Cuidados nutricionais em neurointensivismo | Colunista

Considerando todas as alterações metabólicas sofridas pelo indivíduo em estado crítico, estão inclusas também aqueles referentes ao estado nutricional e composição corporal, que podem predispor a desfechos clínicos negativos ou dificultar sua reabilitação (LUGLI et al., 2019). As doenças neurológicas, por sua vez, são condições que causam forte impacto nutricional. Nesse contexto, os determinantes clínicos como fraqueza muscular generalizada, alterações respiratórias e no nível de consciência geram modificações no curso da terapia nutricional, as quais podem ir de alterações de consistência para atender o surgimento de disfagias até a utilização de Terapia Nutricional Enteral (TNE) exclusivamente. Essas adaptações vão depender do grau de acometimento neurológico e da doença de base (BURGOS et al., 2018). 

  • CONTROLE DO BALANÇO ENERGÉTICO

Indivíduos com comprometimento neurológico, especialmente aquele advindos de doenças neurodegenerativas, possuem tendência para perda de peso, principalmente na forma de massa magra. No caso da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), a perda de peso (especialmente aquelas entre 5 a 10% do peso habitual) é prejudicial para a sobrevida e tem como influência as próprias complicações da doença como disfagia, sialorréia, hiporexia, labilidade emocional e o aumento do gasto energético.  A Figura 1 a seguir mostra as recomendações com relação ao manejo do peso corporal em indivíduos com ELA (BURGOS et al., 2018; GARCÍA et al., 2018). 

Figura 1. Controle de peso em indivíduos com ELA
 

Controle de peso em indivíduos com ELA.png (60 KB)

No caso de indivíduos que foram acometidos com Acidente Vascular Encefálico (AVE) a identificação precoce do risco nutricional através de ferramentas de triagem aliadas à avaliação antropométrica (principalmente IMC<19kg/m²) e níveis de pré-albumina podem ser fatores determinantes para observar a ocorrência de desnutrição e corrigir carências nutricionais. O gasto energético em repouso é aumentado após o dano cerebral, especialmente em indivíduos que sofreram Hemorragia Subaracnóidea Aneurismática (HSA).

O processo de desnutrição ou subnutrição no contexto do AVE isquêmico e hemorrágico é associado a piora do prognóstico, uma vez que a baixa oferta de calorias e proteína dificulta a reparação das fibras envolvidas nas lesões isquêmicas. Nesse sentido, a manutenção do balanço energético positivo é fundamental para a recuperação motora e promoção do anabolismo (LIEBER et al., 2018; SABBOUH; TORBEY, 2018). 

Os indivíduos com Guillain-Barré (GB) também são submetidos a um estado hipercatabólico. Para acompanhamento nutricional efetivo recomenda-se a utilização da transferrina sérica, pois os pacientes com GB comumente fazem reposição de albumina, tornando sua mensuração um dado não confiável do estado nutricional. O balanço energético positivo deve ser incentivado e a ingestão proteica deve preferencialmente ficar em torno de 2,0 a 2,5 gramas de proteína por quilo de peso. Situação semelhante à encontrada na Miastenia (GREENE-CHANDOS; TOBEY, 2018).  

  • DISFAGIA

Uma das alterações clínicas de maior impacto nutricional em neuropatas é a disfagia. O processo de deglutição normal é dividido em fases, sendo elas: oral, faríngea e esofágica. As doenças neurodegenerativas geralmente levam à fraqueza muscular, resultando em lentificação da deglutição, a qual envolve vários músculos e nervos cranianos. A disfagia orofaríngea é uma das principais consequências dos distúrbios neurológicos graves e pode se originar de alterações do sistema nervoso central diretamente (AVE e ELA); de danos na junção neuromuscular (MG); dos danos estruturais (como, por exemplo, a intubação orotraqueal); efeitos colaterais de medicamentos, entre outras complicações. (ZUECHER et al., 2019; SASEGBON; HAMDY, 2017; JONES et al., 2016).

O mecanismo do surgimento da disfagia orofaríngea em indivíduos com doenças neurológicas se manifesta através de uma resposta lenta da deglutição, com alterações funcionais que falham na proteção das vias aéreas, facilitando a broncoaspiração. Nesse sentido, são necessárias adaptações de consistência para facilitar o processo de deglutição e garantir a segurança na ingestão de alimentos e bebidas. Consistências modificadas, especialmente sólidas e pastosas, podem ser preferíveis para esse fim e a utilização de espessantes em pó para engrossar líquidos é frequentemente realizada, auxiliando na diminuição do fluxo do bolus durante a deglutição (SASEGBON; HAMDY, 2017; GALLEGOS et al., 2017).

  • FUNÇÃO INTESTINAL

As disfunções do trato gastrointestinal em neuropatas também interferem diretamente na qualidade do suporte nutricional. A gastroparesia, ou seja, o retardo no esvaziamento gástrico, é um achado comum nas doenças neurológicas. Geralmente, essa alteração de motilidade é decorrente de alterações no sistema nervoso autônomo, com diminuição do peristaltismo.

Para manejo da gastroparesia é necessária uma equipe multiprofissional a fim de melhor compreender as manifestações clínicas e corrigi-las. Uma das condutas fundamentais é a utilização de medicamentos procinéticos (como, por exemplo, a metoclopramida) para melhorar o trânsito gastrointestinal e evitar episódios de vômitos ou saciedade precoce que podem retardar o alcance de metas nutricionais. Em casos mais severos pode ser realizado o maior fracionamento das refeições e diminuição das porções de alimentos, com acompanhamento de suplementação para evitar perda de peso. Vale salientar também que dietas ricas em gordura pioram os sintomas (CAMILLIERI et al., 2018; QUIGLEY, 2015).  

