
HE, H. A multicenter RCT of noninvasive ventilation in pneumonia-induced early mild acute respiratory distress syndrome. Critical Care. V. 300, N. 23. 2019.
LIU, L. et al. A simple nomogram for predicting failure of non-invasive respiratory strategies in adults with COVID-19: a retrospective multicentre study. The Lancet. V. 3, N. 3, p. E166-E174. 2021.
MASCLANS, JR.; et al. Early non-invasive ventilation treatment for severe influenza pneumonia. Clin Microbiol Infect. V. 19, N. 3, p. 249-256. 2013.
MENZELLA, F.; et al. Effectiveness of noninvasive ventilation in COVID-19 related-acute respiratory distress syndrome.The Clinical Respiratory Journal. 2021.
RODRÍGUEZ, A. et al. Risk Factors for Noninvasive Ventilation Failure in Critically Ill Subjects With Confirmed Influenza Infection; Respiratory Care. V. 62, N. 10, p. 1307-1315. 2017.
SPADARI, J., GARDEBGHI, G. Pathophysiological aspects of COVID-19 and use of non-invasive ventilation. Is it possible? Rev. Pesqui. Fisioter. V. 10, N. 3, p. 357-375. 2020.