Sustentabilidade e a fome | Colunista

A relação entre a sustentabilidade e a fome abarca imenso cenário, que deve ser considerado, de modo consciente, em que cada escolha importa – incluindo não apenas a coletiva, como a individual.

Diante do cenário da fome no país, que no ano de 2021, já atinge 27 milhões de brasileiros (12,8% da população) cabe a compreensão da relação das partes envolvidas, como reflexão. O cenário da pandemia, que significou aumento de preços dos alimentos em alguns momentos, bem como a perda de emprego de inúmeros indivíduos e acesso à alimentação como consequência, é um novo alerta.

Produtividade, produção e sustentabilidade em equilíbrio, com planejamentos, podem fazer a diferença, bem como leis, além das existentes no país e consumo consciente, para evitar o desperdício de alimentos. 

O descaso ao longo dos anos, inviabilizou terras agrícolas, então temos terras que antes eram produtivas, mas que deixaram de ser. Sem mencionarmos as queimadas e desmatamento que ocorrem no país, sendo que o desperdício de alimentos é um dos fatores.

Os desperdícios de alimentos ainda oneram o meio ambiente, visto que há emissão de óxido nitroso e metano, pela degradação, que repercutem de modo nocivo à camada de ozônio.

Dados sobre perdas e desperdício de alimentos podem ser encontrados no site da Food Loss and Waste, que agrupa informações por país. O site permite consulta dos dados e download das informações.

No gráfico disponibilizado no site da FAO, é possível averiguar dados de perdas consideráveis de alimentos ao longo dos anos de 2001 a 2007, método de coleta realizado, localização e referência (representados pelos pontos coloridos, periodizado por ano avaliado).

O desperdício de alimentos no Brasil, acontece durante algumas etapas. Primeiramente no manuseio e logística da produção: na colheita, o desperdício é de 10%. Em segundo lugar se deve ao tipo de transporte e armazenamento, totalizando 30%. No comércio e varejo, a perda é de 50%. Por fim, temos a situação também presente nos domicílios, sendo que 10% dos alimentos são dispensados. É preciso debater e inserir ajustes em cada uma destas etapas para que tenhamos menos desperdícios e diminuição da fome, evitando que alimentos sejam jogados no lixo, já que se trata de recursos e direito humano.

Segundo dados do IBGE, de 2018, o Brasil retornou ao Mapa da Fome, o que significa que entramos na lista de países com mais de 5% da população ingerindo menos calorias do que o recomendável. Ainda, de acordo com o IBGE, a insegurança alimentar grave atingiu 10,3 milhões de brasileiros, segundo dados publicados em 2020.

O trabalho da ONG Banco de Alimentos, voltado ao combate da fome e do desperdício de alimentos, revela que cada brasileiro desperdiça mais de meio quilo de alimento por dia. De acordo com a ONG, em matéria divulgada em abril de 2021, 116,8 milhões de brasileiros não têm acesso pleno e permanente a alimentos e 19 milhões passam fome. Ainda, de acordo com a ONG: “no Brasil, que bate recordes no agronegócio e desperdiçou 23,6 milhões de toneladas de alimentos em 2019”.

Os chamados Bancos de Alimentos são importantes ferramentas contra o desperdício de alimentos, como também de ações de inclusão e acesso da população de alimentos, através de doações. 

É interessante observar que parte do desperdício se dá pela falta de informação ou por caráter estético de alguns alimentos. Mesmo diante do potencial nutricional de cascas de alimentos, por exemplo, ou de alimentos que têm características físicas consideradas pela maioria dos consumidores como não ideias (devido a estética, que resulta no não consumo).

Graças às ações de supermercados e indústrias, como informa a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), através de campanhas de conscientização, o desperdício diminuiu pela aquisição de alimentos considerados “feios” ou de aparência disforme, porém perfeitos ao consumo pela população. No ano de 2020, a associação iniciou pesquisa sobre desperdício de alimentos, sendo divulgada no mesmo ano para associados, no mês de julho; a pesquisa fez parte da 20ª Avaliação de Perdas no Varejo.

Mas ainda há, por parte de supermercados, a compra de frutas, legumes e verduras que estejam dentro do considerado padrão estético, o que faz com que toneladas de alimentos sejam simplesmente dispensadas.

Importa saber que para a aquisição dos alimentos, certas imperfeições não alteram seu valor nutricional e não oferecem riscos à saúde. A Embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) disponibiliza um guia para compra adequada de hortaliças, gratuitamente, incluindo receitas e atitudes para reduzir o desperdício, disponível no link: https://www.embrapa.br/documents/1355126/2250572/ed23.pdf/3c988289-6f1e-af2f-36c0-ea930ba302fe 

Outra consideração vital é considerar a agricultura familiar como opção para a aquisição de alimentos. Gerando fonte de renda para pequenos agricultores e garantindo qualidade na alimentação, sendo ainda uma prática sustentável.

O cooperativismo do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra) é sem dúvida um excelente exemplo de sustentabilidade, pela preservação dos recursos naturais e cultivo de alimentos orgânicos em agroflorestas; alimentos estes, benéficos à saúde, ainda mais importantes no cenário da pandemia – visto que o corpo humano absorve dos alimentos sua fonte de energia, imunidade e equilíbrio funcional.

Diferente do agronegócio, que geralmente visa a exploração das terras, com ação predatória da natureza, além de utilização de agrotóxicos reconhecidamente nocivos à saúde, como mostram inúmeros artigos científicos já elaborados, de fácil acesso na internet. Por sinal o Brasil é um dos países que mais utiliza agrotóxicos do mundo, então é pela conscientização e poder de escolha que podemos fazer a diferença.