Com relação ao funcionamento do intestino, em alguns acometimentos neurológicos, como a própria ELA, os músculos intestinais perdem força e dificultam a eliminação de fezes, mesmo que elas não estejam ressecadas. Nesse sentido, a conduta nutricional deve ser a inserção de fibras na dieta e o reforço da importância no consumo adequado de água. Fibras do tipo metilcelulose e psyllium são indicadas, desde que sejam acompanhadas da ingestão hídrica eficaz para evitar possíveis obstruções intestinais.

A utilização de laxantes pode ser incentivada, porém em doses mínimas para eficácia terapêutica. Tratamentos invasivos como enema precisam ser evitados ao máximo e devem ser prescritos apenas em último recurso. Fórmulas ricas em fibras podem ser utilizadas através da TNE, porém ressalta-se que elas devem ser utilizadas apenas em indivíduos críticos que não estão hemodinamicamente instáveis e que não fazem uso de drogas vasoativas (RUDNICKI et al., 2015).   

  • TERAPIA NUTRICIONAL ENTERAL

Em casos de indivíduos com manutenção da baixa ingestão alimentar, especialmente menor que 60% das necessidades nutricionais, a terapia nutricional enteral deve ser iniciada. Nas doenças neurodegenerativas, como na ELA, a gastrostomia (GTM) deve ser previamente sugerida, antes da ocorrência de perda de peso e alterações respiratórias mais severas. Por sua vez, na GB com evolução para insuficiência respiratória, a nutrição enteral também deve ser rapidamente estabelecida a fim de evitar maiores complicações infecciosas e atraso no desmame da ventilação mecânica (BURGOS et al., 2018; GREENE-CHANDOS; TOBEY, 2018; GALLEGOS et al., 2017).

Para os indivíduos pós AVE que apresentam rebaixamento do nível de consciência e necessitam de ventilação mecânica, a nutrição enteral precoce (até 72 horas) deve ser incentivada. Vale salientar que para casos de TNE superior a 28 dias, a colocação de GTM é um procedimento indicado, uma vez que o paciente esteja estável clinicamente. Vale salientar que a utilização de sondas para alimentação não piora processos de disfagia e a fonoterapia deve ser iniciada assim que possível (BURGOS et al., 2018).

Nesse contexto geral, o acompanhamento nutricional em neurointensivismo é complexo, pois envolve inúmeros pontos de importância para o trabalho do nutricionista. Os cuidados nutricionais na preservação ou recuperação do estado nutricional, identificação de disfagia e demais alterações do trato gastrointestinal facilitam a reabilitação precoce dos indivíduos e aceleram a alta da UTI. 

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REFERÊNCIAS

  1. BURGOS, R. et al. ESPEN guideline clinical nutrition in neurology. Clin Nutr. v. 37, n. 1, p. 354-396, 2018. 

  2. CAMILLERI, M. et al. Gastroparesis. Nat Rev Dis Primers. v. 4, n. 1, 2018. 

  3. GALLEGOS, C. et al. Nutritional Aspects of Dysphagia Management. Adv Food Nutr Res. v. 81, p. 271-318, 2017.

  4. GARCÍA, M. O. et al. Manejo nutricional de la esclerosis lateral amiotrófica: resumen de recomendaciones. Nutr. Hosp. v. 35, n. 5, p. 1243-1251, 2018. 

  5. GREENE-CHANDOS, D.; TORBEY, M. Critical Care of Neuromuscular Disorders. Continuum (Minneap Minn). V. 24, n. 6, p. 1753-1775, 2018.

  6. JONES, K. et al. Interventions for dysphagia in long-term, progressive muscle disease. Cochrane Database Syst Rev. V. 9, n. 2, 2016.

  7. LIEBER, A. C. et al. Nutrition, Energy Expenditure, Dysphagia, and Self-Efficacy in Stroke Rehabilitation: A Review of the Literature. Brain Sci. V. 8, n. 12, 2018. 

  8. LUGLI, A. K. et al. Medical Nutrition Therapy in Critically Ill Patients Treated on Intensive and Intermediate Care Units: A Literature Review. J Clin Med. V. 8 n. 9, 2019.

  9. QUIGLEY, E. M. Other forms of gastroparesis: postsurgical, Parkinson, other neurologic diseases, connective tissue disorders. Gastroenterol Clin North Am. V. 44, n. 1, p. 69-81, 2015.

  10. RUDNICKI, S. et al. Symptom Management and End of Life Care. Neurol. Clin. V. 33, n. 4, p. 889-908, 2015.

  11. SABBOUH, T.; TORBEY, M. T. Malnutrition in Stroke Patients: Risk Factors, Assessment, and Management. Neurocrit Care. v. 29, n. 3, p. 374-384, 2018.

  12. SASEGBON, A.; HAMDY, S. The anatomy and physiology of normal and abnormal swallowing in oropharyngeal dysphagia. Neurogastroenterol Motil. V. 29, n 11, 2017.

  13. ZUERCHER, P. et al. Dysphagia in the intensive care unit: epidemiology, mechanisms, and clinical management. Crit Care. v. 23, n. 103, 2019.