Ansiedade: compreensão e intervenção psicoeducativa | Colunista

Qual a primeira coisa que passa na sua cabeça com a seguinte declaração? 

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) o Brasil sofre uma epidemia de ansiedade, o país tem o maior número de pessoas ansiosas do mundo: 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população) convivem com o transtorno. Mas afinal o que é ansiedade? Quando ela é patológica? Ela só me faz mal?

Fato é, embora empregue-se frases no dia-a-dia para descrever o que seria uma pessoa ansiosa, muitas pessoas têm dificuldades ou confusão sobre o que de fato é a ansiedade, afinal ela é vilã ou mocinha? Emoção ou transtorno? Ao longo do texto iremos entender melhor, o que de fato é a ansiedade e os transtornos relacionados. Compreender a ansiedade, é por consequência entender a importância que ela tem em nossas vidas e como poderemos utilizar ela de forma apropriada.

O que é ansiedade?

De acordo com Leahy (2011) a ansiedade é parte da nossa herança genética, faz parte de nossa evolução e boa parte do que fazemos para evitar o perigo são partes dessa herança e instinto de preservação.

Refutando essa afirmação, Gorayeb (2014) pontua que nossa ansiedade é a soma de mudanças em nosso corpo, com os pensamentos, que, por sua vez, levam a sentimentos, que parece ser uma mistura de medo, insegurança, vergonha. Todo esse processo, misturado a interpretação cognitiva da situação, reações fisiológicas é o que chamamos de ansiedade. 

Ela é nosso alarme, contudo, os perigos, que nossos ancestrais tinham a milhões de anos atrás não são os mesmo da idade moderna e o mais importante, diferente deles e dos animais, desenvolvemos a linguagem, comunicação e temos a capacidade de interpretação, fazendo com que alguns medos sejam criados, outros imaginários, fruto dos nossos pensamentos e interpretações. 

Vamos utilizar um exemplo divertido da função reguladora que a ansiedade exerce e quando ela está função acaba ficando desadaptada, ou seja, acaba atrapalhando. Utilizaremos o filme “Os croods” como base dessa explicação.

Uma família que vivia numa caverna, caçavam juntos (sempre a luz do dia para não serem devorados), não saiam a noite e nem pensar em coisas novas em galera. Qualquer coisa que fugisse da rotina metódica, “controlada” e já conhecida pelo papai e chef Grup não poderiam ser feitas ou exploradas. Ele seguiu à risca todas as “regrinhas” impostas pela ANSIEDADE: 

  • Detectar o “perigo” – quanto mais rápido um perigo é detectado maiores as chances de sobreviver, alerta é o sobrenome.
  • Transformar o perigo em catástrofe – uma pequena coisa, pode se tornar um grande desastre.
  • Tentar controlar a situação – tenta controlar a ansiedade e também as coisas a sua volta. Portanto, todos dentro da caverna para evitar o perigo.
  • Evitar ou escapar – Não consegui controlar? Então é preciso fugir, e rápido. Não precisamos conhecer nada novo, o novo não tem como controlar. (LEAHY, 2014)

Até que sua filha adolescente e curiosa Eep, quebra algumas dessas regrinhas, e conhece um coleguinha bem evoluído, o Guy que tem muitas coisas “modernas”, vocês imaginam a confusão não é mesmo?

Então, o que essa historinha tem a ver? Tudo, o medo do pai de Eep a impedia de conhecer coisas novas e impedia ele mesmo de buscar um mundo cheio de possibilidades de evolução e até de avaliar se o que provocava medo, era realmente perigo. Assistam e confiram o final, a saída da caverna e as descobertas, novas interpretações.

Embora a ansiedade seja uma herança útil para nossa sobrevivência, algumas vezes ela nos atrapalha, especialmente quando reforçamos em demasia as regrinhas citadas anteriormente.

Gorayeb (2014) emprega os termos ansiedade adaptativa para quando a ansiedade não traz prejuízos e ela está apenas fazendo sua função de alerta/reguladora (o sinal de alerta é sútil) e ansiedade desadaptativa quando ao invés de ajudar, acaba atrapalhando. 

  • REVISÃO: Ansiedade é uma resposta emocional normal e adaptativa diante de situações real ou imaginárias de ameaça. 

E como saber se a ansiedade está adaptada, desadaptada ou evoluindo para um transtorno psicopatológico? Alguns parâmetros que são levados em consideração:

  • Intensidade: Essa resposta está em consonância com a situação apresentada?
  • Sofrimento: Eu sofro tanto que estou começando a fugir e evitar a todo custo algumas situações, até aquelas que eu fazia no cotidiano.
  • Prejuízo: No trabalho, social, etc.
  • Síndrome (sindrômico): Todo transtorno, apresenta uma serie de sinais e sintomas para que seja categorizado como tal.  (DSM-5, 2014)

Quais os transtornos de ansiedade?

Segundo o Manual Diagnóstico e estáticos de transtornos mentais (DSM-5), os transtornos de ansiedade compartilham características de medos excessivos e perturbações comportamentais.  É um sentimento difuso, desagradável e vago de apreensão. São transtornos de ansiedade:

  • Transtornos de ansiedade de separação – ansiedade ou medo excessivo de separar-se de casa ou da figura de apego.
  • Mutismo seletivo – Falha consistente de falar em AMBIENTES ESPECÍFICOS.
  • Fobia especifica – como próprio nome já diz, medo excessivo ou irracional a um objeto ou situação em particular.
  • Transtorno de ansiedade social (Fobia Social) – Medo de ser humilhado, rejeitado, inadequado. Medo de ser avaliado negativamente por outras pessoas.
  • Transtorno de pânico – preocupação e medo a cerca de um ataque de pânico, preocupações com consequências do ataque. Medo de ter um ataque de pânico, desse modo, a qualquer percepção de mudança fisiológica ele já fica em alerta e pode desencadear ataques recorrentes e algumas vezes inesperados.
  • Transtorno de ansiedade generalizada – dificuldade em controlar as preocupações excessivas sobre diversas situações e temas.