Diferença esta não apenas na qualidade dos alimentos a serem consumidos, mas também, pensando em não desperdiçar os alimentos, visando a sustentabilidade como um todo, além da produção de alimentos e sustento das famílias rurais.

O MST lançou importantes meios de atuação no cenário alimentar.

Um deles, por exemplo, é o Plano Nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”, objetivando o plantio de 100 milhões de árvores em 10 anos, a partir das agroflorestas (sistemas agroflorestais – SAF).

Estes sistemas consideram o uso da terra, pelos princípios da agroecologia, envolvendo tanto a produção de alimentos como recursos vegetais, como a madeira por exemplo, presentes em várias regiões do Brasil.

Outra ação, entre outras, ocorreu no presente ano, com o lançamento de marca de alimentos orgânicos no Rio Grande do Sul, denominada ‘Terra Livre Agroecológica’. Para consumidores interessados na região, é possível realizar compras online, pelo  site https://terralivre.coop.br/ e para outras regiões, os produtos podem ser encontrados em feiras orgânicas.

Ainda considerando a sustentabilidade, a FAO (Food and Agriculture Organization) implementou o projeto “Fortalecimento da estrutura nacional de conhecimento e informação para promover políticas de gestão sustentável de recursos florestais”. 

Todas as ações são de extrema importância, pelos muitos benefícios que geram para toda sociedade; as florestas como fonte de alimentos e sua preservação é fundamental.

O desmatamento da Amazônia, para se ter uma ideia, prejudica não apenas o meio ambiente, pois a região e suas chuvas são responsáveis pelo facilitamento de diversas produções de alimentos.

De acordo com a FAO, o Projeto é de inclusão social das comunidades, uso sustentável dos recursos naturais das terras e manejo sustentável dos recursos florestais. Lembrando que o país detém a maior e mais diversificada área de florestas tropicais do mundo.

Já é o momento de entendermos que nossas ações refletem muito além de nós mesmos, cobranças de leis e políticas públicas são necessárias para se somarem as que já temos. Perceba que o voto é de fato uma ferramenta que pode fazer a diferença. Muitos fatores estão envolvidos, do voto às nossas escolhas diárias. É tempo de refletirmos.

Matérias relacionadas:

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O consumo de alimentos ultraprocessados no Brasil
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Referências:

COUTO, Camille. População abaixo da linha da pobreza triplica e atinge 27 milhões de brasileiros. CNN, Rio de Janeiro, 08 de abril de 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2021/04/08/populacao-abaixo-da-linha-da-pobreza-triplica-e-atinge-27-milhoes-de-brasileiros. Acessado em 17 mai., 2021.

SANTOS, Henrique Faria dos. A Outra face do Agronegócio Globalizado e as  Desigualdades Socioespaciais: Estudo de caso com a Cafeicultura Moderna no Município de Alfenas – MG. UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS. Unifal. Alfenas, MG, 2011.

Disponível em : https://www.unifal-mg.edu.br/geografia/sites/default/files/tcchenrique.pdf Acessado em 18 mai., 2021

FAO. Food Loss and Waste Database. Food Loss Percentage by Value of Domestic Production, 2021.Disponível em : http://www.fao.org/platform-food-loss-waste/flw-data/en/ Acessado em mai,2021

CFN. POF/IBGE: Pesquisa mostra aumento da fome no Brasil. Conselho Federal de Nutrição, 2020. Disponível em: https://www.cfn.org.br/index.php/noticias/pof-ibge-pesquisa-mostra-aumento-da-fome-no-brasil/ Acessado em 21 mai,2021.

BRASIL. Agência Brasil. IBGE: insegurança alimentar grave atinge 10,3 milhões de brasileiros. Brasília, 2020. Disponível em : https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-09/ibge-inseguranca-alimentar-grave-atinge-103-milhoes-de-brasileiros Acessado em 21 mai,2021.

ONG BANCO DE ALIMENTOS. No Brasil, que bate recordes no agronegócio e desperdiçou 23,6 milhões de toneladas de alimentos em 2019.Sem data de publicação. Disponivel em : https://bancodealimentos.org.br/ Acessado em 21 mai, 2021.

ABRAS. ABRAS inicia pesquisa de perdas nos supermercados brasileiros. Associação Brasileira de Supermercados, 2020. Disponível em : https://www.abras.com.br/clipping/noticias-abras/69968/abras-inicia-pesquisa-de-perdas-nos-supermercados-brasileiros Acessado em 20 mai, 2021.

ONG MST. Cooperativismo potencializa a produção de alimentos saudáveis em todo país. Ong Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, 2020. Disponível em: https://mst.org.br/2020/07/04/cooperativismo-potencializa-a-producao-de-alimentos-saudaveis-em-todo-pais/ Acessado em 19 mai., 2021

ONG MST .MST e a produção de alimentos saudáveis nas agroflorestas. Ong Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, 2020. Disponível em: https://mst.org.br/2020/09/11/artigo-mst-e-a-producao-de-alimentos-saudaveis-nas-agroflorestas/ Acessado em 20 mai., 2021.

FAO. Avaliação de meio termo do projeto Fortalecimento do Marco Nacional de Conhecimento e Informação para Subsidiar Políticas de Manejo Sustentável dos Recursos Florestais. Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, 2015. Disponível em: http://www.fao.org/3/bd488pt/BD488PT.pdf Acessado em 14 mai., 2021

Por Sanar

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