Com as influências e os avanços das tecnologias da informação e comunicação (TICs) na sociedade atual, tem sido requerido de profissionais das diferentes áreas a modernização de recursos, técnicas e instrumentos que se ajustem a essa nova realidade. Com o advento da pandemia, em decorrência do Covid-19, essa exigência se tornou ainda mais urgente diante das medidas restritivas de segurança.
Na área de Psicologia, as discussões sobre a possibilidade de adaptação de serviços psicológicos mediados por TICs são debatidas há algum tempo. Nos anos 2000, o Conselho Federal de Psicologia publicou a Resolução nº 003/2000, que regulamentava o atendimento psicoterapêutico mediado por computador. Posteriormente, essa resolução foi revogada pelas Resoluções nº 012/2005, nº 011/ 2012 e, pela então vigente, nº 011/2018 (CFP, 2000; 2005; 2012; 2018).
A Resolução CFP nº 011/2018 (CFP, 2018) regulamenta e autoriza a prestação de serviços psicológicos realizados por meio de TICs e destaca, entre as modalidades de atendimento, a Avaliação Psicológica. Esse procedimento, de acordo com a Resolução nº 009/2018 (CFP, 2018), deve ser compreendido como um processo estruturado que visa a investigação de fenômenos psicológicos e gera informações que favorecem a tomada de decisão individual, grupal ou institucional, a partir de demandas específicas.
Diante de seus objetivos, a Avaliação Psicológica é uma modalidade comumente buscada para diversos contextos com demandas espontâneas ou compulsórias. Com a orientação de interrupção de atendimentos psicológicos presenciais, e de forma a dar prosseguimento aos atendimentos e aos processos avaliativos, muitos profissionais precisaram adaptar seus serviços para o formato on-line.
No entanto, ainda que existam diversos estudos sobre processos psicoterápicos mediados por TICs, a área de Avaliação Psicológica na modalidade on-line carece de literatura sobre a prática no Brasil (MARASCA et al., 2020). Nesse contexto, várias dúvidas podem ter surgido sobre quais adaptações e recomendações a psicóloga deve buscar e ponderar antes de iniciar um processo de Avaliação Psicológica on-line.
Como mencionado anteriormente, a literatura da área nessa modalidade se encontra progressivamente em atualizações. Até o presente momento, as notas técnicas, as resoluções e a literatura demonstram que, sim, a Avaliação Psicológica on-line é possível, mas com ressalvas.
O que a psicóloga deve considerar antes de realizar um processo de Avaliação Psicológica on-line?
O primeiro ponto a ser analisado é sobre qual o objetivo e a necessidade da avaliação. Posteriormente, deve ser ponderado sobre a viabilidade do processo considerando a demanda, as condições físicas, emocionais e cognitivas, o contexto em que o indivíduo se insere, o acesso às tecnologias e se há um local adequado e seguro para o avaliando. Além disso, é imprescindível que a psicóloga disponha de um local com privacidade, possua recursos tecnológicos pessoais adequados e que garantam o sigilo (MARASCA et al., 2020).
Há limitações quanto ao público que pode ser atendido?
A Resolução nº 11/2018 (CFP, 2018) considerava inadequado e vedava atendimentos de pessoas que se encontravam em contextos de violação de direitos, violência, emergência e desastres. No entanto, durante a pandemia do Covid-19, essas recomendações foram suspensas pela Resolução nº 004/2020 (CFP, 2020).
No entanto, é fundamental ponderar sobre a viabilidade desse processo de acordo com o caso e com outras questões práticas que garantem o sigilo. Em casos de atendimento de crianças e adolescentes, a resolução não explicita limitações quanto à idade. Entretanto, além de ponderar sobre a viabilidade, vale lembrar que a autorização dos responsáveis é obrigatória.
É possível realizar uma Avaliação Psicológica on-line em qualquer contexto?
Schneider et al. (2020) discutem ainda que, em casos de avaliação de crianças e adolescentes, o setting pode ser influenciado pela presença dos responsáveis sem que a psicóloga perceba, trazendo possíveis alterações nos resultados. Ademais, avaliação psicológica on-line em contextos compulsórios deve ser ponderada em dobro.