Já discutimos sobre o que é ansiedade e os transtornos relacionados. E como é feito o tratamento? O que funciona? A seguir falaremos um pouco sobre uma técnica interventiva nomeada PSICOEDUCAÇÃO, utilizada em terapia cognitivo-comportamental para diversos contextos e tratamentos, uma técnica ouro e indispensável. 

Psicoeducação: técnica essencial 

Segundo Lehay (2006) citado por Carvalho et al. (2019, p. 15) A terapia cognitivo- comportamental (TCC) é reconhecida por auxiliar clientes no aprendizado de novos padrões de pensamento e comportamento. Trata-se de uma terapia colaborativa e psicoeducativa.

Ainda de acordo com Carvalho et al. (2019) quanto mais a pessoa estiver informada sobre sua condição de saúde mental e física, sobre seu funcionamento (cognitivo, emocional e comportamental) e sobre a forma como pode ser conduzido seu tratamento, mais ela estará pronta para participar ativamente do processo. Uma meta importante na TCC é capacitar o cliente para ser seu próprio terapeuta (BECK, 1997) citado por (CARVALHO et al. (2019).

Esse texto por exemplo, é um texto educativo, onde estou esclarecendo para vocês a funcionalidade da ansiedade, por meio do texto (escrita) e trazendo exemplos de filmes.

Na prática clínica, é importante esclarecer e discutir com o cliente sobre o que é a psicoterapia (sim, muitas pessoas vão a terapia sem saber o que é e para que serve, e é nossa função esclarecer de forma correta para ele), posteriormente a abordagem e como a mesma funciona, modelo cognitivo, recursos utilizados, peculiaridades do sintoma e/ou diagnóstico, etc.

A intervenção psicoeducativa permitirá a aprendizagem, do mais simples ao mais complexo. Os clientes melhoram por meio do tratamento porque eles começam a entender melhor seu funcionamento, a aprender a resolver problemas e a desenvolver um repertorio de estratégias que eles mesmos podem aplicar. (Beck, 1997) citado por (CARVALHO et al. (2019, P. 16).

Vale salientar que existem muitos recursos que podem ser utilizados na psicoeducação, aqui nesse texto utilizei o de leitura e o de filme por exemplo, mas você não vai trazer algo de acordo com a demanda do paciente, não é algo aleatório.

Tudo precisa ser adaptado à demanda nos mínimos detalhes e sim, você precisa saber do que se trata, para que possa discutir com o paciente os pontos observados e consiga fazer uma boa psicoeducação. Portanto, pense nessa técnica como um recurso repleto de possibilidades, você pode utilizar, leitura, filmes, músicas, vídeos, explorar sua criatividade, observar se o paciente tem limitações para executar (se um paciente não souber ler, não irei passar texto não é mesmo?). 

Você lembra quando eu falei no comecinho do texto que algumas pessoas nem sabem o que é ansiedade, nem muito menos que possuí uma função e que alguns clientes podem nem saber o que é psicoterapia?

Considero a psicoeducação uma técnica essencial por esse sentido, para que seja possível argumentar, enfrentar, reaprender, adaptar pensamentos, emoções e comportamentos de forma consciente e funcional. Posteriormente ele será o próprio psicoterapeuta, necessita aprender e saber a respeito de sua demanda.

Segundo Lukens & McFarlene (2004) citado por Carvalho et al. (2019, p. 20) A psicoeducação está entre as práticas baseadas em evidências mais eficazes, tanto em ensaios clínicos como em contextos comunitários. A flexibilidade do modelo educativo, que incorpora informações especificas sobre psicopatologias e condições de saúde, além de informações sobre estratégias de manejo das mesmas, agrega potencial de lidar com as dificuldades variadas.

E para finalizar, quando aprendemos e conhecemos melhor, inclusive os nossos medos, temos a possibilidade de sair da caverna!

Matérias relacionadas:

Referências: 

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (recursos eletrônicos): DSM-5. Trad. NASCIMENTO, M. I. C. et al, 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

CARVALHO, Marcele Regine de et alPsicoeducação em Terapia cognitivo-comportamental. Novo Hamburgo: Sinopsys, 2019. 350 p.

GORAYEB, Maria Angela Marchini. Ansiedade? Mate essa charada! – Material de apoio no tratamento cognitivo-comportamental da ansiedade infanto-juvenil. Novo Hamburgo: Sinopsys, 2014. 64 p.

LEAHY, Robert L.. Livre de ansiedade. Porto Alegre: Artmed, 2011. 248 p.

Por Sanar

Existimos para empoderar e dar superpoderes aos profissionais da Saúde. Atuamos de forma mais direcionada com 7 áreas da Saúde: odontologia, psicologia, enfermagem, farmácia, fisioterapia, nutrição e medicina veterinária. Queremos ser a Casa da Carreira do profissional da Saúde e acompanhá-lo ao longo de toda a sua jornada: desde a faculdade até o auge da sua maturidade profissional, oferecendo todo o suporte necessário para que possa ir mais longe e mais rápido em sua carreira. Nós acreditamos, e você?