1. O que é psicopatologia?
Em diversas provas de concurso e residência na área de psicologia é comum constar no edital o tema psicopatologia. E de fato, é um tema comum e frequente nas provas. Assim, inicio o tema com a primeira questão: “Afinal, o que é a psicopatologia?”
A psicopatologia pode ser definida como o estudo da doença ou transtorno mental. É uma ciência que serve de base a psiquiatria e à psicologia clínica, fornecendo subsídios para pensar sobre as alterações patológicas da psiquê humana (como, alterações da consciência, atenção, orientação, memória, sensopercepção, psicomotricidade, pensamento, linguagem, entre outras) e alguns dos principais fatores de risco para seu desenvolvimento tal como, estressores ambientais, disfunções anatômicas, conflitos intrapsíquicos e comportamentos inadaptados aprendidos.
No entanto, apesar de ter como objeto de estudo o ser humano em sua totalidade, deve-se ter atenção e cuidado ao utilizar dos preceitos da psicopatologia em uma avaliação clínica, por exemplo. Isso porque, nunca devemos reduzir o ser humano simplesmente a conceitos psicopatológicos descritos em manuais diagnósticos.
Karl Jaspers, psiquiatra alemão, é um dos principais autores da psicopatologia moderna e em suas produções traz a reflexão sobre os limites desta área. Para ele, a psicopatologia não é o único conhecimento ou saber necessário em uma avaliação e nunca explicará totalmente a vida do sujeito, mas sim, fornecerá uma noção de seus aspectos psicológicos. É como uma fotografia, um retrato daquele momento específico da vida do sujeito estando em constante modificação.
2. Aspectos gerais da psicopatologia
Dessa forma, durante uma avaliação, para que o profissional não utilize de maneira indevida os manuais diagnósticos (DSM-5 e CID-11) e reduza seu paciente simplesmente a uma patologia, é necessário se atentar a alguns aspectos básicos, denominados: forma e o conteúdo.
– Forma: pode ser entendida como aquelas características/sintomas observáveis de uma doença que possua determinado padrão na população;
– Conteúdo: são os aspectos subjetivos e complexos de um indivíduo que compõem seu quadro psicopatológico.
Assim, entende-se que o conteúdo e causa dos sintomas observáveis são derivados de aspectos existenciais do ser humano como: a sexualidade, conforto físico, poder, relacionamentos, sobrevivência, segurança, controle, temores básicos (de morte, doença, abandono, desamparo etc.) e religiosidade. Aspectos estes que que são fundamentais para se obter uma concepção mais clara e inequívoca do que gera a produção e manutenção dos sintomas em questão.
Outro ponto importante para o fazer clínico da psicopatologia é a definição de normal e patológico. Tendo em vista a amplitude e complexidade da existência humana, nove conceitos de normalidade foram descritos. São eles: normalidade como…
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Ausência de doença = este é um critério um tanto falho que define o normal como aquele que não é portador de um transtorno.
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Ideal = é um critério de certa forma utópico, pois prevê o normal como o mais “evoluído”, aquele indivíduo que é capaz de e adaptar às normas morais e políticas.
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Estatística = que usa como parâmetro da normalidade, aquele comportamento que se manifesta com maior frequência na população.
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Bem-estar = que considera a normalidade como completo bem-estar físico, social e mental.
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Funcional = considera determinada características como patológicas, a partir do momento que produz sofrimento para o indivíduo ou seu grupo social
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Processo = que considera a normalidade como um processo dinâmico, em constante mudança, desestruturações e reestruturações, com alterações diante de crises e mudanças etárias.
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Subjetivo = é consideração de normal/patológico é realizada pelo sujeito a partir de sua percepção pessoal sobre si. Este conceito é um tanto falho no sentido que certos períodos de manias, em um indivíduo bipolar, ele pode se sentir completamente bem e saudável enquanto na verdade, passa por um período de grande oscilação da personalidade podendo trazer riscos a si e aos outros em sua volta.
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Liberdade = este critério considera a doença mental como forte fator de privação da liberdade existencial, portanto a saúde seria a possibilidade de ter autonomia sobre a própria vida e seu destino.
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Operacional = é aquele adotada pelos manuais diagnósticos (CID e DSM) que prevê a delimitação pragmática da demarcação entre normal e patológico.
Atualmente tanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) como o Sistema Único de Saúde (SUS) adotam o conceito de normalidade como bem-estar, considerando que este é o que melhor traduz a necessidade em se ter um olhar para o indivíduo como um ser multidimensional, ou seja, influenciado/ constituído / “atravessado” por fatores biológicos, psicológicos, sociais e espirituais. Fatores estes, que se complementam e repercutem uns nos outros. Devendo a(o) profissional de saúde levar em conta em sua atuação, todos estes aspectos.