Pesquisadores argumentam que o fato de o examinando não ter buscado o processo voluntariamente, e os resultados da análise terem o potencial de trazer prejuízos para essa pessoa, podem ser motivos para esta não colaborar com a avaliação (SCHNEIDER et al., 2020). Ademais, a psicóloga deve atentar-se às recomendações específicas de cada campo. Por exemplo, para psicólogas que trabalham no contexto forense é fundamental a leitura do Ofício Circular nº 63/2020/GTec/CG-CFP (CFP, 2020).
E os testes psicológicos?
É fundamental que a psicóloga se atente à distinção entre aplicação informatizada e aplicação remota (on-line), como é apresentada na Nota Técnica 07/2019 (CFP, 2019). No primeiro caso, ainda que a administração possa ocorrer por meio de equipamentos tecnológicos, faz-se necessário o acompanhamento presencial da profissional durante a administração do teste, enquanto na segunda situação pode ser realizada sem a presença da psicóloga.
Como consta na Resolução nº 09/2018 (CFP, 2018), é imprescindível que os instrumentos apresentem parecer favorável emitido pelo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (Satepsi). Desse modo, além do parecer, a psicóloga deve se atentar aos parâmetros psicométricos descritos no manual do teste, como os estudos de evidências de validade, fidedignidade, padronização e normatização. Esses dados trazem respaldos sobre a seguridade e a essencialidade de um padrão para a confiabilidade na administração, nos resultados e na interpretação do instrumento, assim como indicam em que situações e contextos eles podem ser utilizados.
Sendo assim, é importante verificar se o instrumento apresenta parâmetros psicométricos específicos, descritos na amostra normativa do teste, para a utilização na modalidade remota (on-line) ou informatizada. Isso pode ser facilmente verificado no site do Satepsi, em que é possível realizar a busca específicas de testes para essas modalidades.
Dessa maneira, é de competência do profissional verificar e considerar esses estudos antes de utilizá-los e não apenas realizar uma transposição dos estímulos de um instrumento, comumente utilizado para aplicações presenciais, para ferramentas on-line. Além de não garantir a sua eficácia, tal ação fere o Código de Ética Profissional do Psicólogo (MARASCA et al., 2020).
Considerações finais
Em suma, é fundamental que antes de realizar a condução de um processo de Avaliação Psicológica, a psicóloga pondere tanto sobre a necessidade da avaliação, como se há meios individuais do examinando e da profissional que possam garantir a segurança, o sigilo e a confiabilidade dos resultados da avaliação. Além disso, é fundamental que a profissional busque e acompanhe, com frequência, a literatura da área e as demais produções, como notas técnicas e resoluções, que são a base para uma prática ética e científica dentro da profissão.
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Referências
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução n. 003/2000. Brasília, DF, Brasil, 2000.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução n. 012/2005. Brasília, DF, Brasil, 2005.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução n. 011/ 2012. Brasília, DF, Brasil, 2012.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução n. 011/2018. Brasília, DF, Brasil, 2018.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução n. 009/2018. Brasília, DF, Brasil, 2018.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Nota Técnica n. 7/2019. Brasília, DF, Brasil, 2019.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução n. 004/2020. Brasília, DF, Brasil, 2020.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Circular nº 63/2020/GTec/CG-CFP. Brasília, DF, Brasil, 2020.
MARASCA, A. R.; YATES, D. B; SCHNEIDER, A. M. A.; FEIJÓ, L. P.; BANDEIRA, D. R. Avaliação Psicológica On-line: considerações a partir da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) para a prática e o ensino no contexto à distância. Estudos em Psicologia, Campinas, vol. 37, p. 2-11, 2020.
SCHNEIDER, A. M. de A.; MARASCA, A. R.; YATES, D. B.; FEIJÓ, L. P.; ROVINSKI, S. L . R.; BANDEIRA, D. R. Boas práticas para a Avaliação Psicológica On-line. Porto Alegre: GEAPAP/UFRGS, 2020.