Oi farma, tudo bem? Hoje vamos conversar um pouco sobre o canabidiol e sua acessibilidade no Sistema Único de Saúde (SUS).
A Cannabis sativa é uma erva originária da Ásia Central, sendo popularmente conhecida no Brasil como “Maconha”. Desde a antiguidade, esta espécie é utilizada para diversos fins terapêuticos, como dores reumáticas, distúrbios intestinais, malária e disfunções no sistema reprodutor feminino.
A elucidação dos compostos sintéticos da planta ocorreu em 1960, isolando-se o delta-nove-tetra-hidrocanabinol (∆9-THC) e o canabidiol (CBD), sendo o grupo de estudos do professor israelense Raphael Mechoulam responsável por tal descoberta. Desde então, diversos pesquisadores buscam ações farmacológicas destes compostos.
Anos mais tarde foi possível descobrir receptores canabinóides no sistema nervoso central, o canabinóide1 (CBD 1), canabinóide 2 (CBD-2), 2- araquidonilglicerol (2-AG), a virodamina e outros.
A utilização do canabidiol é bastante polêmica, principalmente por a Cannabis sativa estar inclusa como droga ilícita. Porém, diversos estudos demonstram a importância da planta na terapia de patologias que afetam o sistema nervoso, como epilepsia, ansiedade, doenças neurodegenerativas, esclerose múltipla e dor neuropática.
Thiele et al. (2018) avaliaram a atuação farmacológica do Canabidiol no tratamento de síndromes convulsivas em associação com a síndrome Lennox-Gastaut. O estudo foi desenvolvido em um modelo experimental em humanos, por um teste randomizado duplo-cego, controlado por placebo. Um total de 117 participantes foram designados para receber placebo ou o canabidiol, sendo administrado 20 mg por dia. Os autores concluíram que a resposta terapêutica foi eficaz e bem tolerada.
Diversos outros estudos demonstram a eficácia farmacológica do canabidiol. Kaplan et al. (2017) avaliaram a eficácia do composto na patologia Sturge-Weber, responsável por malformações vasculares, epilepsia refratária e outras condições. A pesquisa foi realizada com cinco participantes e após a décima quarta semana os voluntários apresentaram 50% de redução nas crises convulsivas, melhorando a qualidade de vida.
Mas, se existe tantos estudos comprovando a eficácia farmacológica e os benefícios ao paciente, o que falta para ser inserido no Sistema Único de Saúde?
Em 2014 o Conselho Federal de Medicina aprovou a resolução nº 2.113 sobre o uso compassivo de canabidiol para o tratamento de epilepsias em crianças e adolescentes refratárias às terapias convencionais, ou seja, pacientes com estas patologias que não tenham eficácia farmacológica com os fármacos comumente utilizados, podem optar pelo tratamento com canabidiol.
A resolução nº 3, de 26 de janeiro de 2015 foi um marco no Brasil, uma vez que a importação do composto foi permitida por meio da sua inserção na lista de medicamentos entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da portaria SVS/MS nº. 344, de 12 de maio de 1998.
A resolução Nº 327de 9 de dezembro de 2019 dispõe sobre a concessão de autorização sanitária, para a fabricação e importação dos produtos derivados da Cannabis, bem como os requisitos para comercialização, prescrição, monitoramento, dispensação e fiscalização
De acordo com a Constituição Federal (1988) “A Saúde é direito de todos e dever do Estado”. A inserção do canabidiol no SUS é a garantia de fornecer um tratamento adequado, eficaz e seguro para aqueles que sofrem de patologias do sistema nervoso. O composto possui um alto custo, sendo inacessível, e mais uma vez, se torna obrigação e dever do Estado fornecer a terapia. Em fevereiro de 2021, o Ministério da Saúde abriu uma consulta pública sobre a inserção do canabidiol no sistema único de saúde. Porém, até o momento nada foi definido.
Outros medicamentos que causam maior dependência química comprovada cientificamente, por exemplo, os derivados do ópio, são liberados há bastante tempo. Cerca de quarenta países já liberaram a utilização do canabidiol ou da Cannabis Medicinal, possuindo experiências bastante relevantes e demonstrando a importância da terapêutica com o composto.
Recentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) aprovou a utilização de dois fármacos a base de Cannabis. Os produtos são uma solução oral a base do canabidiol com teores de concentração entre 17,18 mg/mL e 34,36 mg/mL, com até 0,2% de THC, devendo ser prescrito em receituário azul. Vale ressaltar que essa autorização é para importação dos produtos, os quais devem ser comercializados no Brasil.
Devemos lembrar que estes compostos possuem um alto custo e nem todos têm acesso, sendo um fator de importância sua disponibilização no SUS. Outras concentrações do canabidiol também foram aprovadas, como 200 mg/mL, 20 mg/mL e 50 mg/mL.
No ano de 2020, a indústria paranaense “Prati DronaDonaduzzi”, conseguiu liberação da Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA) para a produção do Canabidiol em solo brasileiro. O composto é caracterizado como fitofarmáco, sendo comercializado na concentração de 200mg/mL. A prescrição deste medicamento deve ser realizado em receituário azul tipo B, sendo exclusivo apenas para médicos(a).
Outro marco divulgado recentemente é a clínica terapêutica da cannabis medicinal em Salvador, objetivando fornecer a terapia e o atendimento médico com um menor custo aos pacientes, atendendo o paciente e monitorando a terapia. .
Apesar da liberação de alguns medicamentos a base da Cannabis, o processo para adquirir o composto é bastante complexo. Há uma burocracia enorme no que se diz respeito à importação dos medicamentos e/ou o cultivo da espécie, resultando em inúmeras ações judicias para garantir o direito à saúde.
Quanto à aquisição do canabidiol produzido em solo brasileiro, o processo torna-se mais fácil, uma vez que o paciente apenas deve apresentar o receituário médico. Em contrapartida, o custo desse medicamento é inacessível para grande parte da população, sendo de extrema importância o fornecimento deste pelo SUS, de forma a garantir o direito à saúde para todos. Desta forma, ainda há muito que percorrer, e o Estado têm como obrigação elaborar políticas públicas e normas regulamentadoras, para garantir os direitos dos seus cidadãos.
O farmacêutico possui um papel relevante na intervenção farmacológica com o canabidiol, desde conhecer as principais pesquisas clínicas, promover a farmacovigilância, acompanhar o paciente e sua clínica, e também conscientizar os cidadãos da importância do medicamento e promover debates para a inserção deste no SUS.
Ufa, hoje abordamos muita coisa, hein. Espero que essa conversa tenha sido proveitosa e nos encontramos no próximo mês!
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Referências
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