3. Principais campos da psicopatologia
Além disso, a psicopatologia também possui diferentes campos de conhecimentos que contemplam as variadas abordagens psicológicas existentes. Ressalta-se que essas diferentes abordagens existem não para convergirem, mas como uma necessidade da área de contemplar ao máximo a complexidade do ser humano. Acredita-se que, o avanço na psicopatologia só ocorre justamente, pelo esforço em se esclarecer, aprofundar e discutir sobre essas diferenças. Dessa forma, os doze campos e tipos de psicopatologia são:
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Descritiva = seu foco é na forma, ou seja, nos sintomas padrões da doença, nas estruturas dos sintomas;
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Dinâmica = o foco é na singularidade do sujeito, ou seja, em seu histórico de vida, nos sentimentos e vivências experenciados;
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Médica = no qual, o foco são os aspectos biológico (suas manifestações observáveis no corpo);
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Fenomenológica = o foco é na singularidade do indivíduo em sua relação com o mundo;
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Cognitivo-Comportamental = o foco é nos comportamentos observáveis do sujeito e em seus aspectos cognitivos conscientes;
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Psicanalítica = em que o foco é nos aspectos inconscientes do sujeito, em seus desejos e produção de sintomas derivados de angústias recalcadas;
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Categorial = o foco é nos transtornos enquanto categorias bem definidas e individuais.
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Dimensional = em que o foco é nas variadas dimensões envolvidas em um transtorno psicológico que podem trazer variações de uma mesma doença. Com exemplo, o espectro esquizofrênico ou autista.
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Biológica = em que o foco é nos aspectos neuroquímicos e cerebrais envolvidos;
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Sociocultural = com foco nos fatores socioculturais envolvidos no adoecimento;
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Operacional-pragmática = trata-se do modelo de classificação (DSM e CID) em que há definições básicas de transtornos mentais e seus sintomas relacionados;
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Fundamental = com foco nos fundamentos de cada doença;
Durante a formação profissional em psicologia é comum que seja escolhida uma abordagem específica para prática da profissão. Dessa forma, o ideal em muitos casos é a “transversalidade” dos saberes, ou seja, dialogar com profissionais diferentes sobre os casos que estão em andamento ou até mesmo, ser capaz de identificar os limites da sua atuação e a possível necessidade de um encaminhamento. Garantindo assim, ao paciente o atendimento que melhor atende suas demandas naquele momento.
Segundo o psiquiatra Eugen Bleuler, a boa prática em saúde mental implica a combinação equilibrada de uma abordagem descritiva, objetiva, dinâmica, pessoal, subjetiva e diagnóstica. Assim, o profissional deve dirigir sua atenção não somente aos sintomas manifestos (para alcançar um diagnóstico impessoal), mas também aos demais fatores implicados na vida desse sujeito, a fim de compreender uma pessoa humana em sua singularidade, carregada de uma história de vida, de um histórico familiar e médico, de medos, desejos e expectativas.
4. Conclusão
Diante disso, é possível observar alguns dos aspectos centrais e introdutórios relacionados à psicopatologia. Atualmente, o conhecimento sobre a área é imprescindível não apenas para a garantia de uma vaga nas provas de concursos e residências, mas também para a atuação profissional e garantia do cumprimento dos direitos e cuidado das pessoas em sofrimento mental.
Nesse sentido, o diagnóstico, quando devidamente realizado, tem um papel essencial de conferir ao sujeito a garantia de seus direitos. Como exemplo, o projeto de lei Art.1 da lei 8.489 de 2017, no qual “é assegurado às pessoas com dislexia ou outros transtornos funcionais específicos, comprovados por meio de laudo médico, o direito à realização de provas em processos seletivos para acesso a emprego ou instituição de ensino, com recursos adequados à sua condição”.
Para jovens com dislexia e/ou outros transtornos de aprendizagem, que estão em fase de prestar vestibulares como o ENEM, o diagnóstico é importante para assegurar seus direitos durante a prova. Ressaltando, que para além desse decreto, existem diversos outros que comtemplam toda diversidade existencial, segundo suas demandas específicas.
Nesse sentido, ressalta-se que apesar de não ser função da psicologia conferir diagnósticos, sua contribuição com uma avaliação psicológica é essencial. Para isso, existem algumas técnicas e ferramentas que podem ser utilizadas como, a observação clínica, anamnese, avaliação do estado mental e uso de escalas padronizadas e testes psicológicos, além de brincadeiras e jogos lúdicos quando se trata de um público infantil. Todos esses recursos servem para conferir ao profissional formas de compreender a presença ou não de patologias e a partir daí, identificar as dificuldades e potencialidades desse sujeito. A fim de então, realizar um acompanhamento psicológico devido e/ou pensar em estratégias de estimulação e reabilitação cognitiva.
Ademais, é importante ressaltar que em um caso de psicopatologia, quanto antes forem realizadas as intervenções neuropsicológicas maior a chance de o indivíduo desenvolver suas potencialidades e evitar prejuízos (sejam eles, psíquicos, sociais, motores ou emocionais). Dessa forma, qualquer momento é tempo para procurar auxílio profissional. Apesar das crianças possuírem maior facilidade para aprender, devido a sua fase de desenvolvimento, independentemente da idade (sejam crianças, jovens, adultos ou idosos) é possível utilizar da flexibilidade mental para a mudança de padrões de vida que causem sofrimento mental.
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REFERÊNCIAS
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CARLAT, D. J. Entrevista psiquiátrica. 2ºed – Porto Alegre: Artmed, 2007.
DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3ºed – Porto Alegre: Artmed, 2019.
LEME LOPES, J. As dimensões do diagnóstico psiquiátrico. Rio de Janeiro: Agir,1954.