Ser Fisioterapeuta na Atenção Primária à Saúde envolve muitas questões que permeiam a vida desses profissionais. Costumo ouvir com frequência perguntas como: “O que faz o fisioterapeuta na atenção básica e na saúde da família?” Ou ainda “Como fica o Nasf após as mudanças no financiamento da Atenção Primária?”. Para entender melhor como foi criado o Nasf, como atua o Fisioterapeuta nesse contexto, desafios e perspectivas, eu trouxe esse texto sobre a minha vivência na Residência em Saúde da Família.
O Nasf (Núcleo Ampliado de Saúde da Família) foi criado pela portaria 154 de 24 de janeiro de 2008, sendo inicialmente chamado de Núcleo de Apoio à Saúde da Família, com o objetivo de ampliar a abrangência e o escopo das ações da atenção básica, bem como sua resolubilidade, apoiando a inserção da Estratégia de Saúde da Família (ESF) na rede de serviços e o processo de territorialização e regionalização a partir da atenção básica. Com a aprovação da PNAB pela Portaria 2436/17 o Nasf passou a ser chamado de Núcleo Ampliado de saúde da família.1
O Caderno de Atenção Básica (CAB) número 27, das diretrizes do Nasf, aponta que esse núcleo deve estar comprometido com a promoção de mudanças na atitude e na atuação dos profissionais da Saúde da Família e entre sua própria equipe, incluindo na atuação ações intersetoriais e interdisciplinares, promoção, prevenção, reabilitação da saúde e cura, além de humanização de serviços, educação permanente, promoção da integralidade e da organização territorial dos serviços de saúde. 2
Entre as possibilidades de atuação como fisioterapeuta na atenção básica destacam-se as visitas domiciliares (VD), na minha vivência tive maior frequência de pessoas acometidas por AVC, mas também desordens osteomioarticulares, pós cirúrgico de fraturas, além de gestantes e puérperas com dor lombar. Além das VD, consultas individuais, consultas compartilhadas com a equipe, planejamento e execução de atividades em grupo, como por exemplo, grupo de hipertensos e diabéticos, grupo de gestantes, grupo de saúde mental no CAPS (Centro de Apoio Psicossocial), entre outros.
Além disso, também participamos do calendário do PSE (Programa Saúde na Escola) desenvolvendo atividades e atuando na promoção de saúde, fazemos Educação Permanente (EP) com temas que possam esclarecer e ampliar o conhecimento da equipe sobre algum assunto de interesse comum, organizamos feiras de saúde com temas como Outubro Rosa, Setembro Amarelo ou Novembro Azul e suporte no acolhimento à demanda espontânea (um capítulo à parte na Saúde da Família, pois seu formato deve ser sempre discutido pela equipe e deve ser feita a classificação de risco do usuário). 2,3
A proposta de Clínica Ampliada (ajustar a clínica para as necessidades do paciente, para além do processo de saúde e doença e construção compartilhada do diagnóstico terapêutico), do Apoio Matricial (assegurar de forma interativa retaguarda especializada nas equipes de referência da ESF) e Projeto Terapêutico Singular – PTS (conjunto de condutas e propostas terapêuticas, articuladas para um sujeito individual ou coletivo, com discussão interdisciplinar) como dispositivos para o fortalecimento da Atenção Básica e da ESF são bastante potentes, sendo importante para sua efetividade um diálogo entre equipe, conscientização do coletivo profissional, cogestão participativa de trabalhadores, gestores e usuários, além de uma reestruturação dos modelos assistenciais. 2,4
Ainda segundo as diretrizes do Nasf, este cumpre um papel de coordenador do cuidado, buscando atuar de forma não fragmentada em relação à equipe e ao cuidado, garantindo os princípios da integralidade e longitudinalidade.2 Em contrapartida observamos como desafios um modelo assistencial nas Unidades de saúde prevalentemente biomédico, com foco na medicalização e com deficiências no trabalho em equipe, além de deficiência na estrutura física e recursos para desenvolvimento de atividades do escopo de ações dos profissionais de fisioterapia e do NASF de modo geral.5
No segundo ano da residência saímos da assistência nos postos de saúde para vivenciar a gestão e as redes de atenção à saúde. Entre as possibilidades estão as redes de Doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), Vigilância Epidemilógica (VIEP), Vigilância Sanitária (VISA), o Centro de Apoio Psicossocial (CAPS), a Rede de Urgência e Emergência (RUE) e a Central de Abastecimento Farmacêutico (CAF). É nessa fase que desenvolvemos planejamentos e fluxos no sentido de fazer Apoio Institucional às Unidades de Saúde, e entendemos a importância de uma gestão compartilhada com gestores, trabalhadores de saúde e usuários para melhores resultados.
No ano de 2020 um forte movimento de desvalorização e extinção do Nasf, tomou conta do Ministério da Saúde, provocando em esfera federal, questionamentos quanto a sua atuação e resultados. Uma conclusão muito clara desse fato veio com o novo financiamento da Atenção Primária a Saúde, que acaba com a obrigatoriedade de as equipes multidisciplinares estarem vinculadas ao modelo do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB). 4
Sendo assim, enfrentamos mais um obstáculo para alcançar uma mudança significativa nos modelos assistenciais e alcançar maior valorização da prevenção de doenças e da promoção de saúde na Atenção Primária, indo contra a lógica prioritária ambulatorial e de financiamentos baseados apenas em quantidade e não na qualidade de serviços prestados pelo SUS.
Dessa forma fica a reflexão: O que podemos fazer, enquanto profissionais de saúde e usuários, para promover a saúde coletiva, valorizar a importância da nossa profissão na saúde pública e fortalecer o SUS enquanto direito de todos e dever do Estado? Espero ter ajudado a esclarecer um pouco dos questionamentos que causam tanta inquietação, mas sabemos que o caminho é longo para alcançar as mudanças que precisamos no sentido da equidade da atenção à saúde.
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Referências Bibliográficas
1.Portaria nº 154, de 24 de janeiro de 2008. Cria os núcleos de apoio à saúde da família. Ministério da saúde.
2. Caderno de Atenção Básica n. 27; Diretrizes do nasf. Ministério da saúde, 2009.
3. Caderno de Atenção Básica n. 28; Acolhimento à demanda espontânea. Ministério da Saúde, 2013.
4. https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/home/noticias/saude-da-familia-perde-modelo-do-nasf
5. Dez anos dos Núcleos de Apoio à saúde da Família (Nasf): Problematizando alguns desafios: https://doi.org/10.1590/0103-11042018S122